2006/08/18

Falácias de quem não percebe o liberalismo I

O João Vasco, do Esquerda Republicana (nome que bem representa o adágio de que uma desgraça nunca vem só ;-) ) escreveu uma série de artigos (começando neste) nos quais alegadamente tenta desmascarar "falácias" ou eventuais incongruências do neo-liberalismo.

Apesar de ter algumas dificuldades em lidar com o conceito que enuncia de "neo-liberalismo", e como tal em protagonizar a sua defesa, como defensor do liberalismo clássico o conjunto de observações e de cenários que coloca suscitam-me respostas, que irei produzir respondendo aos seus artigos numa razão de um para um.

Em primeiro lugar, o João Vasco tenta separar os "neo-liberais" em dois grupos: o dos "genuínos amantes da Liberdade", que desejam uma "sociedade mais justa"; um segundo grupo, alegadamente "maioritário", defensor de "uma posição pseudo-amoral segundo a qual merece admiração quem «triunfa», pouco importa como" e que defendem todas as medidas que beneficiem os seus interesses pessoais sem reservas e sem quaisquer consideração por argumentos em prol do "bem comum."

Em abono da verdade, há algo em relação ao segundo grupo que estará a ser esquecido: é que a generalidade dos liberais que opinam nesse sentido (do fomento do individualismo), fazem-no simultaneamente defendendo que o tratamento que suportam não seja personalizado, ou seja, que ninguém deve ser alvo de um tratamento de excepção, que essas medidas que beneficiam os seus "interesses pessoais" estejam ao alcance de todos, e que esses "benefícios pessoais" não sejam construidos sacrificando ou impondo coercivamente nada a ninguém.

Em contrapartida, no espírito do "bem-comum" enunciado, levantam-se logo questões: quem é que o define? Que mecanismos de "coerção" é que o João Vasco está disposto a aceitar para "conduzir o rebanho" em direcção à luz? A resposta "desses" liberais é exactamente que ninguém tem legitimidade para definir esse objectivo e muito menos para coercivamente agir sobre cada um para aplicar o seu plano. Que terá que ser cada um a definir a sua felicidade e a trilhar o caminho, não interferindo na felicidade dos outros nem fazendo juízos em relação ao que o vizinho deveria fazer.

É portanto para eles que dirijo os textos que se seguem, os quais procuram desmontar as falácias da ética que adoptaram.
O primeiro erro de João Vasco é exactamente este, o de pressupor que o Liberalismo é uma teoria ética. Ora enquanto há teorias éticas baseadas no Liberalismo (como o Objectivismo [Migas e Helder, penitencio-me mas prometo que a resposta ainda vem!]), a génese do Liberalismo propriamente dito emerge pluralmente desde considerações de darwinismo social até a objectivos utilitaristas ou de eficiência ou a considerações contratualistas. O juízo do liberalismo, para muitos (entre os quais eu me encontro), é que o Liberalismo é defensável não porque é moralmente melhor ou superior, mas exactamente porque pode ser implementado de maneira amoral e como ponto de partida para que se estabelecam regras mínimas de civilidade que separem a Ordem do Caos (será esse o único juízo moral que é feito, o de que a Ordem é superior ao Caos), e que é a melhor maneira de garantir a segurança aos indivíduos e fomentar que eles interajam sem que seja baseados em regras predatórias, e separando sempre interacção tolerada de imposta.

As outras respostam seguem em breve. Espero que possa haver diálogo!

48 comentários:

João Vasco disse...

«Em abono da verdade, há algo em relação ao segundo grupo que estará a ser esquecido: é que a generalidade dos liberais que opinam nesse sentido (do fomento do individualismo), fazem-no simultaneamente defendendo que o tratamento que suportam não seja personalizado, ou seja, que ninguém deve ser alvo de um tratamento de excepção, que essas medidas que beneficiam os seus "interesses pessoais" estejam ao alcance de todos, e que esses "benefícios pessoais" não sejam construidos sacrificando ou impondo coercivamente nada a ninguém.»

Não. Fui mal entendido.

Quem opina a favor do individualismo (genuinamente) por essas razões faz parte do primeiro grupo a que me referi.

(continua)

João Vasco disse...

«Em contrapartida, no espírito do "bem-comum" enunciado, levantam-se logo questões: quem é que o define? Que mecanismos de "coerção" é que o João Vasco está disposto a aceitar para "conduzir o rebanho" em direcção à luz? A resposta "desses" liberais é exactamente que ninguém tem legitimidade para definir esse objectivo e muito menos para coercivamente agir sobre cada um para aplicar o seu plano. Que terá que ser cada um a definir a sua felicidade e a trilhar o caminho, não interferindo na felicidade dos outros nem fazendo juízos em relação ao que o vizinho deveria fazer.»

Isso é a resposta dos (neo-?)liberais do 1º grupo.

João Vasco disse...

«O juízo do liberalismo, para muitos (entre os quais eu me encontro), é que o Liberalismo é defensável não porque é moralmente melhor ou superior, mas exactamente porque pode ser implementado de maneira amoral e como ponto de partida para que se estabelecam regras mínimas de civilidade que separem a Ordem do Caos (será esse o único juízo moral que é feito, o de que a Ordem é superior ao Caos), e que é a melhor maneira de garantir a segurança aos indivíduos e fomentar que eles interajam sem que seja baseados em regras predatórias, e separando sempre interacção tolerada de imposta.»

Ou seja: porque então, a ética utilitarista resultaria no liberalismo.

João Vasco disse...

«Espero que possa haver diálogo!»

Por tudo o que foi escrito, parece que é bem possível.

Parece o caso "clássico" de alguém do primeiro grupo.
Duvido que alguém do segundo se desse ao trabalho, por outro lado...

JLP disse...

"Ou seja: porque então, a ética utilitarista resultaria no liberalismo."

Não, o utilitarismo não é a génese do liberalismo. O utilitarismo, para alguns, será uma das teorias éticas que refiro como sendo sustentadas no liberalismo (Nota: esta ligação será polémica, já que é invocada geralmente por denominados liberais-sociais ou por sociais-democratas; pessoalmente acho que o utilitarismo se afasta de demasiados principios básicos do liberalismo, o que impede que ainda seja considerado uma forma deste).

JLP disse...

"Por tudo o que foi escrito, parece que é bem possível."

Folgo em saber! Pelo menos que o rótulo não é lesto a sair do bolso... ;)

"Parece o caso "clássico" de alguém do primeiro grupo.
Duvido que alguém do segundo se desse ao trabalho, por outro lado..."

Começo a pensar que o "segundo grupo" é um mito...

João Vasco disse...

"Começo a pensar que o "segundo grupo" é um mito..."

É uma opinião, mas não é isso que concluo pela minha vivencia...


"Não, o utilitarismo não é a génese do liberalismo. O utilitarismo"

Isso é uma questão mais semantica que outra coisa: quem afirma que a sociedade como um todo ficaria favorecida pelo liberalismo está a afirmar, por outras palavras, mesmo que não o saiba, que o utilitarismo resulta no liberalismo.

Porque o liberalismo é pura e simplesmente procurar aquilo que favorece a humanidade/sociedade como um todo.

JLP disse...

"Isso é uma questão mais semantica que outra coisa: quem afirma que a sociedade como um todo ficaria favorecida pelo liberalismo está a afirmar, por outras palavras, mesmo que não o saiba, que o utilitarismo resulta no liberalismo."

Não é não.

Uma coisa é dizer que a sociedade como um todo é favorecida em certos objectivos colectivos (funções de utilidade), como é defendido pelo utilitarismo. Note-se que esses critérios têm que ser definidos aprioristicamente, e tornam-se nos objectivos para que se definem estratégias.

Outra coisa é definir que os indivíduos saem beneficiados pela adopção de determinados princípios. Não se define por quê nem para que. Só se defende que dessa maneira se maximiza a utilizade individual de cada indivíduo, estabelecidas por ele as suas funções de utilidade.

Basicamente, uma consideração semelhante aos algoritmos genéticos de que boa diversidade das populações e restrições simples e em pouca quantidade conduzem a melhores soluções finais, qualquer que seja o problema em análise.

"Porque o liberalismo é pura e simplesmente procurar aquilo que favorece a humanidade/sociedade como um todo."

Quem é que disse isso? O interesse do liberalismo é sim procurar aquilo que (vai parecer pleonasmo) maximiza a liberdade de cada um, manifestada na satisfação dos seus desejos, desprendido de considerações de "humanidade" e "sociedade".

João Vasco disse...

«Outra coisa é definir que os indivíduos saem beneficiados pela adopção de determinados princípios. (...) Só se defende que dessa maneira se maximiza a utilizade individual de cada indivíduo, estabelecidas por ele as suas funções de utilidade.»

Quando li John Stwart Mill a falar sobre o utilitarismo, verifiquei que é isso mesmo que ele defende: maximizar o total da utilidade individual de cada indivíduo.

O utilitarismo não diz que os indivíduos são todos iguais, com as mesmíssimas funções de utilidade.

Isso é incompreensão daquilo que é o utilitarismo.


«Quem é que disse isso? O interesse do liberalismo é sim procurar aquilo que (vai parecer pleonasmo) maximiza a liberdade de cada um»

Nós acreditamos (eu pelo menos acredito) que a liberdade é algo de bom, pelo que a sua maximização em muitos casos favorecerá os indivíduos/sociedade.

E é por isso, e apenas na medida em que isso acontece, que a queremos maximizar.
Ninguém tem preocupações em restringir a liberdade quando outras questões se colocam, e o balanço da utilidade pende para outro lado: a segurança de não ser assassinado parece-nos mais importante que a liberdade de matar sem critério.

Ninguém dá um valor absoluto à liberdade, mas aqueles que a valorizam mais, facilmente encontram mais situações em que, perante a escolha Liberdade/Segurança, ou Liberdade/Bem-estar material, etc... optam pela Liberdade.

Mas aí fazem essa escolha por considerações utilitaristas: alega-se que a Liberdade favorecerá mais do que a sua ausência, nessa situação em específico.

Eu particularmente sou bastante sensível a esse tipo de argumentação (no political compass estava quase no extremo anarquista, apesar de toda a gente que percebeu os meus textos ao contrário...) que se coloca por exemplo agora em relação aos poderes que o estado deve ou não ter para combater os terroristas.

Mas mesmo para os defensores da Liberdade, serão sempre as considerações utilitaristas que usarão para explicar o seu ponto de vista, e é assim que deve ser.

Ou seja, se o aumento da liberdade resultasse numa sociedade e num mundo onde os indivíduos vivem pior então seria contra esse aumento de Liberdade.
E não faria sentido outra coisa.

Os amantes da Liberdade como reagem a isto? Dizem que tais situações não podem existir (argumento utilitarista) ou dizem que mesmo nesse caso seriam a favor do aumento (argumento pateta, na minha opinião).

Para mim parece-me claro que uma ética contrária ao utilitarismo será sempre falha.

A única forma válidade de defender o liberalismo seria defender que resulta do utilitarismo (que eu discordo).

JLP disse...

"Para mim parece-me claro que uma ética contrária ao utilitarismo será sempre falha."

E voltamos ao mesmo! Leiam-se de novo as minhas considerações segundo as quais o liberalismo não é quanto a mim uma teoria ética.

"Quando li John Stwart Mill a falar sobre o utilitarismo, verifiquei que é isso mesmo que ele defende: maximizar o total da utilidade individual de cada indivíduo."

Pois, o problema é que isso é fácil de dizer, mas complicado de implementar coerentemente. O utilitarismo cede e perde credibilidade, principalmente de uma óptica liberal, quando tem que enfrentar alguns problemas, nomeadamente:

- Arbitrar entre "utilidades conflituantes". One man's dream is another nightmare.

- Como (e principalmente quem) é que afere quantitativamente essas utilidades e as compara entre si?

- Em última instância, é possivel o cenário da comunidade que faz vencer o seu desejo (mesmo que marginal) de ir ao cinema sobrepondo-o à relutância do desgraçado que paga a factura.

Na prática, ou tirando consequências das suas afirmações, o utilitarismo acaba por ser um veículo de relativização moral, já que para lidar com as questões expressas acima, o estado que implementa essas estratégias de optimização e que detém o monopólio da força terá que estabelecer juízos de bem e de mal ou de "moral dominante" para poder operar. Ora tal é intolerável em termo liberais.

A diferença essencial é que o liberalismo defende que é cada um o único responsável por perseguir e concretizar esses objectivos. Não há "objectivos colectivos", que só por coincidência poderão surgir (o que será natural que aconteça, afinal somos todos humanos). E que para o fazer, está limitado à sua propriedade e na acção que pode exercer sobre a liberdade do outro.

Ora sendo tal um sistema que possibilita, sem dúvida, mais graus de liberdade do que o utilitarismo, não restam grandes dúvidas em relação a qual é a tese mais geral, e qual é potencialmente a "especialização" da outra.

João Vasco disse...

«o liberalismo não é quanto a mim uma teoria ética.»

Isso pode acabar por ser, de aulguma forma uma concordância.

Se alguém falar em ética liberal, o JLP considera que isso nem faz sentido, talvez porque lhe seja tão óbvio que a mesma é incompleta e falha.

Mas esse é precisamente o meu ponto.

João Vasco disse...

Sobre o utilitarismo, esta deve ser uma das teorias mais faladas e menos entendidas...

«Arbitrar entre "utilidades conflituantes". One man's dream is another nightmare.»

A questão no utilitarismo é se o sonho do primeiro é mais doce do que o pesadelo do outro é amargo.


«Como (e principalmente quem) é que afere quantitativamente essas utilidades e as compara entre si?»

Na maior parte das questões éticas que se nos deparam no dia-a-dia a resposta a estas questões pode ser clara.
É errado matar, é errado roubar, etc...

Há situações em que a resposta a estas questões pode ser complicada. Aí, para se tomar a decisão correcta não basta ter "bom coração", é preciso avaliar correctamente as consequências dos nosso actos.

É óbvio que muita coisa será sempre imprevisível e impossível de avaliar, mas se tivermos esta preocupação, estatisticamente, as nossas acções tenderão a ser melhores do que não nos preocuparmos com as consequências dos nossos actos.


«Em última instância, é possivel o cenário da comunidade que faz vencer o seu desejo (mesmo que marginal) de ir ao cinema sobrepondo-o à relutância do desgraçado que paga a factura.»

Se a sociedade (da qual o desgraçado faz parte) ficasse favorecida por isso, isso seria a atitude ética.
Mas ficava?
Os liberais podem dizer que não, podem dizer que assim ninguém quer produzir ou acumular riqueza que depois a sociedade iria estoirar, com pouco proveito individual para quem acumulou. Assim sendo, como ninguém iria acumular riqueza, a sociedade como um todo ficaria em desvantagem.
Se isso fosse verdade, o utilitarismo aconselharia que a sociedade NÃO fosse ao cinema, mesmo que o ganho imediato dos restantes membros da sociedade fosse maior do que a perda do senhor da factura.

Até que ponto é que o argumento dos liberais é verdadeiro? Até esse ponto o utilitarismo estará de acordo.
Se, pelo contrário, as idas ao cinema não tivessem qualquer impacto na vontade de acumular e produzir riqueza, caso o benefício público de ir ao cinema fosse superior ao desgosto em pagá-lo, o utilitarismo dificilmente acharia pouco ético que as pessoas fossem ao cinema.


«Na prática, ou tirando consequências das suas afirmações, o utilitarismo acaba por ser um veículo de relativização moral,»

É um veículo de RACIONALIZAÇÃO moral. O utilitarismo não é ttalmente relativista, no sentido em que para o utilitarismo o BEM existe. É até uma ética relativamente exigente.

Mas o utilitarismo rejeita dogmas que, na prática também nunca são respeitados qualquer conjunto de valores que se estabeleçam.

Exemplo: "a vida humana não é negociável", "a vida humana tem um valor infinito".
São frases comuns e popularmente aceites, e até uma pedra basilar da ética cristã.
Curiosamente ninguém as leva a sério: alguma destas pessoas condena os "assassinos" aliados que durante a 2ª guerra mataram soldados nazis? Não, e ainda bem!
Se a vida humana tivesse um valor "infinito", teríamos de aumentar os impostos para triplicar o número de nadadores slavadores, ou triplicar certos sinais de trânsito, etc... Nunca chegaria!

O mesmo se passa com a Liberdade: neste mesmo blogue li uns artigos interessantes sobre as "causas do terrorismo". Nele se fala em, em certos casos específicos, comprometer liberdades individuais em prol do combate ao terrorismo.
Mesmo que o JLP discorde do texto e ache que a situação actualmente não justifica esse compromisso, certamente pode imaginar situações em que isso não seja assim, e estaria disposto a ceder.

Valores absolutos não fazem sentido, a não ser o do utilitarismo: o bem. Todos os outros são apenas meios de maximizar este.

E a forma como os gerimos deve ser racional: devemos discutir racionalmente os valores éticos que maximizam o bem. É nisso que o utilitarismo consiste.



«o estado que implementa essas estratégias de optimização e que detém o monopólio da força terá que estabelecer juízos de bem e de mal ou de "moral dominante" para poder operar»

O livro que li sobre utilitarismo (do Jonh Stwart Mill) não fala em estado.
(No último capítulo fala de justiça, mas também não diz nada disso).

O utilitarismo diz que se deve procurar aquilo que mais favorece a sociedade.

Será que o que mais favorece a sociedade é ser o estado a implementar essas estratégias? Se sim, então o utilitarismo seria favorável a isso. Alguns socialistas poderiam dizer que sim.

Mas um liberal poderia dizer que não. Poderia dizer que funcionando o estado como funciona, ele nunca deveria ter essa função.

Quanto a mim, acho quem nem um nem outro têm razão. Há funções que devem ser atribuídas ao estado e outras que não. E é na escolha dessas funções (quer também no desempenho das mesmas) que se deve ter em conta que se pretende maximizar o bem. Ou seja: encontrar o sistema que mais favoreça a sociedade.

«A diferença essencial é que o liberalismo defende que é cada um o único responsável por perseguir e concretizar esses objectivos.»

Pois.
É um absolutismo como aqueles acerca da vida humana.
Como esses, "soa bem", mas nem os próprios estariam dispostos a levar esses absolutismos às últimas consequências.


«Ora sendo tal um sistema que possibilita, sem dúvida, mais graus de liberdade do que o utilitarismo, não restam grandes dúvidas em relação a qual é a tese mais geral, e qual é potencialmente a "especialização" da outra. »

Mas calma!
Eu não acho que o liberalismo decorra do utilitarismo - se assim fosse, eu seria liberal.

Se o liberalismo não decorre do utilitarismo, então é-lhe incompatível, pelo que o utilitarismo também não pode decorrer do liberalismo.

O meu ponto era que, a única forma de provar que o liberalismo é desejável será provar que decorre do utilitarismo.
Ou seja: provar que a sociedade em que o liberalismo prevalece é a melhor sociedade que pode existir - que eu não creio ser verdade... de outra forma seria liberal.

JLP disse...

"Se alguém falar em ética liberal, o JLP considera que isso nem faz sentido, talvez porque lhe seja tão óbvio que a mesma é incompleta e falha."

Mas o João Vasco já ouviu alguém falar em "ética liberal"?

É que parece ser o único com uma obsessão de que ela existe! Por isso será de compreender que venha tentar argumentar que esta não existe por ser "incompleta e falha", mas o que e que estava à espera?

Desde o início que lhe estou a tentar dizer que o liberalismo não é uma teoria ética, que há outros princípios que não são de ordem moral que sustentam o liberalismo. O caro retorque e insiste sistematicamente que a ética do liberalismo é "incompleta e falha". Pois se este não faz este género de considerações, o que quer provar? Quer-me tentar obrigar a pensar que os liberais, desgraçados, foram obrigados a defender que o liberalismo não é uma teoria ética por falhas de argumentação ética, quando o problema é o João Vasco só conceber teorias político-económicas baseadas em princípios éticos?

JLP disse...

"A questão no utilitarismo é se o sonho do primeiro é mais doce do que o pesadelo do outro é amargo."

E a crítica é de que isso é impossível de definir sem que haja a possibilidade de uma entidade externa a esses dois indivíduos, com poder coercivo, poder definir um padrão moral que possa "medir" à sua maneira esse conflito. O que para qualquer liberal é intolerável.

"Se a sociedade (da qual o desgraçado faz parte) ficasse favorecida por isso, isso seria a atitude ética.
Mas ficava?"

"Se isso fosse verdade, o utilitarismo aconselharia que a sociedade NÃO fosse ao cinema, mesmo que o ganho imediato dos restantes membros da sociedade fosse maior do que a perda do senhor da factura."

Lá está. Não considerando a propriedade absoluta, facilmente será possível encontrar uma argumentação, em sede de "ponderação de utilidades", em que por exemplo se relativize esse risco de "perda de estímulo para aquisição de riqueza" em prol da "prioridade cultural em educar um povo". Basta que a entidade exterior que tem a competência de estabelecer essas prioridades e esses juízos morais conclua que a prioridade é a "educação cultural", mesmo que se tenha que para isso de expropriar toda a riqueza particular. Ora o princípio liberal é que ninguém tem o direito de estabelecer critérios morais com o dinheiro dos outros.

O João Vasco, além disso, confia que existe alguém com essa capacidade, e que é possível meter critérios morais numa balança. A menos que defenda uma teocracia utilitarista (tenho muitas dúvidas), terá que reconhecer que todos os gestores erram, que a informação não é perfeita, e que o domínio da futurologia é limitado.

A menos que o sistema utilitarista que aparentemente defende não seja para ser implementado, este poder terá que ser conferido a uma entidade externa, que tem naturalmente essas limitações. Com uma agravante: conferindo-lhe um poder relativizador (ou como prefere chamar "racionalizador") no que a tudo se refere, essa entidade perde inteiramente a noção de risco das suas decisões, e torna todos (quer queiram quer não) solidários no sofrer de consequências dos seus (da entidade) erros.

Veja-se o que sucedeu aos vários devaneios que se assistiram na história embrulhados em discursos de "bem comum", de "progressismo" e de "vanguarda".

Receita para totalitarismo?

"O livro que li sobre utilitarismo (do Jonh Stwart Mill) não fala em estado.
(No último capítulo fala de justiça, mas também não diz nada disso)."

Então quem é que acha que pode fazer o "enforcement" das estratégias utilitaristas?

"É um veículo de RACIONALIZAÇÃO moral."

E aqui, neste desígnio, de que e possivel racionalizar moral, se consuma toda a utupia irrealista que descreve. Conceber que algo volátil como a moral, que depende de inúmeros factores, pode ser estabelecida com critérios "racionais", e como tal "objectivos" só pode fazer parte do domínio do "wishful thinking".

"Exemplo: "a vida humana não é negociável", "a vida humana tem um valor infinito".
São frases comuns e popularmente aceites, e até uma pedra basilar da ética cristã.
Curiosamente ninguém as leva a sério: alguma destas pessoas condena os "assassinos" aliados que durante a 2ª guerra mataram soldados nazis? Não, e ainda bem!"

O João Vasco está a supor que a guerra é um cenário onde impera uma ordem liberal. O que está completamente errado. O príncípio do valor absoluto da vida humana só se extende naturalmente às pessoas que se submetem a essa ordem. Ora a guerra é uma situação que se aproxima mais do caos do que da ordem. Mesmo a aceitação de ambas as partes de "regras de guerra" não chega para que se possa estabelecer uma ordem liberal. Como tal, esse argumento não faz sentido.

"Se a vida humana tivesse um valor "infinito", teríamos de aumentar os impostos para triplicar o número de nadadores slavadores, ou triplicar certos sinais de trânsito, etc... Nunca chegaria!"

Está a confundir inviolabilidade da vida humana, numa perspectiva arbitral, com um "direito à vida". O facto de o liberalismo defender que a vida humana (aliás geralmente englobando-a num conceito genérico de "propriedade") é um valor absoluto, essa consideração não se extende à obrigatoriedade de ninguém (terceiro) zelar por ela, como se se tratasse de um suposto "direito positivo". Do ponto de vista liberal, o estado só deve limitar-se a assegurar que ninguém pode violar a vida de outrem. Não diz que tem particulares responsabilidades em assegurar essa vida, sendo isso essencialmente uma responsabilidade de quem a tem.

"Mesmo que o JLP discorde do texto e ache que a situação actualmente não justifica esse compromisso, certamente pode imaginar situações em que isso não seja assim, e estaria disposto a ceder."

Olhe que não, olhe que não... :-)

João Vasco disse...

«Mas o João Vasco já ouviu alguém falar em "ética liberal"?»

Sim.
Várias vezes.

João Vasco disse...

«E a crítica é de que isso é impossível de definir sem que haja a possibilidade de uma entidade externa a esses dois indivíduos, com poder coercivo, poder definir um padrão moral que possa "medir" à sua maneira esse conflito.»

Há casos em que isso é claro.

Por exemplo, para um assassino profissional o dinheiro que recebe por matar alguém pode ser mais importante que a vida da vítima.

A sociedade acha que isso geralmente é manifestamente falso.
Por isso organiza-se por forma a punir quem toma essa atitude, e faz bem em fazê-lo.

Que direito temos nós, enquanto sociedade, de fazer esse julgamento?
O seguinte: queremos regras que propiciem a melhor sociedade possível. Isso inclui algumas restrições à liberdade (de matar, por exemplo) mas, não convém que estas sejam em vão, visto que ninguém gosta de ver a sua liberdade ser restringida.

A questão agora é encontrar o compromisso: ver quando é que os benefícios de uma regra ser implementada na prática superam os prejuízos que a mesma pode trazer.

João Vasco disse...

«Não considerando a propriedade absoluta, facilmente será possível encontrar uma argumentação, em sede de "ponderação de utilidades", em que por exemplo se relativize esse risco de "perda de estímulo para aquisição de riqueza" em prol da "prioridade cultural em educar um povo". »

Não importa se é possível encontrar argumentação, mas sim que a mesma seja válida.

João Vasco disse...

«O João Vasco, além disso, confia que existe alguém com essa capacidade, e que é possível meter critérios morais numa balança. A menos que defenda uma teocracia utilitarista (tenho muitas dúvidas), terá que reconhecer que todos os gestores erram, que a informação não é perfeita, e que o domínio da futurologia é limitado.»

O crime pode nunca deixar de existir (não sei, às tantas até pode, mas deixemos isso), mas não é por isso que não vamos deixar de o combater.

O mesmo com o utilitarismo. Nós podemos ter falhas na nossa forma de avaliar a decisão correcta, mas não é por isso que nos devemos deixar de esforçar para avaliarmos correctamente.

As pessoas podem sempre errar, mas estatisticamente aquelas que procuram mais fazer o bem, tentando avaliar correctamente as situações, tendem a fazer melhor do que aquelas que não têm essa preocupação.

João Vasco disse...

«Com uma agravante: conferindo-lhe um poder relativizador (ou como prefere chamar "racionalizador") no que a tudo se refere, essa entidade perde inteiramente a noção de risco das suas decisões, e torna todos (quer queiram quer não) solidários no sofrer de consequências dos seus (da entidade) erros.»

Essa entidade iria resultar numa sociedade pior?
Se sim, então o uutilitarismo não recomendará tal entidade.

Mas obviamente as coisas não têm de ser assim. O estado actual, por exemplo, responde perante os eleitores.
Se o estado tenta que em Portugal se viva bem, mas na opinião dos eleitores se vive pior, a tendência é para que o governo mude.

E ainda bem.

Este é um exemplo de um possível mecanismo de retroacção (feed-back), mas podem haver muitos outros.

João Vasco disse...

«Então quem é que acha que pode fazer o "enforcement" das estratégias utilitaristas?»

O utilitarismo é uma doutrina ética.
É cada indivíduo que deve fazer as escolhas de acordo com estes princípios.

Agora claro que o estado resulta de um conjunto de opções individuais. Se o estado, com este papel ou aquele, tornar a sociedade melhor (como acredito que acontece) então os indivúdos deverão implementá-lo (com esse papel que acreditam que deverá ter), se querem tomar a decisão eticamente correcta.

Se alguém é utilitarista e acredita que o estado torna a sociedade peor, então a decisão eticamente correcta é tentar aboli-lo.

Simplesmente creio, e é isso que vou procurando demonstrar com os meus artigos, que tal indivíduo está errado.

João Vasco disse...

«E aqui, neste desígnio, de que e possivel racionalizar moral, se consuma toda a utupia irrealista que descreve. Conceber que algo volátil como a moral, que depende de inúmeros factores, pode ser estabelecida com critérios "racionais",»

Conceber algo diferente acaba por ser rejeitar a racionalidade e entrar num "jogo de forças".

Algo do tipo: "não tenho qualquer razão racional, nem estou disposto a tentar mostrar, para acreditar que uma sociedade liberal seria melhor, que a generalidade das pessoas viveriam melhor, mas mesmo assim quero implementá-la".

Assim não haveria uma discussão entre o socialista e o liberal para ver qual dos dois tinha razão: apenas uma luta para ver quem tinha mais poder, e era capaz de implementar aquilo que, sem qualquer razão racional, desejam.


Para mim isso não funciona.
Não acredito em nada "a priori": tudo aquilo que defendo é aquilo que por razões defensáveis acredito ser melhor.
(O que, em particular, não me colocará do lado liberal nem socialista...)

JLP disse...

"Sim.
Várias vezes."

Podia referir alguns exemplos?

João Vasco disse...

«O João Vasco está a supor que a guerra é um cenário onde impera uma ordem liberal. O que está completamente errado. O príncípio do valor absoluto da vida humana só se extende naturalmente às pessoas que se submetem a essa ordem. Ora a guerra é uma situação que se aproxima mais do caos do que da ordem. Mesmo a aceitação de ambas as partes de "regras de guerra" não chega para que se possa estabelecer uma ordem liberal. Como tal, esse argumento não faz sentido.»

hã???
Eu não estava a falar de ética liberal, mas sim de qualquer ética absoluta.

De como qualquer étca absoluta falha.

De como a ideia de que a vida é algo absoluto é imediatamente relativizado pela guerra.


«Está a confundir inviolabilidade da vida humana, numa perspectiva arbitral, com um "direito à vida". O facto de o liberalismo defender que a vida humana (aliás geralmente englobando-a num conceito genérico de "propriedade") é um valor absoluto, essa consideração não se extende à obrigatoriedade de ninguém (terceiro) zelar por ela, como se se tratasse de um suposto "direito positivo". Do ponto de vista liberal, o estado só deve limitar-se a assegurar que ninguém pode violar a vida de outrem. Não diz que tem particulares responsabilidades em assegurar essa vida, sendo isso essencialmente uma responsabilidade de quem a tem.»

Não fiz confusão nenhuma.

Novamente estava a falar nas limitações de uma ética absoluta e não na ética liberal em particular.

Pelo contrário, uma ética que dá um valor absoluto à vida estaria em contradição com a ética liberal neste simples ponto: se o estado pudesse salvar vidas proibindo as pessoas de fumar (por exemplo) deveria fazê-lo.

Isso é algo em que eu e os liberais estaremos de acordo: não deve. Mas isso é porque relativizamos a vida huma.

Não o fazer seria absurdo, e era isso que eu tentava demonstrar: que a única coisa que não faz sentido relativizar é "o bem", tudo o resto é um instrumento para que este seja maximizado.

JLP disse...

"A sociedade acha que isso geralmente é manifestamente falso. "

O problema da sociedade que parece defender está na definição do "geralmente"...

"Não importa se é possível encontrar argumentação, mas sim que a mesma seja válida."

O problema é que no sistema que apresenta, aquele que tem a responsabilidade de escolher a argumentação é quem tem a possibilidade de a considerar válida. E já não foi ela, na nossa realidade tantas vezes apresentada como válida em tempos recentes?

"O mesmo com o utilitarismo. Nós podemos ter falhas na nossa forma de avaliar a decisão correcta, mas não é por isso que nos devemos deixar de esforçar para avaliarmos correctamente."

Pois, só que o problema com a solução que apresenta é que, pelos erros, pagam todos, inclusivamente os que coercivamente foram forçados a uma determinada situação. No caso do liberalismo, pelos erros, só pagam quem os fizeram.

"Essa entidade iria resultar numa sociedade pior?
Se sim, então o uutilitarismo não recomendará tal entidade."

Então como é que propõe que alternativamente o utilitarismo se estabelecesse, sem uma entidade externa para o aplicar?

E acha viável um "estado utilitarista" que vá concluir e enveredar pela virtude da sua própria extinção?


"Mas obviamente as coisas não têm de ser assim. O estado actual, por exemplo, responde perante os eleitores.
Se o estado tenta que em Portugal se viva bem, mas na opinião dos eleitores se vive pior, a tendência é para que o governo mude."

Pois, o problema é que o "estado" não se limita ao governo e, mesmo assim, a praticalidade desse poder de fiscalização, proporcionalmente à dimensão e ao peso do estado na sociedade é, no mínimo, risível.

"O utilitarismo é uma doutrina ética.
É cada indivíduo que deve fazer as escolhas de acordo com estes princípios."

Sinceramente, começo a ter algumas dúvidas em relação ao que destingue a forma de utilitarismo que propõe do anarquismo...

"Algo do tipo: "não tenho qualquer razão racional, nem estou disposto a tentar mostrar, para acreditar que uma sociedade liberal seria melhor, que a generalidade das pessoas viveriam melhor, mas mesmo assim quero implementá-la"."

O problema é que, como já lhe disse, o liberalismo se pode fundamentar em bases que, essas sim, são racionais. Exactamente por isso é que não tem que se afirmar por uma via ética.

João Vasco disse...

«"Mesmo que o JLP discorde do texto e ache que a situação actualmente não justifica esse compromisso, certamente pode imaginar situações em que isso não seja assim, e estaria disposto a ceder."»

Pode, pode, e até o fez neste mesmo texto.

Disse que na guerra não impera a ordem liberal.

Entende que deveria imperar a ordem liberal numa nação, mesmo quando é invadida por outra?
Que o estado não poderia ter o direito de recrutar cidadãos que não quisessem combater, que não poderia ser pouco transparente caso usasse espionagem, que não poderia riquisitar propriedade alheia para construir trincheiras, etc, etc?

Se acha que nem neste caso o estado deveria ter estes direitos, então sou capaz de me ter enganado.
MESMO ASSIM, é possível que não.

Mas duvido que seja este o caso. E aí será óbvio que não me enganei quando disse que existe sempre um pinto a partir do qual se compromete. Valores absolutos é mesmo algo que não faz sentido, a não ser para um: o bem.

João Vasco disse...

«Podia referir alguns exemplos?»

Agora não me recordo onde.
Mas assim que voltar a ver (não deve demorar muito) venho a esta caixa de comentários e coloco o sítio onde terei visto isso.

JLP disse...

"Isso é algo em que eu e os liberais estaremos de acordo: não deve. Mas isso é porque relativizamos a vida huma."

Não. Os liberais não relativizam a vida humana. Os liberais aceitam que isso aconteça porque só se insurgem sobre a interferência de uma pessoa sobre a vida humana de outra. E reconhecem o direito de qualquer um, à semelhança da propriedade material, fazer da sua vida o que bem entender, desde que não interfira negativamente com a dos outros.

João Vasco disse...

«O problema é que no sistema que apresenta, aquele que tem a responsabilidade de escolher a argumentação é quem tem a possibilidade de a considerar válida.»

Porque raio é que haveria de ser assim?

Isso parece-me, no mínimo, pouco eficiente.
(Eu apresentei algum sistema?)

JLP disse...

"Agora não me recordo onde.
Mas assim que voltar a ver (não deve demorar muito) venho a esta caixa de comentários e coloco o sítio onde terei visto isso."

Mas concordará que não é sequer uma tese recorrente defendida por liberais, ou não?

JLP disse...

"Entende que deveria imperar a ordem liberal numa nação, mesmo quando é invadida por outra?"

Sim.

"Que o estado não poderia ter o direito de recrutar cidadãos que não quisessem combater, que não poderia ser pouco transparente caso usasse espionagem, que não poderia riquisitar propriedade alheia para construir trincheiras, etc, etc?"

Sim.

João Vasco disse...

«Não. Os liberais não relativizam a vida humana.»

Relativizam sim.
Acham um valor "relativamente" menos importante do que a liberdade de cada um fazer o que quer com a sua vida.

Eu também. Por mim a eutanásia e o suicídio eram legais.


Quem absolutize o valor da vida humana achará mais importante do que o valor da liberdade.
Por isso compreenderá que se tire a liberdade a alguém de escolher a eutanásia, de se suicidar, ou de fumar.

João Vasco disse...

«Mas concordará que não é sequer uma tese recorrente defendida por liberais, ou não?»

Eu acho que sim.
Tanto quanto falam sobre ética, que realmente pode não ser muito, é um termos que surge com frequência.

JLP disse...

"Porque raio é que haveria de ser assim?"

Ainda aguardo então pela definição desse sistema.

Nomeadamente em como conseque fazer o "enforcement" de qualquer coisa sem efectiva transferência de poder dos indivíduos para uma entidade externa.

João Vasco disse...

«Pois, só que o problema com a solução que apresenta é que, pelos erros, pagam todos, inclusivamente os que coercivamente foram forçados a uma determinada situação. No caso do liberalismo, pelos erros, só pagam quem os fizeram.»

Isso é falso.
Também paga quem sore pelo que passivamente não foi feito.

No exemplo do javali, poderiam pagar os 7 inocentes (imaginando que o eram), quando um mero javali os poderia salvar.

João Vasco disse...

«Nomeadamente em como conseque fazer o "enforcement" de qualquer coisa sem efectiva transferência de poder dos indivíduos para uma entidade externa. »

Existem duas situações:

a) casos em que a sociedade fica a ganhar se a entidade externa tiver poder. Nesses caso deve tê-lo

b) casos em que a sociedade fica a perder se a entidade externa não tiver poder. Nesses casos não deve tê-lo.

Para a) também importa definir os mecanismos de funcionamento dessa entidade para que ala cumpra o melhor possível a sua função.
Como é que responde para com a sociedade, que feed-back existe?

Não há respostas simples.
Há problemas complexos que devem ser analisados.

João Vasco disse...

«Então como é que propõe que alternativamente o utilitarismo se estabelecesse, sem uma entidade externa para o aplicar?»

Se a sociedade liberal fosse a melhor, então era obrigação dos utilitaristas estabelecê-la e lutarem contra outra forma de organização social.

Simplesmente creio não ser esse o caso.

JLP disse...

"Relativizam sim.
Acham um valor "relativamente" menos importante do que a liberdade de cada um fazer o que quer com a sua vida."

Isso não é relativizar, é um acto de liberdade. Assim como não é relativizar a propriendade dizer que o seu dono deve ter a possibilidade de prescindir dela.

"Eu também. Por mim a eutanásia e o suicídio eram legais."

Quanto ao suicídio, e ao suicídio assistido, acho que concordamos plenamente. Já quanto à eutanásia, poderão surgir algumas dúvidas...

Mas já agora, como utilitarista, e de acordo com a sua argumentação, não devia defender que o suicídio de alguém que presta um papel social importante deveria ser proibído?

João Vasco disse...

«Pois, o problema é que o "estado" não se limita ao governo e, mesmo assim, a praticalidade desse poder de fiscalização, proporcionalmente à dimensão e ao peso do estado na sociedade é, no mínimo, risível.»

Eu só dei um exemplo.
Será que há outras formas de organização do estado que aumentassem o poder da sociedade sobre ele?

Se sim, qual o mal de serem implementados? Justificar-se-á?
Se sim, os utilitaristas quererão implementar esas alterações.

JLP disse...

"Se a sociedade liberal fosse a melhor, então era obrigação dos utilitaristas estabelecê-la e lutarem contra outra forma de organização social."

Mais "self-fulfilling prophecies"?

João Vasco disse...

«Mas já agora, como utilitarista, e de acordo com a sua argumentação, não devia defender que o suicídio de alguém que presta um papel social importante deveria ser proibído?»

Não.

Posso considerar que é pouco ético da parte dessa pessoa.

Mas posso acreditar que o mal de se poderem proibir suicídios arbitrariamente é maior do que o bem de proibir esse suicídio em particular.
E realmente acredito nisso.

Um utilitarista poderia discordar de mim, mas aí teria de me mostrar racionalmente que estou errado.

João Vasco disse...

«Mais "self-fulfilling prophecies"? »

Não.
Recorro apenas à definição de utilitarismo.

JLP disse...

"Será que há outras formas de organização do estado que aumentassem o poder da sociedade sobre ele?"

A solução não é aumentar o poder da sociedade sobre o estado, mas sim em diminuir o poder do estado sobre a sociedade.

JLP disse...

"Um utilitarista poderia discordar de mim, mas aí teria de me mostrar racionalmente que estou errado."

E como é que poderá alguma vez demonstrar esse "erro", se ambos têm perspectivas de utilidade diferentes, igualmente válidas (pelo menos sem recorrer a critérios morais artificiais exteriores)?

Ou os erros deixam de ser erros e passam a ser verdades de adesão?

JLP disse...

"Recorro apenas à definição de utilitarismo."

Pela mesma linha de argumentação, pode afirmar que se negar uma evidência for bom, então era obrigação dos utilitaristas negá-la.

João Vasco disse...

«Sinceramente, começo a ter algumas dúvidas em relação ao que destingue a forma de utilitarismo que propõe do anarquismo...»

Em última análise nós vivemos em anarquia.
Vamos supor: em anarquia qualquer um pode matar, então um grupo de pessoas que não quer ser morta diz "quem matar alguém do nosso grupo será morta por nós", e surge "livremente" uma lei.

Todas as minhas análises partem deste olhar para todas as regras e relações humanas, dessacralizando-as a todas.

A questão é que há regras úteis: aquelas que nos favorecem como um todo. E regras más, aquelas que nos desfavorecem como um todo.

João Vasco disse...

«Pela mesma linha de argumentação, pode afirmar que se negar uma evidência for bom, então era obrigação dos utilitaristas negá-la. »

Sim.

Eu simplesmente duvido MUITO que isso aconteça.
Acho é sempre MAU negar uma evidência.

Mas se me provassem o contrário...

João Vasco disse...

«E como é que poderá alguma vez demonstrar esse "erro", se ambos têm perspectivas de utilidade diferentes, igualmente válidas»

Como é que se pode declarar que um assassino não tem direito de matar impunemente, se ele valoriza mais a recompensa que pode receber do que a vida da sua vítima?

Porque claramente de um ponto de vista exterior as coisas não são assim.

Ou seja, a sociedade em que os assassinos são punidos é melhor.
Deve ser sempre este o critério.

João Vasco disse...

«A solução não é aumentar o poder da sociedade sobre o estado, mas sim em diminuir o poder do estado sobre a sociedade. »

Há casos em que sim.

Há outros em que não.

Por exemplo, o estado não deve ter o poder de censurar.

Mas a justiça do estado pode ter o poder de punir a difamação.

Ambas as coisas me parecem adequadas. Uma está de acordo com a sua lógica, a outra não.