2006/08/27

Separação de poderes - resposta ao Migas

Vem atrasada a resposta a este post do Migas. Abordarei a questão da criminalização do incitamento à prática do terrorismo num outro post.

Diz o Migas: "Independentemente da definição de "limites aceitáveis", o risco deste tipo de compromisso é mais abrangente do que a luta contra o terrorismo em geral, para não falar especificamente no terrorismo islâmico. Ainda está para vir o estado que desiste voluntariamente de poderes, uma vez adquiridos. A tendência natural do estado é de açambarcar mais poderes, e nem sempre por más razões; infelizmente a maior parte dos políticos acha que sabe o que é melhor para nós, mesmo que isso seja contra a nossa vontade...".

Resta saber o que entende o Migas por Estado. A pergunta Quis Custodiet Ipsos Custodes? tem resposta na própria separação de poderes. Se Estado significa neste contexto governo e administração pública, a resposta é fácil: quem controla o Estado são os tribunais (sobre os quais falarei no próximo post) e o Parlamento.
Sendo o parlamento um órgão plural, em que idealmente se encontram representadas as várias tendências políticas existentes na sociedade, as leis por ele aprovadas resultam de um debate entre os vários partidos representantes dessas mesmas tendências. Acresce que as leis elementares, isto é, aquelas que contendem com princípios essenciais, necessitam, para serem aprovadas, de maiorias qualificadas, o que, por um lado, obriga a um largo consenso para a sua aprovação e, por outro, dificulta a tarefa a quem as queira revogar.
Se o Migas tivesse razão, isto é se a tendência para o aumento dos poderes do Estado fosse irreversível, a Constituição de hoje, por exemplo, seria essencialmente a mesma de 1976, porque o Parlamento não teria abdicado dos poderes do Estado (que eram significativamente maiores em 76). Ora não foi isso aconteceu, porque a dura realidade económica do país obrigou a reformas e porque do debate parlamentar também surgiu um consenso em torno da necessidade de diminuir os poderes do Estado. Infelizmente, tal diminuição fica muito aquém do que seria desejável, mas para o caso não interessa.

Ainda em resposta ao argumento do Migas, podemos ir mais longe e perguntar o que é que aconteceria se em vez de uma democracia tivéssemos um ditadura liberal (passe o possível paradoxo), isto é, um regime em que um ditador ou monarca absoluto se comprometesse a respeitar a vida, liberdade e propriedade dos membros da sociedade. A resposta parece-me óbvia: tal ditadura ofereceria ainda assim uma menor garantia contra abusos de poder, em razão da velha máxima segundo a qualquer poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Quanto à questão do controlo do governo, estamos, pois, apesar de tudo, melhor em democracia.

3 comentários:

Migas disse...

Correcto. O problema é que as leis anti-terroristas são as primeiras a tentar subverter essa separação de poderes, ao permitir detenções sem acusação e sem mandato judicial, ao atribuir poderes arbitrários ao executivo em matéria de investigação e "surveillance", ao criar mecanismos de limitação das liberdades que não passam por sentenças judiciais, etc.

Migas disse...

O que é que se pode dizer quando o "Home Secretary" britânico usa frases como (negritos meus) "The rights of the individual must and will be balanced against the collective rights of security and protection of life and limb"?

Anónimo disse...

Caro Migas,

Mas não eu não exprimi qualquer adesão ao Patriot Act ou ao Terrorist Act, pelo contrário, critiquei, ainda que de passagem, os dois.
Eu só quero discutir a questão da criminalização do incitamento ao terrorismo e os limites da liberdade de expressão. E é nesse contexto que acho que o argumento da "encosta deslizante", isto é, o argumento de que "se admitimos a medida X isto acaba no totalitarismo" é não só falacioso, como também refutado pela história.

Quanto à frase do "Home Secretary" britânico a minha avaliação teria de depender do contexto em que foi proferida. A segurança, claro que é uma questão colectiva, porque é uma questão de Estado. Por alguma razão, é uma das funções de um Estado liberal. E é que claro que implica alguma restrição a direitos individuais (pensa nas medidas de coacção como exemplo típico).
Posto isto, frases destas podem ser utilizadas para defender o indefensável. É por isso que teria de saber o contexto.