2006/06/07

Um bufo em cada esquina

No seguimento dos detalhes trazidos a público no dia de ontem no que toca à lei do tabaco, constata-se com curiosidade que, sendo que os donos dos estabelecimentos não sofrem consequências da violação da lei nos seus estabelecimento, se verifica a situação caricata de potencialmente ser somente o estado o interessado no cumprimento da lei, já que os fumadores naturalmente não vão pugnar pela seu cumprimento, bem como os donos de estabelecimentos tradicionalmente associados à frequência por clientes dominantemente fumadores não vão estar propriamente motivados a enxotar a sua clientela. Além disso, em situações de minoria e em contextos longe da presença policial (que já presentemente não consegue cumprir com outras obrigações megalómanas como a fiscalização da idade de quem frequenta discotecas e bares ou relativas ao consumo de alcoól e tabaco por menores) dificilmente dará grande esperança aos não-fumadores de poderem remar contra a corrente.

Mas mais preocupante do que isso é a constatação de uma tendência recente do nosso estado. Quer por exemplo na recente e original solução de proceder a inquéritos a recém-casados relativamente às suas despesas com a boda, quer no caso também já por aqui tratado relativamente aos laivos de criminalização da prostituição, o que se assiste é ao constatar tácito por parte do estado da sua incapacidade de exercer o seu monopólio da segurança pública e da força em todos os milhentos domínios e minudências em que se tenta imiscuir através da sua iniciativa legislativa. O que se verifica é que, na ânsia de fugir ao vazio legal que considera obsceno (veja-se a argumentação usada na Assembleia da República aquando da recente discussão da lei relativa à procriação medicamente assistida) o estado se tem entretido a legislar em todos os mais diversos domínios, acabando por constatar a letra morta em que (apesar de tudo felizmente!) se tornam grande parte das suas iniciativas, por falta de efectivos fiscalizadores das responsabilidade que opta por criar.

Constatando essa escassez, porque já vai faltando dinheiro para tantos palhaços, tem optado por mudar de estratégia, passando a transferir para os cidadãos, que em ultima instância esperariam dele esse esforço de cumprir a lei e manter a ordem (afinal das competências mais óbvias do estado, com que até a maioria dos liberais, por mais preconizadores de um estado mínimo que sejam, concordam), a responsabilidade final de se tornarem os bufos do estado.

A receita é simples: basta conjugar uma polícia com facilidade em arrolar como cúmplices possíveis cidadãos menos cooperantes, que por azar estejam no local do crime, com um sistema judicial inoperante, disposto a colocar na prateleira da suspeição em prazos generosos de inquérito, instrução e julgamento os desgraçados que não cumpram com os seus deveres de cidadania, e espalhar pela dócil e habituada à subjugação mole dos cidadãos o espírito e a máxima de quem não deve não teme e do bem comum, para facilmente podermos construir pelo medo um autêntico exército de bufos potenciais, com a vantagem (para o estado) de não auferirem salário e ainda pagarem pelo serviço.

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