Re: uma dúvida liberal
À dúvida liberal de Paulo Ferreira na câmara dos comuns apenas podem existir respostas baseadas em conjunturas dado que o mercado é demasiado complexo para ser explicado e antecipado.
Chamo a atenção para alguns factores que são pouco levados em atenção.
Em primeiro lugar há que colocar em questão as premissas do problema. Uma premissa é o facto de que o indicador de reservas estar no seu ponto máximo.
- O nível de reservas é calculado colocando no numerador as reservas conhecidas e economicamente viáveis e no numerador o consumo actual.
O valor do petróleo tem a ver muito mais com o consumo futuro do que com o consumo passado. Factores como o crescimento cada vez mais confirmado da Índia e da China e o "não Aquecimento global" são levados em conta. - Existe um factor conjuntural nos mercados financeiros. Existe uma deslocação de capitais dos mercados imobiliários. Uma das alternativas são as commodities. Investimentos neste mercado tornaram-se relativamente mais atractivos.
- O entorno político e regulatório à escala global. O movimento político e regulatório associado ao aquecimento global está a arrefecer acompanhando a tendência das temperaturas. Menos penalizações para o mercado e menos subsídios políticos para mercados alternativos, maior valor do petróleo. Mais consumo e menos concorrência de alternativas.
- A sustentabilidade do mercado continua a ser confirmada com a contínua descoberta de novas reservas, desenvolvimentos tecnológicos que permitem maior eficiência na extracção e transformação e a falta de competitividade das alternativas. A falta de credibilidade das alternativas é aqui um factor muito importante e que pode alterar todo o jogo no sentido contrário. O que aconteceu neste último ano com a subida do preço de bens usados para a produção de etanol apenas reforça o valor do petróleo.
3 comentários:
Caro RGF,
correndo o risco de "já vir tarde" gostaria de comentar este seu post.
Quando afirma
"De qualquer forma a resposta liberal no mercado é deixar o mercado funcionar com o mínimo de intervenção."
parece-me esquecer uma premissa que considero fundamental: os produtores responsáveis por 90% da extracção de petróleo reúnem-se trimestralmente (?) para decidir qual o nível de produção. Faz sentido, nestas circunstâncias, falar de mercado?
Menciona no ponto 3 a questão do contorno político a propósito da questão do aquecimento global. Mas parece-me que se esquece de questões muito mais importantes de geo-estratégica política, não olhando para quem são, em concreto os países produtores e que relações (e ambições) têm com o ocidente. As decisões tomadas na OPEP têm muito pouco a ver com questões empresariais e muito a ver com questões políticas.
No final afirma ainda
"Escassez relativa trará preços altos que por sua vez trarão alternativas e/ou redução de consumo."
Se estivesse a falar do mercado dos cereais, por exemplo, acho que a afirmação faria todo o sentido. Qualquer (+-) agricultor mundial, numa decisão individual, pode com relativa facilidade mudar de cultura para responder aos estímulos do mercado. Também os consumidores dispõem, apesar de tudo, de algumas alternativas relativamente fáceis de adoptar para reduzir o consumo de cereais (substituindo parte por produtos hortícolas, alterando o tipo de ração animal, ...) Para já não falar na possíbilidade imediata (desde que levantadas barreiras políticas) de adopção de OGMs.
No caso do petróleo isso já me parece muito mais difícil. Não é qualquer país (quanto mais alguma empresa ou indivíduo) que pode decidir "passar a extrair petróleo". Alternativas como a núclear exigem anos de planeamento e no final podem não ter impacto significativo na oferta porque anos (décadas) de petróleo a baixo preço tornaram as sociedades ocidentais dependentes a um tal grau que dificilmente poderão ver-se livres dessa dependência. Basta pensar no parque viário em circulação, na opção pelo transporte rodoviário de mercadorias em deterimento do comboio, do investimento (que ainda continua) em auto-estradas, ... Não é apenas uma questão que o mercado possa alterar a curto/médio prazo. É uma questão estrutural que levará muitos anos (décadas) a mudar.
Caro António Carlos,
1. As reservas de petróleo estão cada vez menos concentradas nos países da OPEP.
2. Este cartel funciona "mais ou menos bem". Os países que lhe pertencem sofrem muitas pressões externas e não controlam de facto a produção.
3. Não funciona como um cartel real já que não tem peso suficiente para marcar preço como bem diz. Apenas acordam o que produzem o que tem impacto nos preços globais.
Caro RGF,
pela sua resposta acho que não compreendeu o sentido do meu comentário (o mais certo é eu não me ter expressado correctamente).
Faz no entanto no seu comentário uma afirmação que, conjugada com o seu post "Especuladores e usurários" me levantaram uma questão.
Concordo que a OPEP, apesar de controlar 90% da exploração, não consegue influenciar os preços dos combustíveis (a crer na própria OPEP). Tal significa, a meu ver, que não há escassez (nem se prevê que passe a haver a curto prazo) apesar do aumento do consumo na China e na Índia. Se houvesse escassez efectiva, quem controla a produção poderia efectivamente controlar o preço diminuindo a produção. Assim sendo, porque sobem os preços?
Uma tese comum é que a culpa é da especulação, sem no entanto especificar muito. Mas, segundo o seu post, "Um especulador é aquele que compra porque acredita (especula) que vai conseguir vender com margem". À partida isso pressupunha que os especuladores prevêm escassez (a curto/médio prazo) e assim funcionam como um (bom) sinalizador para o mercado. Mas neste caso voltamos à questão do controlo da produção pela OPEP. Se houvesse efectivamente escassez a OPEP controlaria os preços através do controlo da produção. Parece então que falta alguma coisa. Porque sobem os preços e qual o papel da especulação? Do meu ponto de vista a resposta está precisamente em que o papel actual dos especuladores não tem nada a ver com perspectivas de escassez. Tem pura e simplesmente a ver com o "jogo das cadeiras". Compram petróleo na espectativa de vender mais alto a outros especuladores que por sua vez compram na mesma expectativa. Enquanto existir a percepção de que o jogo pode continuar os lucros vão aumentando. Até chegar a um ponto em que o jogo termina e quem estiver em pé (isto é, tiver comprado alto e já não vender) perde. Claro que os especuladores têm consciência das regras do jogo. Mas muitas vezes jogam com dinheiro alheio (fundos), vão recebendo bónus, e quando o jogo terminar já arrecadaram um bom "pé-de-meia". Quem se lixa são os detentores dos fundos. E os consumidores que, não querendo jogar, têm entretanto de consumir petróleo porque estão "viciados" por décadas de preços baixos.
Quando é que a espiral pode terminar? Quando alguns especuladores, depois de vender, decidem retirar-se do jogo ("lixando os outros") transferindo o jogo para outro mercado.
Enviar um comentário