2008/05/08

Peace and Love

Existe algo de profundamente irracional nas atitudes pacifistas de uma certa esquerda intelectual, cuja histeria e inflexibilidade trazem custos altíssimos para a sociedade. Recordo-me da comissão parlamentar da Ana Gomes, que repreendia qualquer colaboração com o governo americano na transferência de prisioneiros para Guantanamo. A sanção moral trazida para os jornais foi colocada sobre aqueles que detiveram os suspeitos de terrorismo, e nunca sobre aqueles que orquestraram planos para matar civis.

A prioridade foi colocada sobre o cumprimento das normas legais de direito à defesa e presunção de inocência que os terroristas aprenderam a usar a seu favor. Nunca na protecção das pessoas que poderiam ser vítimas dos planos de assassinato.

A paz e a segurança dos cidadãos, a liberdade e a justiça são valores que se querem maximizar, mas pessoas como a Ana Gomes preferem decretar a paz universal (que não existe) e fingir viver num mundo que não existe. Preferem presumir a ausência de ameaça, expondo a sociedade ao perigo e às inevitáveis mortes que se seguirão. É preferível expor a sociedade ao perigo a ter prisioneiros de guerra sem acusação formal. Que os presos em combate ao lado da Al-Qaida não perfilhem dos mesmos nobres princípios de presunção de inocência, e que os usem como instrumente de combate, é-lhes perfeitamente indiferente.

A grande fraqueza dos pacifistas é a de não conseguir reconhecer o mundo de hoje. Vivem assombrados com fantasmas do passado, ignorando os do presente. Justificam as agressões daqueles que querem destruir a liberdade, e criticam aqueles que lutam por mantê-la. Refugiam-se em preciosismos legais para defender inevitavelmente os inimigos combatentes. Exigem histericamente a libertação dos prisioneiros.

De acordo com os seus valores, dois anos de liberdade de um prisioneiro, desde a sua libertação até cometer um acto suicida, são mais importantes que a vida inteira das sete pessoas que este se achou no direito de tirar. Espero que a Ana Gomes se sinta orgulhosa pelas sete vidas que ajudou a ceifar.

19 comentários:

AchaMesmo? disse...

É espantosa a ideia de um liberal a defender a infracção dos mais básicos princípios de defesa do cidadão contra os abusos do Estado.

Filipe Melo Sousa disse...

De forma alguma. Se existe o conceito de reasonable doubt para presumir a inocência, porque não existe a figura de reasonable risk para precisamente defender o cidadão de indivíduos assumidamente interessados em matar?

AchaMesmo? disse...

Porque abriria a porta a abusos apenas toleráveis se encarados de uma perspectiva colectivista, do género "1 ou 2 erros em 1000 casos, são irrelevantes".

AchaMesmo? disse...

... que aliás suportam a existência de Guantanamo, e a comprovada detenção de pessoas inocentes dos crimes de que (não) são acusadas.

Filipe Melo Sousa disse...

Não digo que os dois casos não são relevantes. Apenas defendo que os 998 restantes o são mais.

AchaMesmo? disse...

Mao ou Estaline não diriam melhor.

Filipe Melo Sousa disse...

Mao ou Estaline têm uma ideologia que me é completamente alheia. Duvido que se preocupem em salvar vidas.

Ricardo G. Francisco disse...

Filipe,

A relativização serve para os dois lados. Nem se podem relativizar actos terroristas nem se podem relativizar direitos básicos individuais.

Nem perdoar terroristas nem privar de direitos básicos suspeitos de serem terroristas.

Filipe Melo Sousa disse...

A crescente facilidade em provocar graves danos com poucos meios leva-me a repensar os benefícios da presunção de inocência. Há que salvar vidas, e minimizar vítimas. Eu se for um cidadão, quero ter o menor risco de ser agredido:
- quer por um terrorista, como civil inocente que sou
- quer pelo estado, como civil inocente que sou

Se apenas forem condenados suspeitos com 100% de certeza, a soma das duas parcelas será muito maior do que se condenares com 99,8% de certeza.

AchaMesmo? disse...

Quem lhe diz que Mao e Estaline (ou Fidel, para usar um exemplo mais actual) não estavam também empenhados em garantir o "bem comum"?

AchaMesmo? disse...

O problema desse raciocínio é que legitima todo o tipo de totalitarismos.
Quando você tem pessoas sujeitas a tortura, presas sem acusação, logo sem possibilidade de defesa, está já muito longe de qualquer ideia razoável de defesa de liberdade.

Filipe Melo Sousa disse...

Portanto, é bem mais razoável perder 10 civis inocentes, para que se cumpram os direitozinhos de luxo dos terroristas?

AchaMesmo? disse...

Premissa errada. Parte do princípio de que se tratem de "terroristas".
Tomemos como exemplo Guantánamo.
Ora, quem diz que eles são terroristas ? Quem os prendeu. Haverá terroristas lá presos? Quero crer que sim. Porque não acusá-los, então? Qual a base para as suspeitas ? Esperemos que seja algo mais que confissões e acusações obtidas sob tortura (e não vamos sequer entrar em discussões entre tortura e "interrogatórios musculados"). Não o digo por questões de direitos humanos - apenas pela simples circunstância de que sob tortura qualquer pessoa confessa qualquer coisa, mesmo que não seja verdade.

Voltemos então ao assunto: deve um liberal aceitar a colocação, nas mãos do Estado, do poder discricionário de prender e manter preso, um cidadão, sem acusação nem possibilidade de defesa.

Filipe Melo Sousa disse...

Um liberal não tem outra solução senão aceitar que alguém seja discricionariamente colocado sobre violência. Porque esse é infelizmente o mundo em que vivemos.

Cabe ao estado reduzir ao máximo essa violência, eventualmente exercendo-a. Claro, que se te quiseres abster de gerir o uso da força, não a exercendo de todo, o número de vítimas será muito maior, e tu serás um mau governante.

AchaMesmo? disse...

Com pequenos acertos de pormenor, podemos utilizar essa argumentação para justificar as maiores atrocidades, e para negar os célebres direitos negativos.

Aplicada a qualquer questão, teria como resultado lógico a escolha de soluções do tipo socialista.

AchaMesmo? disse...

Um pequeno exercício:
"Um SOCIALISTA não tem outra solução senão aceitar que alguém seja discricionariamente colocado sobre violência. Porque esse é infelizmente o mundo em que vivemos.
Cabe ao estado reduzir ao máximo essa violência, eventualmente exercendo-a"

Parece algo saído directamente de uma daquelas emissões intermináveis do programa de Hugo Chavez, em que explica aos venezuelanos como a revolução é boa para eles.

Filipe Melo Sousa disse...

Pelo contrário, defender os direitos negativos passa por reduzir ao mínimo as agressões a cidadãos desarmados. Redução essa que eu defendo, e tu não.

AchaMesmo? disse...

As intenções podem ser óptimas, o resultado é que seria terrível. As regras de processo existem para garantir um mínimo de garantias de protecção dos cidadãos contra a arbitrariedade dos agentes do Estado.

Se quisermos podemos reduzir o crime - basta estabelecermos que o Estado pode prender sem acusar. Um ou outro "erro" não deixaria de ser compensado pelo efeito dissuasor de saber que não seria necessária aquela burocracia toda do processo judicial e da prova em juízo...

Filipe Melo Sousa disse...

O que eu mais quero é precisamente suprimir a arbitrariedade que existe no sistema. E ela existe-o tanto ao condenar como ao ilibar. O problema da justiça não é a má gestão, mas a própria assumida ausência dela.

De facto, a reformulação do sistema de justiça no sentido de obter resultados exige uma profunda reformulação processual. E uma tomada de consciência que coloca drasticamente em causa os actuais valores de justiça.