2006/07/05

O monopólio da força

A partir de Novembro, quem passar numa portagem sem pagar vai ser multado em pelo menos 25 euros pelos agentes das concessionárias das auto-estradas e pontes, dispensando-se uma decisão dos tribunais. A lei 25/2006 foi hoje publicada em Diário da República e entra em vigor em Novembro.

A lei 25/2006 - a que a agência Lusa teve acesso - pretende aliviar os tribunais do peso dos processos sobre a utilização fraudulenta das infra-estruturas rodoviárias, conferindo aos portageiros competências de fiscalização.

[...]

Depois de detectada a contra-ordenação, as concessionárias notificam o condutor faltoso para pagar a coima no prazo de 15 dias e, se o pagamento não for feito, notificam a Direcção-geral de Viação (DGV) para lavrar um auto de notícia e, eventualmente, enviar o processo para os tribunais.

Público Última Hora (com negritos meus).
Um dos papéis em que (até) os liberais costumam concordar que deve ser uma competência exclusiva do estado é o de este ser detentor do monopólio da força, ou seja, que deve ser um monopólio do estado o conjunto de poderes e de tarefas associados à segurança pública e à aplicação e enforcement da legalidade e da ordem jurídica, papéis normalmente exercidos pelas forças de segurança, pelos militares e pelos tribunais. Ora na ânsia de fazer passar tudo o que é comportamento e acto tomado em sociedade pelo crivo da Lei, culminado numa espiral verborreica legislativa que todos conhecemos, o que se tem assistido é a um progressivo esgotamento da capacidade do estado de exercer esse monopólio, seja por progressiva escassez da capacidade de policiamento de toda a miríade de actos sancionados como "ilegais", seja pelo progressivo atulhamento dos tribunais com bagatelas jurídicas. Qual é a reacção do estado? Em vez de simplificar os ordenamentos legais e tentar agilizar os processos de detecção de infracções e seu posterior processamento, a tendencia do estado é de prescindir progressivamente do seu monopólio e de atribuir funções geralmente associadas ao exercício da função pública a entidades e pessoas sem particular legitimidade pública para o efeito.

De que outra forma se pode compreender que, pelo simples facto de se ser funcionário de uma companhia privada que presta serviços em regime de concessão ao estado, como é o caso da Brisa e dos seus funcionários portageiros, estes passem a adquirir efectivos poderes público de sanção de contra-ordenações? Está tudo doido? Será que a tarefa de fiscalização dessas contra-ordenações é uma tarefa assim de tão especial complexidade, ou será o estado completamente incapaz de a exercer? Será que um dia destes temos os donos dos cafés das praias ou os nadadores-salvadores também a passar multas pela violação da famosa nova lei da bandeira vermelha?

Mas uma questão extremamente grave, e que passará eventualmente despercebida numa primeira leitura do artigo mas que é demonstradora da leviandade com que o estado lida com os seus cidadão e com a sua privacidade, é o que está expresso no terceiro parágrafo transcrito do artigo: se se assume que passarão a ser as concessionárias a fazer a notificação dos condutores presumíveis faltosos, através de dados de video ou foto-vigilância, surge a questão de como terão estas acesso aos dados relativos aos proprietários das viaturas através da matrícula, nomeadamente o nome e a morada. Só se poderá presumir que para tal se irá conferir a possibilidade de as concessionárias terem acesso às bases de dados de matrículas e proprietários automóveis. Com que direito? Com que leviandade se autoriza uma entidade privada a aceder a este género de informação? Com que controle?

Um estado capaz e credível dá-se ao respeito e demonstra que é capaz de exercer as suas funções. Um estado totalitário e securitário abdica do seu monopólio da força e torna todos na polícia e nos vigilantes do politicamente tolerado.

2 comentários:

AMN disse...

O mais fácil é mesmo... acabar com as portagens!

JLP disse...

Isso é outra guerra... ;)