2006/07/07

Efectivamente no puede ser

Em artigo para o Público de ontem, entretanto disponibilizado no Abrupto, Pacheco Pereira discorre sobre o sentido de discussões e tomadas de posição mais ideologicamente puras no momento presente português e no que respeita aos diversos apoiantes de correntes e versões do Liberalismo, comparativamente a uma estratégia mais utilitarista de conquistas avulsas que caminhem em torno do desígnio compartilhado pela generalidade dos liberais, consubstanciada no que qualifica como "oposição liberal moderada" ou "reformista".

Em primeiro lugar, destaque para a deliciosa história da incursão guatemalteca de Pacheco Pereira, que dá o mote ao artigo. A não perder!

Posteriormede, refere JPP (com negritos meus):

O que não dá, nem eu a procuro, é identidade pelo nome. É liberalismo, mas não é o "liberalismo". É a prática mais do que a doutrina, porque, se houver pulsão liberal, basta-me. Se em cada medida de política se escolher a que mais nos dá liberdade, política, social, económica, cultural, é esse o caminho. É mais facilmente distinguir e escolher assim do que numa discussão doutrinária abstracta.

Não me interessa discutir a privatização dos rios, posso bem deixá-la para um longínquo futuro, mas já me importa combater pela saída do Estado dos partidos políticos, das centrais sindicais, das confederações patronais, das companhias de teatro subsidiadas, das "bolsas para escritores", do futebol, dos órgãos de comunicação social, ou seja do negócio da propaganda, do subsídio e da protecção. Feito isto, expulsado o Estado de onde ele não deve estar, nem muito nem pouco, podemos passar para onde ele deve estar minimamente. É que sem Estado mínimo, não há justiça social. O Estado máximo que temos é a melhor garantia de que os recursos escassos serão sempre mais para os que não precisam do que para os que precisam. E é isso que me interessa, não é ter uma camisola com o nome de liberalismo ao peito.

E eu acho, certamente com a mesma cegueira daquelas conversas guatemaltecas, que somos bem capazes de distinguir entre uma solução liberal e uma estatista e escolher entre as duas. Se vamos para os dogmas, perdemo-nos; se olharmos para as políticas, achamo-nos.
O problema é que esse impulso utilitarista, de julgar não as ideologias e os objectivos, mas sim as medidas avulsas que se tomam, é uma das principais doenças que enfermam o nosso panorama político pós-25/Abril, e característica indissociável do "centrão" que desde essa altura nos governa. Nós já tomámos medidas socialistas sem sermos Socialistas quando era politicamente correcto, já tomámos medidas sociais-democratas sem sermos Sociais-Democratas quando foi bem aceite, e medidas democrata-cristãs sem sermos Democrata-Cristãos quando era preciso separar as águas para com as anteriores. Tudo isto com boas intenções utilitaristas de que era o melhor passo a dar e que a ideologia era coisa de salão que não resolvia problemas. Pessoalmente, não quero que medidas liberais sem sermos Liberais sejam acrescentadas ao rol. Não quero mais estratégias e planos sem objectivos, como acho muitas pessoas também não vão querendo mais. Esse caminho, para mim, é o que mais rapidamente queimará qualquer intenção de criar uma oposição liberal credível em Portugal, que não seja rapidamente catalogada pelo eleitor (e contribuinte) farto de navegação à vista e de contradições que vai engrossando as fileiras da abstenção e da indiferença política.

Aliás curiosamente é o próprio Pacheco Pereira que no referido artigo ajuda a alimentar o equívoco: quando escreve que o interesse na saída do estado de vários dos papéis que exerce presentemente em direcção a um estado mínimo é motivado não por um objectivo final de promoção da Liberdade, mas sim tendo como objectivo a "justiça social", ou a melhor canalização e redistribuição de riqueza para os "que mais precisam", JPP demarca-se logo à partida do principal ideário Liberal, optando claramente por um objectivo de uma sociedade mais igual que por uma sociedade mais livre. Passa a ser um liberal nos meios (pelo menos para já, quando cada vez mais são incontornáveis medidas de cariz liberal), mas deixa de ser um liberal nos fins.

Sejamos claros: há por aí muita gente (incluindo muitos dentro do presente governo) que adoptam medidas liberais não pelos méritos destas, mas a maioria das vezes porque já não têm outra hipótese. O dinheiro para as megalomanias do estado máximo vão escasseando, e é preciso ir dourando a pílula com capas de "modernização" e "flexibilização" para não se perder a face. Mas que as pessoas não se enganem: estas medidas são somente gestos conjunturais que serão rapidamente abandonados resolva-se o problema orçamental (se ainda for possível...) e volte-se às vacas gordas. Assim como muitos que abraçem a perspectiva utilitarista de Pacheco Pereira rápidamente voltarão à modorra do costume quando o estado sair um bocado do bolso deles (sem prejuízo de que passe a entrar mais no bolso de outros).

É este o perigo desta conduta. O de que, uma vez que nunca se concebeu onde é que se queria chegar, se fique satisfeito ao ser atingido um qualquer máximo local de espectativas.

1 comentário:

AA disse...

De acordo... é sempre o mesmo processo de weaseling...