2006/08/22

Kull Wahad!

Da discussão sobre o meu primeiro artigo crítico das alegações do João Vasco da Esquerda Republicana, emergiram os seguintes comentários:

Em última análise nós vivemos em anarquia.
Vamos supor: em anarquia qualquer um pode matar, então um grupo de pessoas que não quer ser morta diz "quem matar alguém do nosso grupo será morta por nós", e surge "livremente" uma lei.

Todas as minhas análises partem deste olhar para todas as regras e relações humanas, dessacralizando-as a todas.

[...]

«Pela mesma linha de argumentação, pode afirmar que se negar uma evidência for bom, então era obrigação dos utilitaristas negá-la. »

Sim.

Eu simplesmente duvido MUITO que isso aconteça.
Acho é sempre MAU negar uma evidência.

Mas se me provassem o contrário...
Eu, por mim, dou a discussão por encerrada. A mistura de anarquismo com relativismo moral defendida pelo João Vasco impede, quanto a mim, qualquer possibilidade de uma discussão séria e frutuosa.

Pessoalmente, a minha opinião é que o enquadramento que defende poucas mais-valias ou diferenças acrescenta e conduzirá a uma situação pouco diferente de uma existência de Caos baseada em estratégias predatórias emergentes da natureza humana, intervalada por caminhos sucessivos para totalitarismos do "bem comum". Tudo passa tão somente a ser uma coligação dinâmica de vontades predatórias em que uma suposta civilidade acaba por ser facilmente corrompida numa lógica que pouco será separável da de um grupo de hienas. Todos os benefícios em termos de "desarmamento" obteníveis de um contrato social são descartados, a partir do momento em que tudo é justificável desde que por um número "certo" mínimo de pessoas.

Mas não deixa de ser curioso que o principal alvo da crítica expressa nos artigos originais em direcção do (neo-)liberalismo seja a questão ética. Tanto por não ser uma particular bandeira do liberalismo (ou mesmo, quanto a mim, é uma questão que não faz sequer parte da doutrina liberal tout court), como por se tornar caricato ver alguém que defende uma perspectiva relativista (ou mais concretamente, "racionalista" moral) partir para uma ofensiva moral contra quem geralmente não está minimamente preocupado com essas considerações.

Verifico que, como efectivamente anunciava o João Vasco, o debate é mesmo impossível, mas se calhar não pelos motivos avançados. Também será curioso recuperar uma das afirmações originais:
O segundo tipo está associado a algumas pessoas que tendem a confundir a posição eticamente correcta com a posição «tacticamente» correcta: o tipo de pessoas que numa espécie de cinismo adopta a «moral dos vencedores», que é uma posição pseudo-amoral segundo a qual merece admiração quem «triunfa», pouco importa como.
Para estas pessoas, que constituem a grande maioria da «opinião neo-liberal» publicada e ouvida, pouco importa que se demonstre como as suas opiniões conduziriam a um mundo pior. A partir do momento que estejam convencidas que os seus interesses pessoais fossem benefeciados com uma medida em concreto, tenderão sempre a defendê-la sem qualquer reserva.
O resto das conclusões e considerações deixo à bondade de quem queira acompanhar os artigos já colocados e seus comentários.

8 comentários:

João Vasco disse...

Enfim... lamento a recusa em debater.

De resto, acho que a ideia de que as evidências não devem ser negadas parte do princípio que é sempre mau fazê-lo.

Eu ao dizer que deveria fazê-lo se fosse bom apenas fui coerente com uma suposição que creio errada que me pediram para fazer.

O "relativismo moral" está em considerar que essa hipótese é possível (que seja possível ser BOM negar evidências) - que eu não considero.

Assim sendo, acho que essa citação como justificação para encerrar o diálogo é uma justificação errada.

João Vasco disse...

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Quanto à questão da anarquia, nem vejo o que é que possa ser ofensivo naquilo que eu escrevi.

Parece-me que todas as regras humanas nascem da sua liberdade para as criar, e do jogo de forças que estabelecem.
Não quer dizer que ache todas as regras assim estabelecidas boas - bem pelo contrário.

E não percebo como se pode daí concluír que sou anarquista.

Anarquista é quem quer que o estado não exista - é esta a definição. E realmente eu não uso o termo num tom prejorativo, não por ser anarquista, mas sim por não querer deixar de ser sensível aos argumentos dos anarquistas - encaro a possibilidade de terem razão, apesar de actualmente não acreditar nisso.

João Vasco disse...

«Pessoalmente, a minha opinião é que o enquadramento que defende poucas mais-valias ou diferenças acrescenta e conduzirá a uma situação pouco diferente de uma existência de Caos baseada em estratégias predatórias emergentes da natureza humana, intervalada por caminhos sucessivos para totalitarismos do "bem comum". Tudo passa tão somente a ser uma coligação dinâmica de vontades predatórias em que uma suposta civilidade acaba por ser facilmente corrompida numa lógica que pouco será separável da de um grupo de hienas. Todos os benefícios em termos de "desarmamento" obteníveis de um contrato social são descartados, a partir do momento em que tudo é justificável desde que por um número "certo" mínimo de pessoas.»

A única coisa que eu defendi em termos de enquadramento é que deve ser feito aquilo que favorece a comunidade.

Não me parece que essa descrição corresponde àquilo que favorece a comunidade. Consequentemente não pode ser isso que eu defendo.

João Vasco disse...

«como por se tornar caricato ver alguém que defende uma perspectiva relativista (ou mais concretamente, "racionalista" moral) partir para uma ofensiva moral contra quem geralmente não está minimamente preocupado com essas considerações»

A minha perspectiva, como a do utilitarismo, não é relativista.

o relativismo diz que o bem não existe.

O utilitarismo diz que deve ser maximizado.


E não tem nada de caricato que quem se preocupa com a ética acuse quem não se preocupe de ter posturas pouco éticas (por exemplo por causa da sua despreocupação a esse respeito)

JLP disse...

Só uma clarificação:

Eu não interrompi a discussão por me ter sentido ofendido ou por achar que de algum modo o João Vasco foi inconveniente, ofensivo ou inapropriado. Acho até que a discussão decorreu em moldes civilizados e não tenho nada a assinalar em relação a isso.

Também não tenho intelectualmente nada contra o anarquismo ou o relativismo moral, sendo até que eu próprio me considero relativista.

O que acho é que, dada a posição defendida por si, que progressivamente se foi clarificando, se atingiu um ponto em que me senti esclarecido, e em que acho que qualquer discussão a partir daí vai retumbar num puro duelo de retórica, sem qualquer perspectiva de um desígnio mais frutuoso que esse.

Inevitavelmente as discussões com pessoas que defendem teses do género acabam por descambar em conflitos de semântica e em argumentos do género de que "preto é branco porque eu considero que sim".

Acho que não vale a pena. Já ficou suficiente das nossas posições esplanado para que ambos compreendamos o que cada um defende e para quem nos lê poder tirar as suas conclusões. Ninguém aqui vai conseguir convencer ninguém dos seus argumentos, principalmente quando um dos alvos é um "moving target".

De qualquer modo, porque pode ser analisado em separado e porque já foi um assunto abordado por nós aqui do blog privadamente em tempos passados, ainda pretendo escrever qualquer coisa brevemente sobre a perspectiva liberal da publicidade, originado na sua crítica.

Abraço

João Vasco disse...

«Eu não interrompi a discussão por me ter sentido ofendido ou por achar que de algum modo o João Vasco foi inconveniente, ofensivo ou inapropriado. Acho até que a discussão decorreu em moldes civilizados e não tenho nada a assinalar em relação a isso.»

Ainda bem :)

«O que acho é que, dada a posição defendida por si, que progressivamente se foi clarificando, se atingiu um ponto em que me senti esclarecido, e em que acho que qualquer discussão a partir daí vai retumbar num puro duelo de retórica, sem qualquer perspectiva de um desígnio mais frutuoso que esse.»

Enfim, existe um ponto que eu discordo frontalmente.

Pelo que li verifico que a minha posição não foi compreendida.

Até mesmo pelas alusões ao relativismo moral/anarquia em que as minhas palavras foram flagrantemente mal interpretadas.

«Acho que não vale a pena. Já ficou suficiente das nossas posições esplanado para que ambos compreendamos o que cada um defende»

discordo, portanto


«Ninguém aqui vai conseguir convencer ninguém dos seus argumentos»

Já isso, acho bastante provável. Mas as discussões não servem só para isso.

«De qualquer modo, porque pode ser analisado em separado e porque já foi um assunto abordado por nós aqui do blog privadamente em tempos passados, ainda pretendo escrever qualquer coisa brevemente sobre a perspectiva liberal da publicidade, originado na sua crítica.»

Força nisso!

João Vasco disse...

Nota: apesar de ter devorado alegremente o "Dune" do Frank Herbert precisei de ir ao google para descobrir o que é que queria dizer esse título :)

JLP disse...

:-)

A ideia era mais ou menos essa...

Nos tempos do Google, a piada das coisas também passa por destas "provocações"!

Além de que nunca é de mais uma referência à dita obra!