Criminalização do incitamento ao terrorismo
No contexto da liberdade de expressão, é significativo que, nos EUA, o entendimento hoje da mesma seja menos restritivo do que era no princípio do séc.XX. Se nessa altura era normal e lícito, os Estados federados terem leis a proibir, sem mais, discursos subversivos que atentavam contra o poder, hoje o Supremo Americano não tem dúvidas em considerar tais leis inconstitucionais.
No que diz respeito à first ammendment os tribunais nunca consideraram e continuam a não considerar que o incitamento à prática de crimes constitua, sem mais, um exercício legítimo da liberdade de expressão. Se, no passado (Whitney v. California), os tribunais aplicavam o bad tendency test, segundo o qual estariam constitucionalmente proibidos os discursos que tivessem a tendência de promover a sedição ou a violação da lei, hoje aplica-se o Brandenburg Test (Brandenburg v. Ohio). Segundo este critério, só serão proibidos os discursos que advoguem intencionalmente a violação iminente da lei quando seja de crer que tal violação seja uma consequência provável do discurso. É fácil de ver que o critério é bem mais estrito, pois que se exige a intenção de causar a violação da lei por parte do discursante, bem como a iminência do perigo da violação da lei e a probabilidade da mesma vir a ocorrer.
O Patriot Act, apesar do seu espírito repressivo e tendencialmente totalitário, não limitou a liberdade de expressão. Em todo o caso, os juristas, em geral, concordam que uma limitação maior da liberdade de expressão em tempo de guerra é legítima, o que leva ao uso do Brandenburg Test em termos menos restritivos.
É nesse contexto que não vejo mal em limitar temporariamente a liberdade de expressão no caso de discursos que incitem ao terrorismo, desde que tal limitação seja feita nos termos razoáveis ou aceitáveis de que falei (por exemplo, nos termos do Brandenburg Test, entendido, para este efeito, em termos menos restritivos).
Mas, para além da necessidade de respeitar os requisitos do Brandenburg Test nos termos que referi, não me parece bastar que se declare informalmente guerra contra o terrorismo, como o governo do Bush tem feito, para que a criminalização do incitamento à prática de actos terroristas proceda. Se um governo quer fazer uso dos poderes especiais que lhe são conferidos pela Constituição em tempo de guerra tem de obter a declaração oficial da mesma. Só assim se respeita o equilíbrio de poderes que as constituições liberais consagram.
Nota: Vários países (Grã-Bretanha e Dinamarca, por exemplo) criminalizaram o incitamento à prática de crimes de terrorismo (cf., por exemplo, o art.1º do Terrorist Act). Fizeram-no em termos bem mais amplos daqueles que eu advogo.
Nota: valeria a pena discutir as razões filosóficas que me levam a crer que o incitamento à violência é uma excepção à liberdade de expressão, mas não há espaço para tal. A pedido de várias famílias, estou a tentar ser mais sintético nos posts que escrevo.:)
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