2007/11/28

De Vénus ou de Marte

Existem pelo menos três formas de teorizar o liberalismo. O liberalismo pode ser uma teoria da legitimidade, uma teoria consequencialista ou uma teoria evolucionista. Só nos dois primeiros casos é que são tidos em conta argumentos éticos. O liberalismo evolucionista é completamente amoral.

(...)

Nenhuma das versões do liberalismo é uma teoria moral no mesmo sentido em que, por exemplo, o cristianismo é considerado uma teoria moral. Nas suas duas versões éticas, o liberalismo impõe apenas o respeito por regras mínimas de conduta. O liberalismo é amoral em relação à maior parte dos problemas morais e permite a coexistência na mesma sociedade de várias teorias morais. Na versão evolucionista, o liberalismo nem sequer é normativo. É uma abordagem realista que reconhece o papel da competição na evolução da liberdade e do direito. O liberalismo evolucionista é céptico em relação ao papel da ética racionalista no estabelecimento de normas.

João Miranda, no artigo "Três Liberalismos" do último número da Revista Atlântico.
De facto, os conservadores costumam ter sobre o género humano uma visão pouco benévola, em boa medida fundada nas raízes cristãs do seu pensamento: o homem é pecador e só se redime em Deus, tendendo naturalmente para o mal caso não seja superiormente orientado. Daí resulta a convicção de que os homens não podem viver socialmente em liberdade plena, sem limitações que lhes sejam impostas verticalmente. Esses limites à liberdade individual terão a moral por critério e o Estado (o governo) por executor. A necessidade do Estado justifica-se, assim, para os conservadores, como forma de assegurar a convivência social. Os conservadores são, como é sabido, hobbesianos.

Já os liberais acreditariam que, em estado de natureza, os homens se conseguem entender, não obstante admitirem que não só isso possa não suceder, como até que eles possam violar os direitos alheios, isto é, a liberdade dos outros. Por essa razão, apenas por essa razão, aceitam os liberais que se institua, por contrato social, um governo que os represente e os defenda, a si e aos seus direitos. Os liberais são, como é sabido discípulos de Locke.

Em traços largos, nisto consistiria o fundamental do pessimismo conservador e do optimismo liberal. Só que os raciocínios estão incompletos e, se os analisarmos melhor, veremos que um pouco mais adiante se invertem as posições.

Rui Albuquerque.
Tenho seguido com interesse a troca de argumentos entre o Ricardo e o Rui Albuquerque, principalmente no que toca aos pressupostos de bondade ou maldade em termos de condição humana associados, neste caso, ao Liberalismo e ao Conservadorismo. Faz-me lembrar, até, uma troca de impressões passada com o Migas e o Helder, também versando em traços largos sobre a bondade da condição humana.

Quanto a mim, é um erro estabelecer uma distinção entre o Conservadorismo e o Liberalismo com juízos baseados em avaliações do género. Concretamente, e julgo que nisso o João Miranda no seu artigo acerta em cheio, porque a própria dependência do Liberalismo de uma determinada moral ou ética é um facto que não pode ser tomado como garantido. A um Liberalismo sustentado no Direito Natural, e portanto na firme convicção de que há valores morais defensáveis como bons que são fruto da condição humana, e mais, que dela emergem espontaneamente se tal for permitido, contrapõe-se para mim um Liberalismo (que o João Miranda qualifica de "evolucionista") que goza do mesmo estatuto de teoria "de primeira", em que tal noção é afastada e subjugada à noção que o ser humano goza dos mesmos instintos predatórios e de individualismo e auto-preservação que os restantes animais, e que tal motiva a que os seus instintos sejam intrinsecamente amorais, independente do véu de superioridade ou das considerações de "alto nível" (incluindo ético-morais) que se lhes queira colocar. Neste caso, o Liberalismo (formulado dessa maneira), surge tão somente como a proposta de uma receita para a convivência salutar de indivíduos, de modo a que estes possam colher os frutos dessa coligação.

Quanto a mim, a distinção deve ser estabelecida a outro nível, que não deve ser o da existência ou não de uma moral associada a uma corrente filosófico-política. Deve ser, quanto a mim, na questão da coerção, nomeadamente quando esta é praticada por um estado.

É quanto a mim óbvio que o Conservadorismo subsiste da associação com uma determinada moral, e que essa moral resulta num determinado programa político. Poder-se-à dizer, como referi, que tal existe à semelhança de algumas formas de Liberalismo. A diferença, quanto a mim, é que um conservador está preparado a aceitar (ou iniciar) coerção (lei-se, por exemplo, de forma legislativa), praticada pelo estado debaixo da sua influência, para conduzir a sociedade em direcção da sua "boa" solução, e trilhando o caminho "correcto". Já um liberal, de qualquer denominação não aceitará de nenhuma forma essa maneira de agir.

1 comentário:

Ricardo G. Francisco disse...

João,

Estamos de acordo então?

O liberalismo evolucionista do JM é a corrente relativista, tal como a entendo e subscrevo. Condimentada com Popper que o Rui Albuquerque identifica em um comentário no PC.

Acho que vais ao ponto (que eu não tinha feito) ao ligares o abolutismo moral à programação política.

Creio que o Rui A. identifica correntes conservadores com poucos ensejos programáticos a correntes liberais absolutistas em valores.

De qualquer forma á fácil para mim de concordar com a conclusão do Rui A. em que deveria ser fácil aproximar, na realidade actual, uma franja relevante de conservadores a liberais em geral. A maior parte das batalhas políticas mais importantes colocam-nos do mesmo lado da barricada.