De olhos bem abertos
A escolha desta semana recai sobre a edição da semana que passou da rúbrica Os sinos dobram por nós, de André Abrantes Amaral, n'O Insurgente. A edição em causa, entitulada "O futuro a cada um pertence", defende de forma particularmente eloquente a perspectiva que é quanto a mim natural no liberalismo, e mais coerente com a sua ideologia, relativamente ao casamento homossexual, nomeadamente defendendo que o assunto é algo que deve ser em toda a sua extensão limitado à esfera individual de cada um, e não alvo de uma validação avulsa por parte do estado.
Claramente, é estabelecida uma separação com o que são as causas de luta da esquerda, ocupada em arregimentar grupos de apoiantes avulsos e em estabelecer o casamento homossexual não como um acto de liberdade que deve estar ao alcance de todos, numa perspectiva privada de casamento, mas sim como um direito discreto conferido, hoje aos homossexuais, amanhã se fizerem suficientemente barulho (e se for conveniente em termos eleitoras) a outros grupos como os polígamos, não numa esfera de liberdade mas sim numa esfera de consentimento e de direitos positivados.
Infelizmente, também se estabelece a diferença com muita da direita conservadora (e muitas vezes dita liberal), que acaba por incidir nos mesmos exactos mecanismos de validação/rejeição.
Fica a referência, e já agora a recomendação da leitura de uma troca de argumentos sobre o mesmo assunto que vai ocorrendo (já em vários números sucessivos) na Revista Atlântico, entre Adolfo Mesquita Nunes e Pedro Picoto.
9 comentários:
Eu estaria plenamente de acordo com este arrazoado, se ele fosse seguido também para o casamento heterossexual. Ou seja, se este fosse abolido, e substituído, eventualmente, por um contrato celebrado em notário entre quaisquer pessoas, sem formatação especial conferida pelo Estado. Se no bilhete de identidade deixasse de haver um "estado civil" e se quando queremos vender uma casa ou contrair uma hipoteca deixassem de nos perguntar pela autorização do cônjuge.
Mas parece que o André Abrantes Amaral não defende isso. Ele defende que o casamento atual, para heterossexuais, permaneça exatamente com o mesmo enquadramento jurídico e formal. Só para os homossexuais é que vale a sua conversa sobre informalidade e contratos livres.
Em suma, hipocrisia "liberal" para obter uma conclusão pré-determinada.
Luís Lavoura
"o casamento homossexual não como um acto de liberdade que deve estar ao alcance de todos, numa perspectiva privada de casamento"
E o casamento heterossexual, não deveria ser também assim? Um contrato com uma perspetiva meramente privada?
Porque singulariza o JLP o casamento homossexual, exigindo que este tenha uma perspetiva privada, mas sem exigir essa mesma perspetiva para os restantes casamentos?
O que o JLP faz é dar uma vestimenta liberal ao preconceito direitista clássico. O JLP é adepto do casamento homossexual, claro... desde que não se lhe chame "casamento"! Desde que não passe de um contrato de direito privado! Desde que contiue a haver um contrato de direito público reservado apenas a pares de sexos diferentes!
Luís Lavoura
Caro Luís Lavoura,
Também defendo a liberdade contratual nos casamentos heterossexuais. Sucede que o tema era o casamento homossexual.
Entretanto, agradeço a distinção ao João Luís Pinto. Um abraço.
Se o André Abrantes Amaral defende a abolição do casamento e a sua substituição por contratos particulares entre as pessoas, muito bem. Mas faço notar que (1) não deve contar com muita adesão a essa ideia por parte dos seus colegas de direita, e (2) se a sua ideia fôr avante, irá criar montes de complicações a muita gente que se quer casar no sentido atual (embora, noutros sentidos, também vá evitar a muita gente vir a ser burlada pelo seu cônjuge, como atualmente frequentemente acontece...).
Eu prefiro ser mais convencional, e defender a existência de um casamento aberto a todos, hetero ou homossexuais, com os mesmos direitos convencionais. Quem se quer formatar de acordo com esse formato fá-lo, quem não quiser, não o faz. Desta forma chateio o mínimo possível a direita (porque não abulo o casamento) e perturbo o menos possível as pessoas, que continuam a poder ter no bilhete de identidade que são casadas, e a usufruir dos correspondentes direitos, sem terem que andar sempre a exibir o contrato particular que celebraram com alguma(s) outra(s) pessoa(s).
Luís Lavoura
Caro Luis Lavoura,
"(...) nomeadamente defendendo que o assunto é algo que deve ser em toda a sua extensão limitado à esfera individual de cada um, e não alvo de uma validação avulsa por parte do estado."
Contava que a minha posição tivesse sido suficientemente clara no meu comentário (ainda mais corroborado pela leitura do original do André Abrantes Amaral). Visto que aparentemente tal não aconteceu, reitero que defendo que o mesmo tratamento (ou seja, o fim do casamento como contrato tipificado pelo estado e passagem a documento livre de direito privado) para todos, inclusivé heterossexuais, homossexuais, polígamos, grupos de pessoas ou na generalidade para quem o deseje fazer.
Já agora, deixo a pergunta: se o casamento passar, como defendo e aparentemente o LL concorda, a ser algo da esfera pessoal de cada um, a que propósito se deverão manter "direitos convencionais" ou quaisquer tipo de direitos conferidos pelo estado aos casados?
Resposta: eu não defendo que o casamento passe a ser algo da esfera pessoal de cada um. Deve continuar a haver um casamento enquanto contrato público, tipificado e convencional. Quem quer casa-se, quem não quer não o faz. Quem quiser um contrato pessoal não tipificado e inconvencional, tem sempre o direito de o fazer. Mas, o casamento facilita a vida a muito boa gente, além de ser uma opção muito popular por motivos culturais, e portanto deve continuar a existir. Eu apenas defendo que ele deve ser estendido a pessoas do mesmo sexo, e tambem que a poligamia (uma pessoa a casar-se com diversas outras) deve ser autorizada.
Luís Lavoura
Fico esclarecido.
A sua posição não se distingue, portanto, em nada da esquerda das causas fracturantes que é referida tanto no meu artigo como no artigo original citado. A dos direitos avulsos.
Fica bem a clarificação, mas na minha opinião o caminho do liberalismo não é esse, e muito menos essa será uma posição liberal. Não sou utilitarista e não acredito que um timido passo em termos de resultados no bom caminho justifique a continuação da mesma exacta argumentação que preside presentemente ao problema.
"na minha opinião o caminho do liberalismo não é esse, e muito menos essa será uma posição liberal"
Pois, eu também acho que a sua posição sobre o aborto é tudo menos liberal.
Portanto, estamos de acordo: ambos nos consideramos a nós mesmos liberais, e ambos temos dúvidas sobre as posições pretensamente liberais do outro.
Luís Lavoura
Mas o Luís Lavoura já conhece a minha opinião sobre o aborto?
Ou limita-se a conjecturar face à minha posição anunciada sobre o referendo do aborto?
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