2007/11/21

Estado angolano, companhia limitada

Não me surpreende o respeito institucional crescente pela propriedade privada que o Ricardo aparentemente descobriu em Angola. Afinal, quando o estado e o enxame de parasitas que por um ou outro motivo o rodeiam detém, de facto, a propriedade sobre a generalidade dos recursos naturais que interessam (que não são um apartamento em Luanda), é natural que esse "respeito" se afirme.

O que acaba por existir é o transformar do sistema de segurança, militar, de justiça e legal do estado no exército privado do estado para a manutenção e defesa da sua propriedade e dos seus amigos. Não é portanto de estranhar que o Ricardo "descubra" que os generais e maiorais se converteram em empresários e que o próprio José Eduardo dos Santos (e prestimosa filha) são os principais "empresários" do país. Isto enquanto o suposto "mercado livre" se vai alimentando das "gasosas" e do tráfico de influências da esfera de nepotismo alimentada à custa de petróleo, diamantes e outros recursos apetecíveis entretanto convertidos em "propriedade privada".

O que se passa em Angola não será muito diferente, afinal, do que se passa na Rússia. Onde se assiste a um estado que subsiste como uma oligarquia que defende os seus interesses (e dos "seus") espalhados pelo país, e a um resto de país que sobrevive numa espécie de anarquia e estado de natureza de facto, sem rei nem roque. A diferença é que que Angola não é um país-continente, nunca foi uma potência mundial nem têm os recursos militares que a Rússia (ainda) tem.

O que o Ricardo tem que pensar é que o acumular do poder coercivo de um estado com a detenção de propriedade privada por este e por quem dita as suas regras em roda livre e sem qualquer mecanismo de checks&balances é uma receita para o desastre. Enquanto persistir a propriedade de praticamente toda a economia por quem dita, afinal, as regras do jogo, e se assistir ao continuar do funcionamento irregular das instituições que qualificam a ditadura totalitária que Angola subsiste como sendo, não vejo grande esperança de evolução.

É que enquanto, por exemplo, a China é arrastada para longe dos níveis de totalitarismo de passado pelo facto da natureza do seu desenvolvimento ser povoada por uma produção e um uso da propriedade e dos recursos relativamente dispersa nos seus agentes e com um nível crescente de entropia e de descentralismo, o que culmina numa relativa "democratização" e "liberalização" do acesso ao mercado, a economia de Angola subsiste à custa de meia dúzia de vectores (com natural destaque para o petróleo), que subsistem em exploração perfeitamente centralizada, nas mãos de alguns de boas relações.

Por enquanto a oligarquia reinante consegue subsistir num circuito fechado de exploração dos recursos angolanos e de compra de bens, riquezas e participações estrangeiras, e pode manter-se distante e independente da realidade da generalidade do país. Tudo continuará bem para os parasitas que o fazem, que poderão continuar o saque, até dando-se ao luxo de promover manobras de fachada que pouco alcance têm nos seus interesses (ou servem mesmo, como já referi, para legitimar a sua guarda e defesa).

Enquanto a pandilha vigente puder subsistir à custa dos (imensos) recursos e não se sinta ameaçada por quem lhes faça mossa, não vejo que muito de bom possa ouvir-se dessa paragem, a menos que possíveis loas tecidas por empresários nacionais (não, não é para ti, Ricardo ;-) ) que se vão também juntando à festa e ajudando ao statu quo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Noam Chomsky costuma citar uma frase de John Jay, um dos "founding fathers" dos EUA, dizendo que "aqueles que possuem o país deverão ser quem o governa", no sentido de que, segundo ele, os EUA deveriam ser governados pelos seus grandes capitalistas.

Em Angola, de acordo com o Ricardo, a frase de John Jay é invertida: "aqueles que governam o país deverão ser quem o possui", no sentido que os governantes devem tornar-se capitalistas.

LL

Ricardo G. Francisco disse...

LL,

Onde é que me viu a escrever isso?

Quando o que diz é contraditório com o que escrevo em tantos textos isso é mais do que desonestidade intelectual...