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2008/01/20

Confusões à esquerda

Quando se dá o monopólio da força ao estado, está-se, em boa verdade, a atacar uma liberdade negativa, e a defender uma liberdade positiva. Os cidadãos são impedidos de coagir, agredir, usar a força. São também impedidos de furtar. Em nome da sua segurança - a liberdade positiva de saber que não pode chegar um indivíduo mais forte no meio da rua e bater-me porque lhe apetece.

Note-se bem: promove-se uma liberdade positiva à custa da violação de liberdades negativas.
Assim de vez em quando, a esquerda-utilitarista-socialista-republicana-laicista lembra-se dos liberais, e decide por produzir uma ou outra falácia ou entreter-se em experiências pensadas políticas no planeta Kashyyyk, demonstrando que o esforço de pedagogia encetado pela blogosfera liberal lusa ainda tem muito por onde prosseguir.

Apesar das conclusões do passado, às vezes vale a pena não ficar calado, e expor o que deve ser exposto. Como por exemplo, o que é anunciado no excerto acima. A grande confusão feita pelo João Vasco, em primeiro lugar, é a de que nenhum liberal considera que cada indivíduo "dá" o monopólio da força ao estado, duma forma que limita as suas liberdades negativas em nome de algum exercício de liberdades positivas. Por duas razões: a primeira, a de que um indivíduo não "dá" nada ao estado, antes delega, no exercício da sua autonomia e da da sua liberdade, essa competência no estado, aceitando de sua iniciativa um conjunto de regras que regem essa delegação; a segunda, o facto de essas liberdades serem, em termos liberais, por definição inalienáveis.

Os cidadãos não são "impedidos de coagir, agredir, usar a força" (o que seria, segundo a minha leitura das palavras do João Vasco, na sua opinião uma limitação de liberdades negativas em prol de uma liberdade positiva) porque, por definição, esses comportamentos não são liberdades negativas! Já qualquer liberal aceitará que, em certas situações, esses comportamentos sejam legítimos como mecanismo de defesa dessas suas liberdades negativas do exercício positivo da liberdade de um terceiro.

O entendimento que esse processo de delegação é uma limitação de liberdades negativas é, portanto, tão absurdo como defender que o arrendamento de uma propriedade é uma limitação ao direito de propriedade. Que quando alguém arrenda uma casa (e por conseguinte, exprime o compromisso de lá não entrar, por exemplo), está de alguma forma a ficar limitado no seu direito absoluto sobre essa propriedade.

Quanto ao cenário apresentado, por pouco interessante e útil que eu possa considerar esse género de exemplos - o liberalismo não é, para mim, nenhuma teoria universal, é um sistema para humanos no planeta Terra - tem uma resposta para mim simples em termos liberais. Espero que o próprio João Vasco partilhe da noção de que a "via A" que propõe não têm nada a ver com liberalismo.

Quanto à segunda opção, aceito perfeitamente que seja a resposta liberal ao problema.

Mas mais interessante do que responder ao problema, seria avaliar o que seria apresentado como solução alternativa pelo João Vasco. Deixe-me a mim, desta vez, contar a história do Carrafeu convertido em esquerda-utilitarista-socialista:
Passados vários meses de Ordem liberal, os prejuízos nas lojas dos 29 acumulam-se. Depois de Laura ter aberto a sua casa de strip, e de ter conseguido aliciar alguns 29 a perderem a cabeça e aceitarem pagar o preço obsceno da admissão ao estabelecimento da Laura, o negócio vai mau, e alguns lojistas até acabaram por ceder os seus negócios a Laura como pagamento pelos seus serviços.

Mas de entre os 29, há um tipo que é mais esperto que os outros. Eskerdov, conhecido subscritor do feed da Esquerda Republicana, convoca os outros e propõe o seguinte: que se juntassem todos e convocassem eleições para uma assembleia constituinte. Nessa assembleia, por maioria qualificada, foi posteriormente aprovado como artigo da constituição de Carrafeu um artigo que conferia ao estado de Carrageu, agora criado, o direito de legislar em questões de sexualidade, estritamente para a promoção do bem comum e da igualdade entre sexos.

A nova constituição foi aprovada com grande júbilo, apesar dos veementes protestos de Laura na campanha para a formação da constituinte, e durante a discussão do artigo em causa.

Passada uma semana, houve eleições. Eskerdov, entretanto caído no goto dos 28, assumiu a liderança da lista vencedora, elegendo os 5 membros do conselho legislativo, e presidindo como novo presidente da república aos destinos de Carrafeu, em estrito cumprimento da sua constituição. Como primeira medida, Esquerdov e o conselho proibiram as armas, e confiscaram as existentes para uso do estado e da sua polícia, para a qual foram escolhidos 8 cidadãos.

Apesar de o sucesso de Laura já ter entretanto mudado a opinião de 15 pessoas, o conselho delibera democraticamente, por maioria e no cumprimento da constituição, que é permitido aos cidadão ver o corpo dos outros.

Entrada em vigor a nova lei, e recusando-se Laura a aceitá-la, é arrastada para a praça dos actos públicos pela polícia, sendo forçada em estrito cumprimento da lei e da ordem a despir-se.

2008/01/08

O que tu queres sei eu

Em política doméstica, para além das balbúrdias conspiracionistas em que a seita virtual dele se mete, temos que o principal mecanismo de operação política «Paulina» é o constitucionalismo literal. Para ele se uma medida não for explícita e previamente autorizada pela constituição como ele a interpreta não só se manifesta contra, como crê que o governo não tem sequer autorização para o fazer. Ora seguir uma constituição às cegas não é por si só «co-terminus» com uma liderança ética ou uma boa governação. Um bom líder executivo requer uma visão mais abrangente.

Filipe Brás Almeida.

2007/11/28

De Vénus ou de Marte

Existem pelo menos três formas de teorizar o liberalismo. O liberalismo pode ser uma teoria da legitimidade, uma teoria consequencialista ou uma teoria evolucionista. Só nos dois primeiros casos é que são tidos em conta argumentos éticos. O liberalismo evolucionista é completamente amoral.

(...)

Nenhuma das versões do liberalismo é uma teoria moral no mesmo sentido em que, por exemplo, o cristianismo é considerado uma teoria moral. Nas suas duas versões éticas, o liberalismo impõe apenas o respeito por regras mínimas de conduta. O liberalismo é amoral em relação à maior parte dos problemas morais e permite a coexistência na mesma sociedade de várias teorias morais. Na versão evolucionista, o liberalismo nem sequer é normativo. É uma abordagem realista que reconhece o papel da competição na evolução da liberdade e do direito. O liberalismo evolucionista é céptico em relação ao papel da ética racionalista no estabelecimento de normas.

João Miranda, no artigo "Três Liberalismos" do último número da Revista Atlântico.
De facto, os conservadores costumam ter sobre o género humano uma visão pouco benévola, em boa medida fundada nas raízes cristãs do seu pensamento: o homem é pecador e só se redime em Deus, tendendo naturalmente para o mal caso não seja superiormente orientado. Daí resulta a convicção de que os homens não podem viver socialmente em liberdade plena, sem limitações que lhes sejam impostas verticalmente. Esses limites à liberdade individual terão a moral por critério e o Estado (o governo) por executor. A necessidade do Estado justifica-se, assim, para os conservadores, como forma de assegurar a convivência social. Os conservadores são, como é sabido, hobbesianos.

Já os liberais acreditariam que, em estado de natureza, os homens se conseguem entender, não obstante admitirem que não só isso possa não suceder, como até que eles possam violar os direitos alheios, isto é, a liberdade dos outros. Por essa razão, apenas por essa razão, aceitam os liberais que se institua, por contrato social, um governo que os represente e os defenda, a si e aos seus direitos. Os liberais são, como é sabido discípulos de Locke.

Em traços largos, nisto consistiria o fundamental do pessimismo conservador e do optimismo liberal. Só que os raciocínios estão incompletos e, se os analisarmos melhor, veremos que um pouco mais adiante se invertem as posições.

Rui Albuquerque.
Tenho seguido com interesse a troca de argumentos entre o Ricardo e o Rui Albuquerque, principalmente no que toca aos pressupostos de bondade ou maldade em termos de condição humana associados, neste caso, ao Liberalismo e ao Conservadorismo. Faz-me lembrar, até, uma troca de impressões passada com o Migas e o Helder, também versando em traços largos sobre a bondade da condição humana.

Quanto a mim, é um erro estabelecer uma distinção entre o Conservadorismo e o Liberalismo com juízos baseados em avaliações do género. Concretamente, e julgo que nisso o João Miranda no seu artigo acerta em cheio, porque a própria dependência do Liberalismo de uma determinada moral ou ética é um facto que não pode ser tomado como garantido. A um Liberalismo sustentado no Direito Natural, e portanto na firme convicção de que há valores morais defensáveis como bons que são fruto da condição humana, e mais, que dela emergem espontaneamente se tal for permitido, contrapõe-se para mim um Liberalismo (que o João Miranda qualifica de "evolucionista") que goza do mesmo estatuto de teoria "de primeira", em que tal noção é afastada e subjugada à noção que o ser humano goza dos mesmos instintos predatórios e de individualismo e auto-preservação que os restantes animais, e que tal motiva a que os seus instintos sejam intrinsecamente amorais, independente do véu de superioridade ou das considerações de "alto nível" (incluindo ético-morais) que se lhes queira colocar. Neste caso, o Liberalismo (formulado dessa maneira), surge tão somente como a proposta de uma receita para a convivência salutar de indivíduos, de modo a que estes possam colher os frutos dessa coligação.

Quanto a mim, a distinção deve ser estabelecida a outro nível, que não deve ser o da existência ou não de uma moral associada a uma corrente filosófico-política. Deve ser, quanto a mim, na questão da coerção, nomeadamente quando esta é praticada por um estado.

É quanto a mim óbvio que o Conservadorismo subsiste da associação com uma determinada moral, e que essa moral resulta num determinado programa político. Poder-se-à dizer, como referi, que tal existe à semelhança de algumas formas de Liberalismo. A diferença, quanto a mim, é que um conservador está preparado a aceitar (ou iniciar) coerção (lei-se, por exemplo, de forma legislativa), praticada pelo estado debaixo da sua influência, para conduzir a sociedade em direcção da sua "boa" solução, e trilhando o caminho "correcto". Já um liberal, de qualquer denominação não aceitará de nenhuma forma essa maneira de agir.

2007/09/19

Simplex

Não é todos os dias que um liberal dá, de sua livre vontade, algo de borla ao estado, mas hoje não consegui evitar oferecer uma dica aos obreiros do Simplex: para quando a instalação de terminais de computador, extensões das conservatórias do registo civil, junto às portagens das nossas auto-estradas, e instituir a Certidão de Nascimento na Hora?

Quem sabe até como ponto de colheita de ADN para alimentar a futura base de dados do dr. Costa (o outro)?

Afinal, deve ser isso que o nosso ministro da saúde queria dizer quando disse que "só fechava se fosse para melhor", não é?

2007/05/30

Fiscalidade, uma proposta

(Anteriormente publicado n'O Insurgente.)

Tem vindo a grassar pela blogosfera um interessante discussão sobre fiscalidade (passando por aqui, aqui, aqui e aqui). Da minha parte, gostaria de introduzir à discussão uma nova proposta que procura, de uma forma liberal, ser uma alternativa às várias que têm surgido.

Quanto a mim, de um ponto de vista liberal, os impostos não devem ser um mecanismo de "redistribuição de riqueza" ou de "justiça social". Os impostos devem ser essencialmente um custo de cidadania motivado pela necessidade de custear as despesas em que o estado incorre no seguimento do exercício do seu mandato de manutenção da Ordem. Ou seja, o pagamento de impostos ao estado não deve emergir de uma lógica igualitária e de nivelação da riqueza de uma determinada sociedade, mas sim de objectivos pragmáticos de pagamento de despesas incorridas. Mais do que isso, não devem servir para alimentar estratégias progressistas ou de obtenção de determinados objectivos sociais, mas sim de permitir o cumprimento eficaz das funções que estão delegadas no estado.

A realidade fiscal presente é a da taxação dos rendimentos, adicionada de diversos impostos indirectos que taxam mais ou menos indiscriminadamente alguns comportamentos ou necessidades da sociedade. Taxa-se o rendimento individual e o rendimento das pessoas colectivas, o que acaba por resultar numa dupla tributação dos proprietários das segundas. Taxam-se indirectamente comportamentos e produtos, sem uma clara afectação dos seus rendimentos aos custos decorrentes para o estado do seu usufruto. Tem-se assim um sistema em que existe um praticamente total desacomplamento entre receita e despesa, e em que não são minimamente claros os mecanismos de gestão e mesmo os pressupostos de proporcionalidade e redistribuição que alegadamente lhe presidem.

2007/05/24

reguladores, teoria de jogos e o preço da des-regulação

Vai no Speaker's Corner uma discussão que me é muito cara: o paper do Estado enquanto regulador. A conclusão a que o Miguel Duarte (MD) chega é a seguinte:

em mercados onde exista um número de concorrentes reduzido, é necessária de facto a intervenção de uma entidade reguladora, por forma a garantir que a lógica difusa das empresas não as leva a tomar opções que vão contra os interesses dos consumidores
Sustenta-se a conclusão usando teoria de jogos e uma "nova" though experience (o dilema do viajante).

Antes de mais, há algum abuso na utilização de teoria de jogos (TJ) nestes contextos. A TJ é essencialmente um formalismo e o famoso equilíbrio de Nash é apenas o ponto (que pode não existir) onde todos os jogadores, dadas as suas estratégias particulares, consideram ver os seus objectivos cumpridos, ainda que de forma não óptima para cada um. Se a resposta da TJ ao Dilema do Viajante não coincide com a realidade, a culpa não é da TJ mas tão somente de quem formalizou o problema (especialmente a estratégia de cada jogador).

Fazer derivar a conclusão de cima destas considerações é abusivo. Contudo, curiosamente, a sua essência está correcta desde que devidamente reformulada. Prova-se, e aqui é que a TJ é útil como ponto de partida, que a anarquia e o mercado des-regulado implica um custo que tem de ser dividido entre os vários players (não necessariamente equitativamente). Um bom exemplo está aqui (algo técnico mas o resumo deve chegar). Ou seja, ainda que haja alguns players que ganhem pontualmente, no longo prazo, todos incorrem em custos. Ou seja, uma fracção do esforço não produz trabalho que configura uma espécie de competição negativa.

Exemplo simples mas ilustrativo. Duas pessoas têm de ir de Lisboa ao Porto. Há dois cenários: (i) combinam entre si, usam o mesmo automóvel e dividem despesas; (ii) vai cada um no seu automóvel. Se a estratégia de cada player for a de minimizar o custo da deslocação, o cenário (i) é, de longe, o mais vantajoso. Contudo, é necessário coordenação. E se as duas pessoas não se conhecerem, é necessário existir uma terceira parte que ofereça mediação.

O Estado está em excelentes condições para assumir este papel de regulador graças à centralidade que lhe é própria. Ignorando teses que defendem que não há nada para regular porque o colectivo simplesmente não existe, seria de defender regulação económica massiva, incluindo repensar as economias planeadas.

O problema é dar o passo seguinte: como é que na prática se implementa esta regulação? Por partes:
- Deve o Estado combinar a regulação com outros mecanismos que lhes são próprios tais como a autoridade e força?
- e como é constituída esta regulação? Dado que o Estado começa e acaba em grupos de pessoas, quem nomeia o corpo regulador e como garantir que a melhor solução colectiva (a que minimiza os custos de anarquia) é defendida?
- subindo na hierarquia, temos depois grupos competindo com grupos. Ainda que, por cada grupo, o regulador consiga a melhor solução, como garantir a melhor solução entre todos os grupos? Em última análise, como considerar toda a população criando um jogo de 10 milhões de jogadores?
- alargando fronteiras, é necessário aceitar sem romantismos ou utopias que nem todos os Estados regulam de forma justa (no sentido do colectivo). Por esse prisma, e para não entregar o ouro ao bandido, como incluir eventuais estratégias de defesa de interesses nacionais? Daqui aos "centros de decisão" permanecerem em mãos nacionais é um passo pequeno.
- etc. etc. etc. etc.

Já agora, defendo reguladores nacionais e até defendo que sejam fortes...

2007/05/14

Pena de morte

Rui Albuquerque relança (I, II) no Portugal Contemporâneo a problemática da pena de morte, e nomeadamente a discussão relativa à posição liberal em relação a esta. No caso concreto, defende a aplicação da referida pena a crimes violentos tendo como vítimas crianças, nomeadamente o rapto, abuso sexual ou a pedofilia (fica a dúvida se será extensível a todos os crimes violentos que envolvem crianças). Lança-se também à discussão a problemática da pena (em geral) como mecanismo retributivo ou de punição, ou como mecanismo de promoção da reinserção social dos condenados e de protecção temporária da sociedade deste.

Pessoalmente, sou a favor da pena de morte e da justiça eminentemente retributiva, já que acho que a segunda se insere melhor na idealização liberal do papel do estado na Justiça, sendo que concordo com a perspectiva enunciada por João Miranda nos comentários aos artigos referidos. Acho que o principal papel da pena é o de agir, em primeiro lugar, como mecanismo dissuasor dos comportamentos lesivos das liberdades e garantias sancionadas socialmente, bem como o de conferir às vítimas (e aos seus) o seu direito de reparação em relação a quem as ofendeu. Como tal, um mecanismo que clarifique o risco criminal associado aos crimes, e que defenda e permita a tranquilização psicológica das vítimas e o seu desejo natural de retribution é algo que vejo como benéfico para a paz social e para a noção de Justiça.

Mas isso sou eu, que sou relativista, contractualista e positivista.

Já acho mais estranho, e porventura incoerente, assistir a essa defesa feita por liberais que constroem o seu Liberalismo no edifício do Direito Natural, e que justificam neste a defesa do direito de propriedade, compreendido na sua extensão que envolve o direito à integridade física. Como utilizar um alegado princípio de Direito Natural para defender o absoluto da propriedade perante o estado, e a seguir conferir a esse mesmo estado o poder de exercer uma força terminal em relação a um indivíduo? Concebemos um estado inserido numa sociedade com Liberdade e propriedade (inalienáveis) pessoais apriorísticas e que o precedem (sendo que este somente se torna numa ferramenta da sua garantia), ou passamos a conceber um estado que determina democraticamente os seus próprios limites e capacidade interpretativa em relação à propriedade de cada um?

É que uma coisa é o arbítrio entre situações de confronto de liberdades e de direitos (pense-se na legítima defesa), em que os agentes das violações e aqueles que atentam contra esses referidos direitos e liberdades são os próprios indivíduos. Outra é pressupôr um estado com um direito ou com um alegado poder representativo de matar.

Pessoalmente, essa ideia não me repugna, emergindo de um contrato social consciente e de largo consenso (unânime ou quase unânime). É fruto dos meus condicionalismos filosóficos enunciados a cima. Mas será isso pacífico para os "outros" liberais?

E onde é que se pára? Não é pelo menos tão mau um crime de abuso sexual de um menor do que o de um indivíduo que abre fogo em público e mata, sem arrependimento e de forma confessa, inocentes? É pior alguém que abusa uma criança, ou alguém que por negligência (potencialmente até com dolo eventual) a mata?

2007/05/10

Propriedade, estado e Liberalismo

No seguimento da acesa discussão em curso sobre a temática da nova lei do tabaco, tem surgido uma discussão paralela, inevitável, sobre o conceito de propriedade privada absoluta, e sobre os seus fundamentos de acordo com uma teoria liberal, e sobre se tal carácter absoluto é ou não intrínseco ao próprio Liberalismo. Nomeadamente, discute-se se a propriedade é um conceito autónomo e existe por ela própria, ou se é a existência de um estado e de um corpo de Direito que sustenta esse "direito".

Uma nota prévia: o meu Liberalismo é construído sobre alicerces contractualistas e sobre uma perspectiva positivista do Direito, contrariamente a muitos outros liberais da blogosfera lusa que o sustentam em teses de direito natural e da tradição. Como tal, a minha argumentação afastar-se-à dessa perspectiva, e será provavelmente um espelho da minha simpatia pela Public Choice Theory.

Em primeiro lugar, há que referir que a existência de propriedade como "domínio" do seu senhor precede, quanto a mim, a própria existência de estado. Ao longo da História, a realidade do conceito de propriedade foi o espelho do Caos que reinava quer no interior das nações, quer nas suas incursões estrangeiras. Como em qualquer situação em que não haja uma Ordem estabelecida e reconhecida por todos, o juízo que presidia ao conceito de propriedade era essencialmente que propriedade é aquela porção de terreno, adquirida por quaisquer mecanismos eficazes, que o seu proprietário consegue defender. Ou seja, numa situação de convulsão, a propriedade sempre se afirmou pela força dos argumentos militares ou de fitness individual do seu dono em a defender. Quem era mais forte e mais capaz, tinha mais propriedade, e podia exercer a sua vontade absoluta num maior domínio.

Num cenário destes, não há noção de justeza na aquisição dessa propriedade. A propriedade existe, e tal é um facto, porque ninguém mais consegue pela força dos seus argumentos fazer valer a sua vontade nesse domínio. Como tal, é natural aceitar-se que, enquanto vigorou essa regra, o exercício da propriedade era sem dúvida absoluto, já que não havia sequer a noção de direitos e liberdades de terceiros que vigorassem nesse domínio.

Ora, para mim, a perspectiva liberal é que a propriedade, como se pode julgar pelas considerações acima, nunca precisou objectivamente na História de estado para se afirmar por si só e sem demais considerações, e para sobreviver a uma transição do Caos para a Ordem. O existência de estado demonstrou sim que houve motivação espontânea para estabelecer mecanismos de enforcement e de regulação dos efeitos da propriedade entre indivíduos.

E onde é que entra, quanto a mim, o Liberalismo nesse cenário?

Entra exactamente na definição de princípios para que se possa estabelecer essa Ordem, nomeadamente de modo a que todas as concessões para o seu estabelecimento sejam espontâneas e consensuais, e para que não sejam feridos os interesses particulares de todos os indivíduos e não se contribua, desse modo, para motivar os mais fortes a regressar ao Caos de modo a terem rédea solta para afirmar a sua superioridade.

A principal motivação para o fazer é que o ambiente de não-beligerância e a possibilidade de estabelecer relações entre indivíduos com regras e sem desconfianças e receios desproporcionados mútuos contribui, ao diminuir o risco dos projectos pessoais, para um maior crescimento do rendimento individual de todos, também beneficiando do efeito multiplicador da cooperação.

Ora quanto a mim, e julgo que de uma forma plenamente liberal, a melhor maneira de garantir esse equilíbrio é garantir que cada um tem o poder absoluto na sua esfera de influência individual (o que inclui, por consequência óbvia, a sua propriedade). Que não lhe é permitido (e/ou que sofrerá sanções) invadir essa esfera do próximo, e que todos prescindem voluntariamente (e exclusivamente na medida da sua vontade absoluta) da sua quota parte de propriedade em prol do financiamento de uma entidade reguladora que supervisiona e arbitra essas relações interpessoais, assim como estabelece os mecanismos de minimização do risco colectivo que sejam estabelecidos pelo consenso de todos.

É este, quanto a mim, um entendimento liberal do estado.

Neste cenário, confirma-se que a propriedade não é "concedida" pelo estado, mas sim uma realidade que o precede e que provavelmente perdurará na sua ausência, caso este dê pela sua actuação motivos para que o consenso deixe de ser voluntário e como tal rompido pelos mais capazes.

2007/05/08

2007/04/17

Escravidão II

Numa economia monetarizada os bens e serviços já não são trocados no mercado. São antes substituídos por uma unidade de medida comum, a moeda, que por si pode ser trocada por bens e serviços. Pouco muda, a pessoa continua a trocar horas de trabalho a produzir um certo bem para ter outro. Mas quando uma entidade força pessoas a trabalhar metade do seu tempo para produzir um bem ou serviço que não queriam produzir, já não lhe chamam escravatura: chamam-lhe contrato social.