2006/11/20

Liberalismo: o novo igualitarismo de alguns



Escreve Luis Lavoura, no Speakers Corner Liberal Social:

Os liberais de direita portugueses andam preocupados com as propostas de extensão do direito de casamento aos homossexuais. O seu problema é que, por se quererem aliar à direita mais tradicional e conservadora, eles têm que ser contra o casamento de homossexuais. No entanto, não encontram nenhum argumento liberal contra ele. A situação está preta!

Vai daí, estão-se a aliar aos setores eclesiásticos para defender, se não explicitamente pelo menos em surdina, uma tese diabólica: o casamento civil deve ser extinto. É uma solução com impecáveis credenciais liberais, não há dúvida, e também altamente satisfatória para as igrejas em geral, e para a Igreja Católica em particular, a qual ficaria com o monopólio do casamento.
Pelo recente diálogo estabelecido com o autor destas palavras, só posso concluir da minha inclusão na massa dos referidos perigosos liberais de direita, até porque o artigo em questão aqui da casa versava exactamente na problemática do casamento de homossexuais.

A sagacidade de Luis Lavoura foi brutal: eu, que todos os que acompanham este blog reconhecem como um fiel devoto da Igreja Católica e Apostólica Romana e da sua causa, fui descoberto! Ficam assim arrumadas as minhas hipóteses de candidatura ao reconhecimento de Supranumerário do Mês e ao cobiçado Cilício de Ouro.

Um plano maquiavélico partilhado com toda a blogosfera liberal de direita lusa vai assim, depois deste furo conseguido em primeira mão por Luis Lavoura, completamente por água a baixo, e longas e árduas maquinações vão deixar, portanto, de dar o seu esperado fruto. Deus deve estar muito zangado.

Contudo, há algumas curiosidades que me assaltam. Como a de que nunca vi em algum lado algum responsável da ICAR defender o caminho que é apontado como "altamente satisfatório para as igrejas em geral". Seria também curioso que tal apoio existisse, porque deixando o casamento de ser um contrato definido pelo estado e passando a ser um mero contracto de direito privado, como defendem a generalidade dos tais liberais de que fala Luis Lavaura, seria a ICAR sem dúvida uma das principais prejudicadas, por terminar consequentemente o enquadramento concordatário da repercursão civil do casamento católico. Seria a ICAR a principal prejudicada, pelo regime de excepção que detém face às outras religiões reconhecidas em Portugal por intermédio da Concordata, ao perder um mecanismo importantíssimo de reconhecimento e de influência social.

É que o que Luis Lavoura esquece, ou aparenta esquecer, ao vir invocar supostos perígos de "monopolização do casamento" por parte da ICAR, que num enquadramento em que o casamento deixa de ter repercursões civis, acontecem várias coisas. Naturalmente as igrejas continuam com o seu monopólio de celebrar os seus próprios casamentos religiosos (a ICAR os seus, os judeus os respectivos, os hindus os seguindo os seus ritos, etc.), como rituais de liberdade religiosa e essencialmente privados que são. Não estará naturalmente a pensar que seja o estado a ditar o que é que os sacerdotes e os ritos das diversas religiões consideram um "casamento".

Outra coisa que se "esquece" é que um monopólio só subsiste por imposição externa de limitações que o sustentam, nomeadamente relativas à liberdade de entrada no mercado, neste caso sendo o entrave assegurado pelo estado ao ter aceite em exclusivo as repercursões civis do casamento religioso nos termos da religião católica. Ora nada impede que nessa situação o Luis Lavoura, os Passarinhos da Ribeira, ou outros que o desejem se associem e anunciem um produto "casamento" concorrente como o casamento religioso (nomeadamente o católico), nos termos que bem intenderem e com os ritos que achem apropriados. Nada impedirá que o Luis Lavoura monte réplicas de igrejas católicas, e que encene cópias dos ritos católicos em que case quem bem entender, como sacerdote de serviço, nem que seja os cães do vizinho. Naturalmente, o Luis Lavoura terá que compreender se a ICAR, associação privada, não quiser que lá vigorem os mesmos critérios que são estabelecidos pelo Casamento Luis Lavoura.
O casamento é, claramente, uma intromissão do Estado nos afetos dos cidadãos; portanto, o melhor a fazer é abolir o casamento - mesmo para aqueles cidadãos que, de bom grado, gostariam de ter os seus afetos reconhecidos pelo Estado.

É uma "solução" sinista, que lixaria muito boa gente, que anda a ser defendida na blogosfera por muitos "liberais" católicos. Uma "solução" que daria muito jeito à Igreja, a qual ganharia de volta o monopólio, que em tempos teve, de casar pessoas.

Mas é uma "solução" que, felizmente, jamais passará. Porque Portugal já não é o Estado maioritariamente religioso com o qual esses pseudo-liberais da hóstia sonham.
Ora aqui é que estará, eventualmente, a justificação que "dói". É óbvio que os que actualmente vivem à sombra de um estatuto de reconhecimento civíl do casamento católico, e também da tipificação por parte do estado do contrato de casamento civíl e das uniões de facto, que se aproveitam dos recursos de segurança jurídica e de benefícios sociais e fiscais, se sintam atingidos pela liberalização do contrato de casamento e pela saída do estado da determinação dos termos desse negócio jurídico. É mais uma vez a malta dos direitos adquiridos. Para estes, como aparentemente também para Luis Lavoura, não há problema que os que actualmente pagam as externalidades de todas estas benesses, nomeadamente os solteiros ou os que tenham as suas próprias regras de convivência em conjunto, paguem a factura das festividades. Não. esses, que não têm voz e não são uma "causa fracturante" que tenha visibilidade para animar a malta das bandeirinhas, das t-shirts e dos autocolantes, podem continuar a ser, esses sim, os lixados do costume. Até se acha que se pode arranjar maneira de abrir mais um espacinho, e por o pagode a pagar mais uma facturinha, para que mais uns satisfaçam a sua vontade de ter o papelinho passado. Até aparecer o próximo grupinho que agite a turbe e reclame do mesmo direito. Aí, novamente se erguerão os verdadeiros artistas para abrir os braços a mais uns. E para passar a factura aos lixados.

Esses sim, é que é a malta verdadeiramente liberal. A malta cool e prá-frente.

Eu (cá por mim) hóstia, só no torrão de Alicante.

1 comentário:

Carlos Guimarães Pinto disse...

"um bom médico radiologista consegue ver, numa ecografia, um pénis já num embrião com 8-9 semanas. Ambos os meus filhos têm pilas que já eram visíveis com essa idade." Luís Lavoura