O caso Esmeralda soma e segue, prometendo muito em termos da publicitação do ridículo em que se vai transformando a nossa Justiça e o nosso decadente Estado de Direito.
Recentemente, aparentemente ninguém suspeitou que, notificado que estava o "pai dos afectos" (adoptando a jurisprudência etimológica da nossa sensível imprensa) a apresentar a criança para avaliação psicológica em data, hora e local marcado, e encontrando-se este detido, a criança não desceria do céu nem sairia do bolso do militar.
Assim, a nossa prestimosa polícia e Ministério Público patrocinaram a rábula do aparecimento da "mãe dos afectos", sobre a qual pendiam vários mandados de captura (entre os quais por sequestro) que, acompanhada da criança e do marido transportado até ao local com escolta policial em carro celular, procedeu com toda a calma à referida avaliação, tendo de seguida desaparecido novamente para parte incerta, acompanhada novamente da criança. Tudo com direito até a cobertura por jornalistas.
Ou seja, aparentemente ninguém sabia que a senhora e a criança estavam desaparecidos e em fuga à justiça. Nem os polícias que acompanhavam o militar, nem os profissionais e auxiliares que procederam à avaliação, nem os elementos da polícia que se encontravam a mera centena de metros do local. Ninguém. É gente que concerteza não vê televisão e jornais.
Mas a comédia (muito, muito trágica) não se ficou por aí.
Como se sabe, o "pai dos afectos" encontra-se em prisão preventiva, como medida de coacção sustentada pelo perigo de fuga e pelo risco de continuação do crime de sequestro, aguardando o desfecho do recurso da decisão que o condenou em primeira instância a 6 anos de cadeia. Curiosamente, a "mãe dos afectos", sobre a qual estavam pendentes mandados pelos mesmo delitos, apresentou-se ontem ao tribunal (sem a criança), tendo-lhe sido decretada a medida de coacção de termo de identidade e residência (a medida de coacção menos gravosa). Ou seja, o perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa que parece existir para um dos alegados criminosos, não existe para o seu cúmplice. Tudo isto estando ainda a criança em paradeiro incerto.
Um palpite aos senhores investigadores da Polícia Judiciária e aos procuradores do MP: estando a senhora sujeita a termo de identidade e residência, se calhar não seria má ideia ou, sei lá, inteligente, vigiar essa mesma residência ou mesmo proceder à busca da criança e de prova nesse local. Se calhar até, pasme-se, se encontraria lá a criança!
De tudo isto só se podem tirar conclusões desagradáveis em relação ao funcionamento da nossa justiça: a primeira é que todos os formalismos expressos na lei, e concretamente no código de processo penal, podem passar a ser letra morta por vontade dos vários agentes judiciais, mesmo sem grandes conluios; a segunda é que parece haver uma tendência generalizada do MP, desde a mudança do seu titular, em embarcar no show-off das suas funções, e pautar o seu comportamento por um olhar atento à opinião pública (afinal, se os espanhóis tiveram os seus momentos Baltazar Garzón, e não se estranha até o seu convite para vir discutir a luta à corrupção com o nosso estado, nós caminhamos para a era Maria José Morgado); a terceira é que, aparentemente, os próprios juízes vão enveredando pela caminho da cedência à pressão da opinião pública.
Já não bastou a farsa do comportamento dos juízes nos vários julgamentos de crime da aborto. O caso parece já não ser isolado. Desde resoluções do Tribunal Constitucional com timings surpreendentemente oportunos até à aceitação da condução de todo o processo de regulação do poder paternal pelo MP e fora da alçada do tribunal.
E assim vamos, cantando e rindo.