2007/06/28

REN

Anuncia-se, e o mercado já se move e efervesce em celebração da matança do borrego, a privatização da REN. Grave erro histórico, quanto a mim, no seguimento do erro histórico que foi a venda da rede fixa de comunicações no tempo de Manuela Ferreira Leite.

Coisa estranha, pensar-se-à, um liberal defender a permanência no estado de uma determinada companhia, ainda mais com tanto relevo na economia.

Antes de mais, convém relembrar o que faz a REN. A REN tem o exclusivo do transporte em muito alta tensão (também conhecida como rede primária) e da gestão técnica do Sistema Eléctrico Nacional. Tem como atribuição, também, o transporte em alta pressão de gás natural, assim como a gestão técnica dessa infrastrutura.

Tendo emanado do desmembramento da EDP monopólio do estado, o património da REN e a sua infrastrutura foram constituídos não pela evolução de um mercado livre e no respeito da propriedade, mas obedecendo às prorrogativas de interesse público do estado, nomeadamente no que toca a expropriações para a construção das infra-estruturas actualmente existentes.

Ou seja, a realidade actual da REN é a de um monopólio natural, que emergiu pelo constrangimento legal da concorrência e por mecanismos de coerção na aquisição dos direitos de propriedade necessários ao seu estabelecimento. Naturalmente, num cenário como este, o custo de acesso ao mercado de um possível concorrente é absurdo, nomeadamente pelo facto de nunca poder vir a dispor dessas facilidades no estabelecimento do seu negócio. Aliás, mesmo tecnicamente e em termos operacionais, a própria concretização de múltiplos operadores de transporte é um cenário de interesse e viabilidade muito limitada, já que a operação em mercado livre de energia impõe condicionalismos complexos de exploração que se tornam difíceis de compatibilizar com multiplos operadores de transporte.

O que assistimos assim, no seguimento desta alienação, é à passagem de um monopólio do estado para um monopólio privado, com altíssimos custos (na pratica, praticamente inviabilidade) de entrada no mercado de concorrentes, e ainda mais com poder quase regulatório na gestão quer da própria energia eléctrica, quer num vector essencial para a sua produção em Portugal como é o gás natural. Os naturais efeitos de distorção do mercado são espectáveis.

Aliás, a vontade (e pressa) do governo em enveredar por esta via, (à semelhança do que aconteceu nas comunicações, com os resultados que se viram) não pode ser compreendida como um súbito acesso de liberalismo radical, mas sim por uma natural vontade de embolsar os dividendos que se adivinham brutais do negócio.

A alternativa?

A concessão da operação da REN a privados, por concurso público e com critérios técnicos e de operação técnica bem definidos, mantendo-se a propriedade do estado, pelo menos enquanto não houver uma mudança de paradigma energético que relativize o papel do transporte na operação do Sistema Eléctrico de Energia. Nessa altura, sim, ponderar uma privatização.

Para já é em grande parte uma solução à espera de se materializar num problema. Excepto, naturalmente, para o equilibrio das finanças públicas.

4 comentários:

FMP disse...

De facto é algo estranho ver "um liberal defender a permanência no estado de uma determinada companhia".... :) Sinceramente não vejo grandes diferenças em utilizar um esquema de concessão para gerir as infraestrutras de distribuição de energia que é no fundo, o que faz a REN.

O que impede a Brisa de usar o poder de monopólio nas suas autoestradas não é o facto de ter um prazo finito de concessão (até porque ele ocorre lá para 2032 e muito antes disso já deve ter garantida a sua extensão), mas porque os aumentos de preços estão indexados ao IPC. Tal como os alargamentos de faixas e trabalhos de manutenção estão indexados aos volumes de tráfego. E isto mantém-se na REN. No fundo a REN é uma obrigação sem maturidade, nem sequer lhe falta a remuneração indexada à taxa de juro. O estado recebe agora o pagamento inicial, e o investidor recebe depois, durante um período infinito, uma remuneração indexada a um custo de capital que depende das taxas de juro de mercado. A eficiência na gestão da rede, é um bónus para o accionista e será a principal razão para estes pressionarem a gestão....

Anónimo disse...

Bom post. Concordo.

Sobre o assunto publiquei, uns dias antes, um post menos completo no Speakers' Corner Liberal Social.

LL

JLP disse...

Francisco,

A Brisa não é um monopólio. Tem concorrência directa em vários troços das SCUTs e nalguns outros por outras empresas.

A perversão principal, reforço, é que pura e simplesmente se está a eliminar qualquer hipótese de concorrência e em grande margem de funcionamento livre do mercado, e por esse facto, vais introduzir distorções no mercado da energia e do gás.

Porquê? Porque vais ter o estado a negociar um contrato com uma empresa privada (monopolista), e simultaneamente a mexer no quadro regulatório e no tarifário via ERSE. Vais ter a REN a estudar a expansão da rede (o que não é nada trivial e lhe vai conferir poder negocial com os produtores e distribuidores privados), quando a sua estrutura de capital pode ser muito próxima da que gere a estrutura de produção e de distribuição.

Dou-te um exemplo: Imaginemos um cenário em que a EDP tem uma posição muito significativa na REN, e que a mesma EDP pretende construir uma nova central de grande dimensão de ciclo combinado (gás natural). O que é que impede a REN, como empresa, de ter uma participação conjunta nessa central? As despesas de expansão da rede para integrar essa central, que serão pagas por todo o mercado nas tarifas, vão ser tomadas em conta, ou somente o interesse estratégico dos accionistas da REN? A REN vai poder dizer que não, que não interliga, por critérios económicos?

A questão é que vais misturar o que deveria ser o papel de um regulador (pelos condicionalismos que referi), com o papel de uma empresa privada (com legítimos interesses particulares dos seus accionistas), que por acaso presta um serviço em regime de monopólio regulado com o estado.

Ricardo G. Francisco disse...

1. Decisão de Execução
2. Financiamento da execução
3. Execução
4. Decisões de gestão
5. Financiamento da manutenção
6. Manutenção

Em qualquer bem público (sentido económico) existem pelo menos estes seis pontos distintos. A questão é onde é que o estado deve estar.

Nas vias de comunicação, na rede sanitária, na rede de distribuição de água e de electricidade tÊm que ser tomadas estas decisões. Qual o papel do estado.

Quanto à rede eléctrica concordo. A posse, e poder de decisão sobre desenvolvimento da rede deveria ser centralizado. Já a manutenção/gestão da rede....não.