Pergunta do dia
Qual será a solução mais dissuasora de situações como o recente lançamento de mísseis pela Coreia do Norte, violando as fronteiras da Russia e do Japão: a posição não soberanista de deixar às diplomacias internacionas e ao papel regulador do amigo americano a tarefa de ameaçar Kim Jong Ill que se repetir vai para a cama sem sobremesa, ou uma perspectiva da defesa absoluta das soberanias nacionais, em que a partir deste momento qualquer retaliação de qualquer escala por parte de qualquer país contra a Coreia do Norte passasse a estar legitimada automaticamente por violação da soberania dos países ofendidos?
6 comentários:
Dadas as circunstâncias, EUA, Japão e Coreia do Sul estão a fazer o papel que lhes compete. Não podem ignorar o problema mas ao mesmo tempo seria irresponsável tratar a Coreia do Norte como um beligerante que deve ser alvo de retaliações. Afinal, é difícil impor mais sanções que nunca prejudicam os líderes. Julgo que este é o momento da China utilizar a sua posição privilegiada junto de Pyongyang, e mostrar que do ponto de vista político é capaz de persuadir os norte-coreanos a adoptarem uma posição mais construtiva.
"Não podem ignorar o problema mas ao mesmo tempo seria irresponsável tratar a Coreia do Norte como um beligerante que deve ser alvo de retaliações. Afinal, é difícil impor mais sanções que nunca prejudicam os líderes. "
Porquê "irresponsável"? Não é a população da Coreia do Norte, como um todo, a principal responsável pelo regime que se encontra no poder?
Que melhor mecanismo para dissuadir líderes totalitários que a perspectiva de que as suas acções colocam na mira todo o seu povo em conjunto, e como tal muito mais apetecível o caminho de serem derrubados pela força?
Disse "irresponsável" porque levar a situação para um conflito [liderado pelos EUA] seria branquear a imagem da Coreia do Norte e tornar aquele país num mártir das acções dos EUA e seus aliados.
A população da Coreia do Norte é composta por 23 milhões de pessoas. À excepção do Comité Central do Partido dos Trabalhadores Coreanos, dos membros do governo que não pertencem ao partido e dos oficiais superiores das forças armadas, tenho a certeza que mais nenhum cidadão da Coreia do Norte tem responsabilidade pela liderança do país. Um país que no século XX nunca conheceu paz, prosperidade e democracia deu origem a uma população cuja consciência é inteiramente moldada pela propaganda do regime. Logo, se virmos grandes manifestações populares em apoio de Kim Jong-il, a explicação é simples: coacção ou simples ignorância. O povo norte-coreano já foi ameaçado e já sofreu as consequências da fome na década de 1990 [entre 1 a 2 milhões de mortos], sem que a liderança se preocupasse.
"Disse "irresponsável" porque levar a situação para um conflito [liderado pelos EUA] seria branquear a imagem da Coreia do Norte e tornar aquele país num mártir das acções dos EUA e seus aliados."
Só uma clarificação: eu não estou a falar no actual cenário de resolução de disputas. Estou a falar num cenário alternativo de respeito absoluto pelas soberanias nacionais e de proibição da ingerência, mas também legitimador de qualquer tipo de retaliação caso a soberania de um estado seja violada por outro. A minha posição também já foi apresentada em outro artigos deste blog.
Dito isto (e nesse cenário):
Esse argumento de "martírio" não seria válido. A violação da soberania do Japão e da Rússia foi um acto voluntário da Coreia do Norte.
"A população da Coreia do Norte é composta por 23 milhões de pessoas. À excepção do Comité Central do Partido dos Trabalhadores Coreanos, dos membros do governo que não pertencem ao partido e dos oficiais superiores das forças armadas, tenho a certeza que mais nenhum cidadão da Coreia do Norte tem responsabilidade pela liderança do país."
Se os milhões de norte-coreanos, que são as principais vítimas do regime instalado, não se desejam mexer nem arriscar para mudar o estado das coisas, quando deveriam ser os primeiros interessados, que autoridade moral tem alguém que é alheio à questão interna da Coreia do Norte de o fazer? Se estes acham que o valor esperado associado ao risco de tentarem mudar o regime não vale a pena, é uma decisão que lhes assiste, mas com que ninguém mais tem alguma coisa a ver.
Enquanto o problema se restringir às fronteiras da Coreia do Norte, é um problema que tem que ser a Coreia do Norte a resolver. Com risco de se não o fizer os efeitos do seu problema interno extravasarem e perturbarem terceiros que não têm nada a ver com ele, situação em que acho que têm toda a legitimidade de retorquir como acharem conveniente.
A alternativa, que tem enfermado toda a política internacional do século anterior e deste, é interferir no equilibrio de poderes interno da Coreia do norte. Aí sim vais criar uma classe de pessoas prontas a recorrer ao argumento do "martírio": os que estavam no poder e seus apoiantes, que não vão ser extintos e vão passar a fazer oposição à "nova ordem", congregando os que progressivamente ficarem também insatisfeitos com a mudança, e crescendo para fazer perdurar este ciclo infernal. A isso acresce o facto de que vais intervir baseado no padrão moral de quem tiver mais força para intervir, achando que a situação interna desse país é "intolerável", o que pode ser um mecanismo extremamente perigoso.
A generalidade da população norte-coreana foi endoutrinada numa ideologia que já só existe naquele país: a de que todos os cidadãos têm a sua vida submetida ao estado, personificado pelo "líder" e é assim que são ensinados. Desde pequenos que é imposta aos norte-coreanos uma perspectiva única: que o "líder" é responsável por todas as "benesses" da vida, desde a existência do país até ao mais pequeno pormenor do dia-a-dia. Os retratos de Kim il-Sung e Kim Jong-il encontram-se por todo o lado (obrigatórios) e qualquer ideologia estrangeira é barrada. As obras de Marx, Engels e Lenine foram banidas e os aparelhos de rádio e televisão estão bloqueados para impedir a captação de influências estrangeiras. Ou seja, não conhecem outra realidade.
Isto tudo para dizer o seguinte: mantendo-se o actual status quo do regime, é impossível que a população norte-coreana seja capaz de organizar uma sublevação geral contra a sua liderança. Seria necessário que várias fileiras das forças armadas estivessem de tal forma descontentes com a situação ao ponto de empreenderem uma mudança forçada do poder. Mas isto teria de ser o resultado de um descontentamento transversal, que incluísse todas as patentes e reunisse simpatia popular. E as patentes mais elevadas nunca o iriam consentir, uma vez que têm um lugar privilegiado no aparelho de estado. Alguns deles são ministros e gestores públicos.
Uma intervenção estrangeira daria lugar a todo o estilo de opiniões: desde a libertação de um país oprimido à ingerência nos seus assuntos internos e até à destruição do processo de aproximação das duas Coreias.
Não creio que seja muito plausível, mas o lançamento dos mísseis desta semana torna esse cenário ligeiramente mais provável.
O problema nunca se restringiu às fronteiras da Coreia do Norte. Para que a divisão da península fosse feita, foi necessária uma guerra de três anos. Nas décadas de 1970 e 1980, os serviços secretos norte-coreanos procederam ao rapto de cidadãos japoneses. Ainda na década de 1980, estes mesmos serviços secretos foram responsáveis por um atentado na Birmânia que vitimou membros do governo sul-coreano, e poucos anos depois, por um atentado que destruiu um avião da Korean Air. Já na década de 1990, após a queda da URSS, o nome de Kim Jong-il foi ligado a correntes transnacionais de tráfico de droga.
Na minha franca opinião, a Coreia do Norte representa um maior perigo que o Irão.
"Ou seja, não conhecem outra realidade.
Isto tudo para dizer o seguinte: mantendo-se o actual status quo do regime, é impossível que a população norte-coreana seja capaz de organizar uma sublevação geral contra a sua liderança. "
23 milhões de pessoas é muita gente... Principalmente se são assim tão poucos a oprimir tantos. Além de que, será que é preciso conhecerem outra realidade para perceberem que são explorados e que têm as suas liberdades oprimidas? Não basta terem como termo de comparação a sua vida e a da "cúpula"?
"O problema nunca se restringiu às fronteiras da Coreia do Norte. Para que a divisão da península fosse feita, foi necessária uma guerra de três anos. Nas décadas de 1970 e 1980, os serviços secretos norte-coreanos procederam ao rapto de cidadãos japoneses. Ainda na década de 1980, estes mesmos serviços secretos foram responsáveis por um atentado na Birmânia que vitimou membros do governo sul-coreano, e poucos anos depois, por um atentado que destruiu um avião da Korean Air. Já na década de 1990, após a queda da URSS, o nome de Kim Jong-il foi ligado a correntes transnacionais de tráfico de droga."
Mais uma demonstração de que as soluções políticas e diplomáticas para os problemas não funcionam. Houvesse uma política de retaliação livre justificada por violação da soberania dos países e vários desses motivos teriam constituido legítima razão para a exercer. Assim ficamos dependentes de agendas políticas de conveniência de catalogação de "bons" e "maus".
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