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2007/10/04

Fétichismos

Estranho ver o Filipe a embarcar no estafado argumento da "desigualdade do acesso à informação" como entrave à liberdade contratual. Acho estranho, porque é uma, quanto a mim, óbvia característica de um mercado livre, entendido na sua versão estendida de mercado de troca e de relacionamento pessoal entre indivíduos.

O mito da igualdade de informação aquando do estabelecimento de um contrato é uma patranha de longa data impingida aos incautos para justificar a adopção de medidas legislativas limitadoras da liberdade comercial e da liberdade de acordo entre as partes. Com essa desculpa, sustenta-se em grande parte o paternalismo vigente, quer em muitas das normas do milagreiro direito do consumidor, quer sucessivas "interferências regulatórias" nos mais diversos sectores do mercado, ou o mito do salário mínimo.

Essa igualdade de informação e de acesso à informação, no dia em que hipoteticamente fosse atingida, erradicaria a própria noção de mercado livre, nem que fosse mais pela próprio fim da concorrência. No dia em que a informação do custo de um processo fabril (mão-de-obra, equipamentos, projecto e restantes custos) fosse abertamente acessível a todos (incluindo concorrentes), acabava o mercado e podia-se extinguir todas as empresas e avançar para a economia de escala. No dia em que o trabalhador (e o patrão) soubesse o seu peso no custo do produto e o mercado perfeitamente, acabava a negociação salarial.

Resumidamente, quando as transacções deixassem de ser encontros de avaliações subjectivas de valor entre as duas partes e passassem a ser encontros de preço com total conhecimento da oferta de ambas as partes, nem seria necessária a transacção. Bastava fazer seguir a nota de produção e encomenda no início do ano...

A própria noção de encontro subjectivo de valor é um mecanismo essencial para o progresso e para a eficiência, já que faz passar a visão do risco empresarial de uma mera gestão de contingência para uma análise de expectativas de cada parte em relação à contrária. O arriscar em fazer melhor ou diferente com a ideia de ganhar uma vantagem competitiva perante os concorrentes, acertando nas visão da expectativa latente do consumidor.

O peso da informação, nomeadamente do custo na sua aquisição deve ser tão somente mais um factor do bolo de toda a análise de cada uma das partes em relação ao futuro do negócio. Se uma empresa quiser produzir ao menor custo de produção e para tal não quer investir em estudos de mercado, é uma opção perfeitamente legítima e o assumir de um risco perfeitamente compreensível. Se um consumidor quiser assinar um contrato sem o ler ou sem pagar a um advogado para o interpretar e defender a sua posição, também deve ter a liberdade de o fazer. Basta tão somente que também assumam as consequências e as responsabilidades dos seus actos, das suas decisões e das suas análises de risco.

Posto isto, e voltando ao tema concreto das praxes, não posso deixar de ler com algum humor (negro, muito negro) as comparações desmesuradas a que o Filipe. como o Tiago Mendes, se entregaram. Aparentemente, a praxe já se compara a uma coerção "de arma apontada". A tortura em Guantanamo ou em Abu Ghraib.

Compara-se a tortura continuada, física e psicológica, a privação de liberdades e de toda a forma de direitos cívicos com cobrir uns rapazinhos com farinha e/ou sujeitá-los a umas poses menos ortodoxas e cantigas brejeiras, mesmo quando estes não se insurgem em contrário e quando a ameaça a que supostamente estão sujeitos é geralmente uma mera promessa de proscrição. Ui ui.

Fico também esclarecido em relação ao cenário de submissão defendido pelo Filipe se algum dia verdadeiramente alguém vir a sua Liberdade ameaçada. Basta que sejam muitos os que a agridem para, por mais profundos que sejam os valores, estar o caldo entornado. Mais vale ficar quieto e gritar "coerção". Afinal, se não conseguimos opor-nos a meia dúzia de gajos vestidos de preto, o que será se eles forem mesmo brutos.

Além disso, das duas comparações resultam afinal o mais caricato em relação aos seus protagonistas: a do Filipe, ao relativisar Guantanamo colocando a questão ao nível de uma mera questiúncula de praxe, banaliza e relativiza a sua sacrossanta "luta contra o terrorismo", além de demonstrar que este aparentemente não sabe distinguir o que é coerção e ameaça patrocinada por um estado titular de um poder coercivo e de meios exclusivos de violência, que se arroga do estatuto de garante do Estado de Direito, de uma mera relação entre um grupo e um privado (mesmo que esta também fosse ilícita) perfeitamente enquadrável como uma questão cível ou criminal pelas instituições vigentes; o Tiago, banalizando e relativizando Abu Ghraib, perde nitidamente a cabeça e a noção de proporção das coisas, acabando por contribuir por uso de um argumento ridículo para a diminuição dos factos graves lá consumados, e para a trivialização do sucedido e do género de ofensas à Liberdade e dignidade humanas que lá foram praticas, as quais presumo que mereçam em momentos de maior calma, clarividência e mais distantes de temas fétiche veemente repúdio deste.

Uma sugestão para a próxima: que tal o Holocausto?

2007/04/27

Vital Moreira critica Vital Moreira

Julgo que é esta a quarta vez que Portugal é condenado pelo Tribunal Europeu de Direitos do Homem, por violação da liberdade de imprensa, em razão da errada condenação judicial de supostos abusos de liberdade de imprensa.
Normalmente, quando pensamos em violação das liberdades, pensamos no poder e nas polícias; e quando pensamos nos garantes das liberdades, pensamos logo nos tribunais. Mas é em Portugal não é bem assim. Em vez de serem os guardiões das liberdades, alguns dos nossos juízes actuam como violadores das mesmas...

Vital Moreira, no Causa Nossa (com negritos meus).
Aparentemente Vital Moreira não gosta e é bastante crítico (nomeadamente da eficácia) da manaira como a liberdade de imprensa foi defendida por Vital Moreira na Constituição da República Portuguesa.

Adenda: sintomático de tudo isto, e do que escrevi há dias, é que José Manuel Mestre tenha ido directamente do Tribunal da Relação para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sem sequer tentar o nosso Tribunal Constitucional para o efeito.

2007/04/16

Act of God



A principal intervenção na Economia portuguesa na vigência do mandato do Marquês de Pombal como secretário de estado do Reino não foi do mesmo, mas sim do Deus dos católicos.

2007/04/03

Diferenças

No fim-de-semana que passou, concretamente no Domingo, fomos brindados com mais um (mediano) programa do Gato Fedorento, praticamente todo construido em tom de rescaldo da vitória de Salazar no Grandes Portugueses, e exacerbando a liberdade de expressão e ausência de censura que (agora supostamente) temos, contrariamente ao período em que vigorou a ditadura.

Todo o programa foi apresentado pelos quatro do costume, alusivamente vestidos com o uniforme da Mocidade Portuguesa, cujo hino aliás acompanhou a entrada dos protagonistas em cena.

Tiveram sorte. Fosse a farda a da Juventude Hitleriana e o país a França ou a Alemanha (ou a generalidade dos países da UE, caso vingue a vontade já anunciada de no caso criminalizar por directiva), e a esta hora estavam muito provavelmente na choldra.

2007/03/29

Twilight zone

(...) hoje em dia em Portugal, o "liberalismo" tornou-se num confortável guarda-chuva onde cabe uma míriade de coisas: a direita pura e dura, os tecnocratas eficientistas, os anarco-capitalistas de candura ingénua, liberais clássicos, ou a esquerda liberal. Se isto, visto à luz da tradição que subjaz ao conceito de "liberalismo", não é um problema por aí além, a questão é que algumas destas correntes não concordam em absolutamente nada; se todos usam e abusam da palavra "liberdade", às vezes tomando-a como património seu inalienável (esquecendo toda a história da esquerda libertária, o socialismo utópico e mesmo o marxismo antes de Lenine) (...)

No entanto, isto não deixa de ser natural: esta nova geração, a minha geração, cresceu num tempo em que o guarda-chuva para toda a gente era o "socialismo", tanto que, hoje por hoje, já poucos fazem a mínima ideia do que signifique- ouve-se por aí que vivemos no "socialismo", o que seria uma anedota, se não significasse justamente isso. Desde pelo menos 1977 que pouco ou nada do que se faz em Portugal tem o que seja a ver com "socialismo", e no entanto cada vez mais se lhe atribui a culpa de todos os males portugueses.

The portuguese way, por André Carapinha no 2+2=5 (com negritos meus).