2007/06/11

Ass. contribuinte para as touradas de morte e de tantas outras coisas

Via Café da insónia de Pedro Félix, revi o "anúncio" "contra as touradas de morte".

Bom, eu não gosto de ver touradas de morte. São de uma violência, para mim, desagradável além de que não vejo a arte da coisa. É uma posição pessoal. Não gosto e portanto não contribuo para o espectáculo, não compro nem bilhetes nem merchadising. Não contribuo? Minto.

Pago impostos e portanto contribuo. Porque estou certo que alguma instituição, espectáculo ou recinto é financiado com o dinheiro dos meus impostos. Bem sei que não directamente. Mas indirectamente vai lá parar. De algum orçamento de "cultura" central ou municipal. Por isso a minha guerra é outra. É garantir que a cultura seja cultura e não programa político. É lutar para que o Estado não se meta na arte e na cultura. Para a manter o que é, e não o que os governantes acham que deve ser.

Agora voltando ao anúncio. Dificilmente os defensores do fim das touradas de morte ganham adeptos ao comparar touros a mulheres, seres humanos. E ao sobre valorizarem a vida ou o sofrimento dos touros diminuem por comparação o sofrimento humano.

24 comentários:

JLP disse...

"Dificilmente os defensores do fim das touradas de morte ganham adeptos ao comparar touros a mulheres, seres humanos."

Acho que essa forma de crítica ao anúncio está enviesadamente a tentar dar um cunho relativista à mensagem do vídeo que não é de longe a interpretação que se deve tirar deste. O que se pretende criticar é o apelo ao valor e intocabilidade da "tradição" como mecanismo de defesa das touradas.

O que se pretende dizer é que há imensos outros comportamentos que agora nos repugnam e que censuramos socialmente que outrora foram vistos como legítimos e até defensáveis.

Basicamente, que a defesa do valor da tradição por si só, como mecanismo que supostamente isenta de escrutinio moral o que dela emerge, e visto como algo de absoluto, deverá ser algo que serve tanto para isentar as touradas, como as lapidações, os crimes de honra ou a tradição de o marido "educar" a mulher à custa dos apropriados "correctivos" físicos.

O comportamento também conhecido como "tratamento jóia"... ;-)

JLP disse...

De resto, plenamente de acordo com o artigo, que também espelha a minha posição e atitude (que estendo, para além dos bilhetes e merchandising, aos produtos regionais de locais que promovam esse género de espetáculos).

Aliás, basta pensar que a generalidade das praças de touros são municipais.

João Pereira da Silva disse...

Muito alucinante o anúncio. Podiam ter escolhido outra forma. Combater violência com violência? Arriscam-se a que alguns tarados vejam e revejam por prazer.
Quem não gosta de ver tourada, tortura ou morte poderá ver por morbidez, mas a mensagem anti tourada perde-se.

Anónimo disse...

"Aliás, basta pensar que a generalidade das praças de touros são municipais."

Esta afirmação não é verdadeira.

Para lá de ninguém defender o valor da tradição por si só, mas isso é conversa demasiado trabalhosa.

JLP disse...

"Esta afirmação não é verdadeira."

Eu não disse todas. Além de que há algumas que, não sendo propriedade camarária, foram construídas e são de colectividades privadas, mas em terrenos que foram doados por municípios.

"Para lá de ninguém defender o valor da tradição por si só, mas isso é conversa demasiado trabalhosa."

Não me parece que esse "ninguém" seja muito rigoroso. Terá que reconhecer que esse é muitas vezes o discurso que emerge do lado dos defensores das touradas em defesa da sua causa.

João Gomes disse...

Também eu pago imposto e também eu odeio futebol. No entanto, tive que financiar a construcção de 10, salvo erro, novos estádios para o Euro2004. Não é justo pois não? É esta a função do estado, agradar a todos, e se o povo gosta de futebol tudo bem façam-se estádios. Contudo, o que é necessário, e não existe, é rigor nas contas do mesmo.

Um abraço

Ricardo G. Francisco disse...

JLP,

Não discuto a intenção por parte do anúncio. Discuto o resultado.

De qualquer forma era só um motivozito para tentar chamar a atenção ao ponto que identificaste.

Ricardo G. Francisco disse...

João Gomes,

É bom ler os seus comentários por aqui.

Verá que aqui discute-se exactamente essa missão impossível do estado de agradar a todos. Por aqui a receita mais comum para agradar a todos é exactamente não financiando nenhum. Um conceito que primeiros e estranha mas que depois entranha.

Abraço,

Anónimo disse...

"Eu não disse todas. Além de que há algumas que, não sendo propriedade camarária, foram construídas e são de colectividades privadas, mas em terrenos que foram doados por municípios."

Nem eu. Talvez 10% das praças sejam propriedade de câmaras municipais. Isso está longe de ser a generalidade. Quanto aos terrenos, não sei; mas convirá entrar nas contas as que foram expropriadas. Se formos por aí, entramos no domínio do esquizofrénico e 90% do território teria de regressar à propriedade do estado. No entanto, não se esqueça que as praças são operadas por empresários, que pagam, e a bom preço, contratos de concessão. Mesmo no caso das praças que são propriedade pública, as corridas são uma fonte de receitas.

"Terá que reconhecer que esse é muitas vezes o discurso que emerge do lado dos defensores das touradas em defesa da sua causa."

Francamente, nunca o ouvi: quem valora a tradição tem bons incentivos para não a confundir com maus-hábitos.

"Por aqui a receita mais comum para agradar a todos é exactamente não financiando nenhum."

Entao talvez não convenha confundir as coisas e entrar em leituras a-históricas cujo único resultado é o enfraquecimento do argumento. A tauromaquia é das poucas actividades culturais e empresariais que sobreviveria sem quaisquer problemas na ausência de qualquer contributo estatal - para além de ser há muitos anos uma das maiores contribuintes para a solidariedade não forçada. Criticá-la por causa desta ou daquela praça de toiros que foi construída em terrenos públicos - quase sempre com o sacrífico da existente por espontânea iniciativa privada - por causa de um foral de um rei do séc. XVIII que pretendia comemorar as bodas reais é contraproducente. Seria até bem mais avisado colocar a questão no domínio do municipalismo.

Cirilo Marinho disse...

"tauromaquia é das poucas actividades culturais"

Culturais? É pra rir?

L u i s P e s t a n a disse...

Não sei se era, mas eu ri-me

kota disse...

Ok, isto já parece um tema fracturante ao estilo BE.
Acho que deviam fazer um referendo.
Já agora, o vídeo não podia antes comparar as praxes académicas?

Porquê comparar com a lapidação, podia ser com a circuncisão, ou com a mutilação genital.

Comparar uma situação de morte de um ser humano com a morte de um animal não está certo. Não estou a ver estes defensores com a vassoura na mão para limpar o chão por onde passam.

Pedro disse...

JLP disse:
"Acho que essa forma de crítica ao anúncio está enviesadamente a tentar dar um cunho relativista à mensagem do vídeo que não é de longe a interpretação que se deve tirar deste. O que se pretende criticar é o apelo ao valor e intocabilidade da "tradição" como mecanismo de defesa das touradas."

Caro João

Creio que para escrutinar a tradição creio que não é necessário recorrer a metáforas de tão má qualidade como as que são utilizadas neste vídeo. A tradição, no meu entender, está longe de ser inviolável e inquestionável, mas há comparações anacrónicas e absurdas: o escrutínio de uma tradição que pretende ser uma arte em nada se compara ao de algo que envolve os direitos humanos e pretende ser Lei ou Direito em vigor em determinados estados e regiões.
Quando a algo se dá a pretensão de ser arte e envolve a morte de um animal eu estou no meu direito de não gostar e de protestar. Mas, nada me impede de primeiro ir ver o porquê de esse animal ser morto, por quem ele é criado, e como é morto.
Não há ideologia nem moral que me convença que isto se possa comparar à situação de em diversos países existir uma coisa chamada "Sharia", segundo a qual há seres humanos que lhes acontece aquilo que é descrito no vídeo em questão.
Creio que todos aqui sabemos distinguir entre o poder coercivo que determinados estados têm e as tradições de gosto duvidoso (ou não...). No dia em que não formos capazes de distinguir algo tão simples não adianta andarmos a discutir nem ideias nem ética...

Anónimo disse...

"Culturais? É pra rir?"

Não faço ideia daquilo que, para si, é uma actividade cultura. Mas olhe que foi o seu colega de blog que utilizou a palavra "cultura" por 4 (quatro) vezes no post. Parece-me desnecessário ir meter-se com a única vez que eu a utilizo no meu comentário.

Anónimo disse...

Agora voltando ao anúncio. Dificilmente os defensores do fim das touradas de morte ganham adeptos ao comparar touros a mulheres, seres humanos. E ao sobre valorizarem a vida ou o sofrimento dos touros diminuem por comparação o sofrimento humano. - Ricardo Francisco

Percebo que o anúncio possa ser interpretado como sendo "de mau gosto".

No entanto, discordo da ideia de que a comparação diminui o sofrimento humano no que quer que seja. Acho que o anúncio pode perfeitamente ser interpretado no sentido de chamar a atenção para o facto de os animais, como os humanos, também sofrerem. E a verdade é que, em certos casos, sofrem mais, porque não tendo a racionalidade e a memória de um ser humano, não se ajustam às situações de perigo e sofrimento como nós. A questão reside então em saber se esse sofrimento deve merecer alguma protecção. Parece-me que sim, isto é, que um animal deve ser protegido contra a crueldade desnecessária, o que implica proibir touradas ou concursos de tiros aos pombos. Tal protecção não passa por conferir direitos, porque tal resultaria numa limitação demasiado ampla da liberdade humana e porque a palavra "direitos" parece implicar a existência de "deveres", sendo estes impensáveis em relação a animais. Pode passar - isso sim - indirectamente pela proibição desses espectáculos. A lei de protecção dos animais pode perfeitamente ser interpretada como proibindo os tiros aos pombos, por exemplo (já não as touradas, porque a inexistência de uma tradição infelizmente é requisito da protecção dos animais).


Quanto à questão dos impostos, à qual parece que se reduz todo e qualquer problema, concordo que "está mal", "muito mal". Nesta questão das touros, sou um perfeito anarco-capitalista. E consigo pensar em meia-dúzia de outras questões do género).:)

Migas disse...

muito bem. para quando o proximo jantar no campo pequeno?

lol

kota disse...

"E a verdade é que, em certos casos, sofrem mais, porque não tendo a racionalidade e a memória de um ser humano, não se ajustam às situações de perigo e sofrimento como nós."

Quer com isto dizer que o ser humano por saber que vai morrer com umas pedradas, sofre menos porque "ajusta-se" ao facto de ir morrer. Por sua vez o animal por não saber o que lhe vai acontecer sofre mais por que está a ser picado sem saber o motivo.

Há aqui qualquer coisa que não joga bem.

Anónimo disse...

"Uma criança dissociada não sofre tanto como uma não dissociada. Mas, agora, que deveremos dizer das criaturas que são naturalmente dissociadas - que nunca atingem, ou nunca tentam atingir, a espécie complexa de organização interna que é normal numa criança e quebrada num criança dissociada? Podia convocar-se a seguinte conclusão: tal criatura seria constitutivamente incapaz de passar pelo tipo ou quantidade de sofrimento possível a um ser humano. Mas se todas as espécies não humanas estão neste estado de relativa desorganização, temos bases para a hipótese de que os animais não humanos podem, na verdade, sentir dor, mas não podem sofrer do mesmo modo que nós."
Daniel Dennett, Tipos de Mentes

Cirilo Marinho disse...

Há uma diferença Ho.

O Ricardo escreveu "não vejo a arte da coisa. [...] Não gosto e portanto não contribuo para o espectáculo."

Depois colocou cultura entre aspas e generalizou, criticando o estado por subsidiar e taxar tudo o que mexa.

Lamento, mas a sua comparação não me parece muito rigorosa.

Anónimo disse...

Caro CMF,

O Singer diz o contrário. Não sei quem tem razão, porque não sou biólogo. Nem de perto, nem de longe...:)

Pedro disse...

Disse jb:
"não sou biólogo. Nem de perto, nem de longe...:)"

Nós já percebemos...
Quanto ao Singer, já foi uma boa cadeia de lojas de electrodomésticos.

Pedro disse...

Disse jb:
"Acho que o anúncio pode perfeitamente ser interpretado no sentido de chamar a atenção para o facto de os animais, como os humanos, também sofrerem."


O jb pode intepretar aquilo que bem entender, mas creio não ser difícil de todo perceber que o quaqui está em causa não é isso. Não é o sofrimento do touro ou do humano que o vídeo pretende mostrar (tanto que a senhora do vídeo ou é uma péssima actriz ou nem parece estar a sofrer nada apesar daquele sangue todo) é a legitimidade de quem o inflige. E a comparação neste caso é de uma pobreza miserável pelos motivos que já expus.

Anónimo disse...

"O Singer diz o contrário."
Eu sei. Mas o Singer às vezes assusta-me. ;)

Anónimo disse...

"O Singer diz o contrário."
Eu sei. Mas o Singer às vezes assusta-me. ;) - cmf

A mim também. Muito mesmo.:)