2006/07/06

Então não...

O que mostram os factos é que a Religião é muito mais um factor de, do que uma barreira ao, desenvolvimento.

Ricardo Pinheiro Alves
Num recente e (involuntariamente) divertido artigo do novo senhor Europa do PND, publicado no respectivo jornal-página oficial, vem o seu autor fazer um ataque cerrado ao laicismo e à separação entre o estado e a religião, sustentando a sua tese no facto de que os países europeus de rendimento mais elevado e menor desemprego possuem igrejas do estado:
Curiosamente, ou não, é precisamente nos países onde a taxa de desemprego é mais baixa e o nível de vida mais elevado que as igrejas têm um papel mais activo na defesa dos seus valores e dos seus interesses e onde actuam de forma mais marcante na sociedade. É também nestes países onde persiste uma igreja oficial. (...) Em Inglaterra, Irlanda, Dinamarca, Noruega, Islândia e nos restantes países escandinavos há uma religião de Estado.
Em primeiro lugar, e ultrapassado o choque de ver alguém responsável por um denominado "círculo de economia e finanças" de um anunciado partido neo-conservador-liberal (?) vir fazer gáudio das economias dos países nórdicos e apresenta-las como exemplo, seria bom que alguém com as espectativas de carreira política como Ricardo Pinheiro Alvez começasse a sua caminhada com algum rigor: desde o ano de 2000, no caso da Suécia, foi efectivada uma separação entre o estado e a religião, deixando de haver uma igreja do estado. Além disso, há alguns números curiosos que deitam por terra em grande medida a sustentação da sua tese: de acordo com um estudo de 2005, a população dinamarquesa é a terceira maior população mundial em termos de proporção de ateus e agnósticos, enquanto que dos noruegueses somente 10% participam normalmente em rituais católicos e se assumem como tal. Mesmo na pequena Islândia, 43% da população afirma nunca ter participado em nenhuma cerimónia religiosa e somente 10% o fazem com regularidade. Verifica-se portanto que a suposta sustentação religiosa desses estados é mais resultado da persistência de toda uma organização por desleixo e falta de interesse do que por uma efectiva sustentação na crença e vontade dos cidadãos desses países. Assim como no caso português perduram inúmeros casos de ateus e pessoas sem religião formal que foram baptizados (e como tal constantes nas estatísticas religiosas) e que só mantém esse vinculo que lhes foi imposto por puro laxismo.

Mas mais interessante é o exercício de umbiguismo e de "espírito de coutada" que está disperso pela generalidade do artigo, que acaba por ser mais uma demonstração de que correlação não é causalidade. A religião válida é a religião católica e o cenário é a Europa. Como se não houvesse mais mundo em que se pudesse avaliar os resultados dessa relação perversa entre estado e religião. Para tal bastará olhar para os exemplos que encabeçam este artigo. Tudo bons rapazes (e rapariga!) responsáveis no presente ou no passado por países do top da proporção das religiões nos seus cidadãos e das religiões de estado, porta-bandeiras mundiais do que é que confundir estado com religião pode originar, ou de que esta não é uma condição necessária e muito menos suficiente para o progresso.

A confusão de estado com religião é de todo perniciosa e evitável, assim como toda a confusão entre o estado e qualquer grupo ou corporação da sociedade civil, sejam elas o Benfica, a AEP ou os sindicatos. O que não deve ser confundindo com a liberdade absoluta e inviolável que deve ser atribuida a cada um de professar a sua religião, à existência de religiões e ao direito que lhes assiste de terem voz na sociedade e de se fazerem ouvir nos orgãos de poder através dos seus fiéis que para eles sejam eleitos. Não é muito difícil distinguir liberdade religiosa de um papel do estado como promotor e relações públicas de uma determinada confissão. Só aparentemente para alguns que têm agora uma determinada posição, mas a renegariam as vezes que fosse preciso se a coutada que está em causa não fosse a sua, mas a de outros. O que diriam tais oportunistas quando Portugal, num eventual futuro, passasse a ter uma maioria muçulmana que clamasse do mesmo estatuto de participação no estado e "representatividade especial"?

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