Ass. contribuinte para as touradas de morte e de tantas outras coisas
Via Café da insónia de Pedro Félix, revi o "anúncio" "contra as touradas de morte".
Bom, eu não gosto de ver touradas de morte. São de uma violência, para mim, desagradável além de que não vejo a arte da coisa. É uma posição pessoal. Não gosto e portanto não contribuo para o espectáculo, não compro nem bilhetes nem merchadising. Não contribuo? Minto.
Pago impostos e portanto contribuo. Porque estou certo que alguma instituição, espectáculo ou recinto é financiado com o dinheiro dos meus impostos. Bem sei que não directamente. Mas indirectamente vai lá parar. De algum orçamento de "cultura" central ou municipal. Por isso a minha guerra é outra. É garantir que a cultura seja cultura e não programa político. É lutar para que o Estado não se meta na arte e na cultura. Para a manter o que é, e não o que os governantes acham que deve ser.
Agora voltando ao anúncio. Dificilmente os defensores do fim das touradas de morte ganham adeptos ao comparar touros a mulheres, seres humanos. E ao sobre valorizarem a vida ou o sofrimento dos touros diminuem por comparação o sofrimento humano.
24 comentários:
"Dificilmente os defensores do fim das touradas de morte ganham adeptos ao comparar touros a mulheres, seres humanos."
Acho que essa forma de crítica ao anúncio está enviesadamente a tentar dar um cunho relativista à mensagem do vídeo que não é de longe a interpretação que se deve tirar deste. O que se pretende criticar é o apelo ao valor e intocabilidade da "tradição" como mecanismo de defesa das touradas.
O que se pretende dizer é que há imensos outros comportamentos que agora nos repugnam e que censuramos socialmente que outrora foram vistos como legítimos e até defensáveis.
Basicamente, que a defesa do valor da tradição por si só, como mecanismo que supostamente isenta de escrutinio moral o que dela emerge, e visto como algo de absoluto, deverá ser algo que serve tanto para isentar as touradas, como as lapidações, os crimes de honra ou a tradição de o marido "educar" a mulher à custa dos apropriados "correctivos" físicos.
O comportamento também conhecido como "tratamento jóia"... ;-)
De resto, plenamente de acordo com o artigo, que também espelha a minha posição e atitude (que estendo, para além dos bilhetes e merchandising, aos produtos regionais de locais que promovam esse género de espetáculos).
Aliás, basta pensar que a generalidade das praças de touros são municipais.
Muito alucinante o anúncio. Podiam ter escolhido outra forma. Combater violência com violência? Arriscam-se a que alguns tarados vejam e revejam por prazer.
Quem não gosta de ver tourada, tortura ou morte poderá ver por morbidez, mas a mensagem anti tourada perde-se.
"Aliás, basta pensar que a generalidade das praças de touros são municipais."
Esta afirmação não é verdadeira.
Para lá de ninguém defender o valor da tradição por si só, mas isso é conversa demasiado trabalhosa.
"Esta afirmação não é verdadeira."
Eu não disse todas. Além de que há algumas que, não sendo propriedade camarária, foram construídas e são de colectividades privadas, mas em terrenos que foram doados por municípios.
"Para lá de ninguém defender o valor da tradição por si só, mas isso é conversa demasiado trabalhosa."
Não me parece que esse "ninguém" seja muito rigoroso. Terá que reconhecer que esse é muitas vezes o discurso que emerge do lado dos defensores das touradas em defesa da sua causa.
Também eu pago imposto e também eu odeio futebol. No entanto, tive que financiar a construcção de 10, salvo erro, novos estádios para o Euro2004. Não é justo pois não? É esta a função do estado, agradar a todos, e se o povo gosta de futebol tudo bem façam-se estádios. Contudo, o que é necessário, e não existe, é rigor nas contas do mesmo.
Um abraço
JLP,
Não discuto a intenção por parte do anúncio. Discuto o resultado.
De qualquer forma era só um motivozito para tentar chamar a atenção ao ponto que identificaste.
João Gomes,
É bom ler os seus comentários por aqui.
Verá que aqui discute-se exactamente essa missão impossível do estado de agradar a todos. Por aqui a receita mais comum para agradar a todos é exactamente não financiando nenhum. Um conceito que primeiros e estranha mas que depois entranha.
Abraço,
"Eu não disse todas. Além de que há algumas que, não sendo propriedade camarária, foram construídas e são de colectividades privadas, mas em terrenos que foram doados por municípios."
Nem eu. Talvez 10% das praças sejam propriedade de câmaras municipais. Isso está longe de ser a generalidade. Quanto aos terrenos, não sei; mas convirá entrar nas contas as que foram expropriadas. Se formos por aí, entramos no domínio do esquizofrénico e 90% do território teria de regressar à propriedade do estado. No entanto, não se esqueça que as praças são operadas por empresários, que pagam, e a bom preço, contratos de concessão. Mesmo no caso das praças que são propriedade pública, as corridas são uma fonte de receitas.
"Terá que reconhecer que esse é muitas vezes o discurso que emerge do lado dos defensores das touradas em defesa da sua causa."
Francamente, nunca o ouvi: quem valora a tradição tem bons incentivos para não a confundir com maus-hábitos.
"Por aqui a receita mais comum para agradar a todos é exactamente não financiando nenhum."
Entao talvez não convenha confundir as coisas e entrar em leituras a-históricas cujo único resultado é o enfraquecimento do argumento. A tauromaquia é das poucas actividades culturais e empresariais que sobreviveria sem quaisquer problemas na ausência de qualquer contributo estatal - para além de ser há muitos anos uma das maiores contribuintes para a solidariedade não forçada. Criticá-la por causa desta ou daquela praça de toiros que foi construída em terrenos públicos - quase sempre com o sacrífico da existente por espontânea iniciativa privada - por causa de um foral de um rei do séc. XVIII que pretendia comemorar as bodas reais é contraproducente. Seria até bem mais avisado colocar a questão no domínio do municipalismo.
"tauromaquia é das poucas actividades culturais"
Culturais? É pra rir?
Não sei se era, mas eu ri-me
Ok, isto já parece um tema fracturante ao estilo BE.
Acho que deviam fazer um referendo.
Já agora, o vídeo não podia antes comparar as praxes académicas?
Porquê comparar com a lapidação, podia ser com a circuncisão, ou com a mutilação genital.
Comparar uma situação de morte de um ser humano com a morte de um animal não está certo. Não estou a ver estes defensores com a vassoura na mão para limpar o chão por onde passam.
JLP disse:
"Acho que essa forma de crítica ao anúncio está enviesadamente a tentar dar um cunho relativista à mensagem do vídeo que não é de longe a interpretação que se deve tirar deste. O que se pretende criticar é o apelo ao valor e intocabilidade da "tradição" como mecanismo de defesa das touradas."
Caro João
Creio que para escrutinar a tradição creio que não é necessário recorrer a metáforas de tão má qualidade como as que são utilizadas neste vídeo. A tradição, no meu entender, está longe de ser inviolável e inquestionável, mas há comparações anacrónicas e absurdas: o escrutínio de uma tradição que pretende ser uma arte em nada se compara ao de algo que envolve os direitos humanos e pretende ser Lei ou Direito em vigor em determinados estados e regiões.
Quando a algo se dá a pretensão de ser arte e envolve a morte de um animal eu estou no meu direito de não gostar e de protestar. Mas, nada me impede de primeiro ir ver o porquê de esse animal ser morto, por quem ele é criado, e como é morto.
Não há ideologia nem moral que me convença que isto se possa comparar à situação de em diversos países existir uma coisa chamada "Sharia", segundo a qual há seres humanos que lhes acontece aquilo que é descrito no vídeo em questão.
Creio que todos aqui sabemos distinguir entre o poder coercivo que determinados estados têm e as tradições de gosto duvidoso (ou não...). No dia em que não formos capazes de distinguir algo tão simples não adianta andarmos a discutir nem ideias nem ética...
"Culturais? É pra rir?"
Não faço ideia daquilo que, para si, é uma actividade cultura. Mas olhe que foi o seu colega de blog que utilizou a palavra "cultura" por 4 (quatro) vezes no post. Parece-me desnecessário ir meter-se com a única vez que eu a utilizo no meu comentário.
Agora voltando ao anúncio. Dificilmente os defensores do fim das touradas de morte ganham adeptos ao comparar touros a mulheres, seres humanos. E ao sobre valorizarem a vida ou o sofrimento dos touros diminuem por comparação o sofrimento humano. - Ricardo Francisco
Percebo que o anúncio possa ser interpretado como sendo "de mau gosto".
No entanto, discordo da ideia de que a comparação diminui o sofrimento humano no que quer que seja. Acho que o anúncio pode perfeitamente ser interpretado no sentido de chamar a atenção para o facto de os animais, como os humanos, também sofrerem. E a verdade é que, em certos casos, sofrem mais, porque não tendo a racionalidade e a memória de um ser humano, não se ajustam às situações de perigo e sofrimento como nós. A questão reside então em saber se esse sofrimento deve merecer alguma protecção. Parece-me que sim, isto é, que um animal deve ser protegido contra a crueldade desnecessária, o que implica proibir touradas ou concursos de tiros aos pombos. Tal protecção não passa por conferir direitos, porque tal resultaria numa limitação demasiado ampla da liberdade humana e porque a palavra "direitos" parece implicar a existência de "deveres", sendo estes impensáveis em relação a animais. Pode passar - isso sim - indirectamente pela proibição desses espectáculos. A lei de protecção dos animais pode perfeitamente ser interpretada como proibindo os tiros aos pombos, por exemplo (já não as touradas, porque a inexistência de uma tradição infelizmente é requisito da protecção dos animais).
Quanto à questão dos impostos, à qual parece que se reduz todo e qualquer problema, concordo que "está mal", "muito mal". Nesta questão das touros, sou um perfeito anarco-capitalista. E consigo pensar em meia-dúzia de outras questões do género).:)
muito bem. para quando o proximo jantar no campo pequeno?
lol
"E a verdade é que, em certos casos, sofrem mais, porque não tendo a racionalidade e a memória de um ser humano, não se ajustam às situações de perigo e sofrimento como nós."
Quer com isto dizer que o ser humano por saber que vai morrer com umas pedradas, sofre menos porque "ajusta-se" ao facto de ir morrer. Por sua vez o animal por não saber o que lhe vai acontecer sofre mais por que está a ser picado sem saber o motivo.
Há aqui qualquer coisa que não joga bem.
"Uma criança dissociada não sofre tanto como uma não dissociada. Mas, agora, que deveremos dizer das criaturas que são naturalmente dissociadas - que nunca atingem, ou nunca tentam atingir, a espécie complexa de organização interna que é normal numa criança e quebrada num criança dissociada? Podia convocar-se a seguinte conclusão: tal criatura seria constitutivamente incapaz de passar pelo tipo ou quantidade de sofrimento possível a um ser humano. Mas se todas as espécies não humanas estão neste estado de relativa desorganização, temos bases para a hipótese de que os animais não humanos podem, na verdade, sentir dor, mas não podem sofrer do mesmo modo que nós."
Daniel Dennett, Tipos de Mentes
Há uma diferença Ho.
O Ricardo escreveu "não vejo a arte da coisa. [...] Não gosto e portanto não contribuo para o espectáculo."
Depois colocou cultura entre aspas e generalizou, criticando o estado por subsidiar e taxar tudo o que mexa.
Lamento, mas a sua comparação não me parece muito rigorosa.
Caro CMF,
O Singer diz o contrário. Não sei quem tem razão, porque não sou biólogo. Nem de perto, nem de longe...:)
Disse jb:
"não sou biólogo. Nem de perto, nem de longe...:)"
Nós já percebemos...
Quanto ao Singer, já foi uma boa cadeia de lojas de electrodomésticos.
Disse jb:
"Acho que o anúncio pode perfeitamente ser interpretado no sentido de chamar a atenção para o facto de os animais, como os humanos, também sofrerem."
O jb pode intepretar aquilo que bem entender, mas creio não ser difícil de todo perceber que o quaqui está em causa não é isso. Não é o sofrimento do touro ou do humano que o vídeo pretende mostrar (tanto que a senhora do vídeo ou é uma péssima actriz ou nem parece estar a sofrer nada apesar daquele sangue todo) é a legitimidade de quem o inflige. E a comparação neste caso é de uma pobreza miserável pelos motivos que já expus.
"O Singer diz o contrário."
Eu sei. Mas o Singer às vezes assusta-me. ;)
"O Singer diz o contrário."
Eu sei. Mas o Singer às vezes assusta-me. ;) - cmf
A mim também. Muito mesmo.:)
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