2007/09/24

Pseudo-Responsabilidade

Pergunto-me que liberdade de decisão tem alguém que acaba de ingressar numa faculdade e se encontra num ambiente desconhecido perante tal escolha. Ainda mais quando lhe é dito que a sua decisão em recusar a praxe terá como consequência a comparência num tribunal, onde se poderá decidir todo o tipo de consequências arbitrárias contra ele.

Filipe Melo Sousa
Pergunto-me que liberdade de decisão tem alguém que decide assinar um contrato de crédito bancário e se encontra num ambiente desconhecido perante tal escolha.

Pergunto-me que liberdade de decisão tem alguém que quer comprar o seu primeiro carro e se encontra num ambiente desconhecido perante tal escolha.

Pergunto-me que liberdade de decisão tem alguém que decide trabalhar e assinar o seu primeiro contrato de trabalho e se encontra num ambiente desconhecido perante tal escolha.

Pergunto-me que liberdade de decisão tem alguém que acaba de constituir família e se encontra num ambiente desconhecido perante tal escolha.

Pergunto-me que liberdade de decisão tem alguém que acaba de ir a tribunal e se encontra num ambiente desconhecido perante tal escolha.

Os alunos universitários são pessoas grandinhas. São (na generalidade) maiores e gozam praticamente de todos os seus direitos cívicos, bem como das respectivas obrigações, e não são um grupo de inimputáveis sociais. São pessoas que o estado presume serem capazes de tomar as suas decisões pessoais e de por elas se responsabilizarem, desde assinarem contratos até a tomarem decisões ao nível do exercício das suas liberdades pessoais. Ainda mais, em termos liberais, deverão ter a plena liberdade de o fazer e de acarretar as suas consequências.

Os "tribunais" que o Filipe refere têm a autoridade que os visados por este lhe queiram conferir. Em termos coercivos mandatórios, nenhuma.

Aqueles que, como o Filipe, optem por não se integrar na praxe, têm bom remédio: dizer que o não querem fazer. Se se sentirem ou forem efectivamente coagidos, têm enquadramentos criminais que já permitem actualmente fazer a plena defesa da sua liberdade, e que vão desde o crime de sequestro até à injúria, difamação e/ou ofensas corporais. O problema é que a generalidade dos "bravos" que se revoltam contra a praxe são os primeiros a demonstrar cobardia quando toca a defender a sua liberdade.

A generalidade dos crimes que referi são crimes privados, e como tal dependem de queixa. Mexam-se então os ofendidos para zelar pelos seus interesses, não fiquem à espera que venha o paizinho estado para continuar a ser a ama seca de adultos barbados e no pleno exercício da sua cidadania.

Naturalmente não podem esperar é não ser ostracizados por decreto. Ou que mereçam o respeito dos demais quando muitas vezes proclamam o horror à praxe mas rapidamente descobrem a cartola e as fitas quando chega a altura de levar o papá e a mamã ao desfile de finalistas na Queima das Fitas. As decisões, como qualquer liberal presumo que aceitará, acarretam consequência que não são necessáriamente positivas e/ou simpáticas para quem as toma.

É assim que se luta pela Liberdade. Tomando essas decisões, fazendo valer os pontos de vista e agindo em conformidade, e tendo o estofo e a coragem para arcar com as consequências.

8 comentários:

Anónimo disse...

"Ou que mereçam o respeito dos demais quando muitas vezes proclamam o horror à praxe mas rapidamente descobrem a cartola e as fitas quando chega a altura de levar o papá e a mamã ao desfile de finalistas na Queima das Fitas."

Concordo na generalidade com o teor do post, mas esta frase intrigou-me. O que é que tem a ver as fitas e a cartola e a ida dos pais à queima das fitas com a praxe? Será um direito exclusivo dos praxistas?

Unknown disse...

João fico um bocado apreensivo com a tua argumentação. É que fazes um juízo de valor sobre a (falta de) bravura da vítima ao defender-se, e esta torna-se assim de repente em culpado. Mais que isso, a vítima também é culpada por não interpor acções judiciais num sistema que não funciona. Pois certamente não vai perder o seu tempo, sabendo que a acção não resulta em nada.

Já o agressor é desculpado segundo o teu juízo de valor, pois soube ser mais valente, pelo facto de agir em maior número.

Por fim concluis com um apelo à bravura. Bom, não te queria ver a lutar pelos direitos humanos em países ditatoriais. É que a tua receita resulta na auto-imolação dos activistas, coitados.

Quando muito entenderia o ponto de vista segundo qual a defesa da vítima é um problema dela, e que não deve recorrer à sociedade. Uma visão anarco-capitalista da sociedade. Não concordo inteiramente, mas pelo menos compreendo.

JLP disse...

"O que é que tem a ver as fitas e a cartola e a ida dos pais à queima das fitas com a praxe?"

A queima das fitas e as insígnias são intrinsecamente ligadas à praxe, assim como o uso de traje académico ou outras realizações como as latadas ou a serenata monumental. Poder-se-à dizer que ascenderam a manifestações "públicas", mas não deixa de ser por esse motivo uma manifestação do ideário da praxe que é geralmente qualificado como "inútil" ou como fazendo parte de toda a "ausência de função ou mérito" com que os que se opõem à praxe a qualificam vulgarmente.

Não posso deixar portanto de qualificar como uma hipocrisia e uma grave manifestação de incoerência verificar que, para algumas das coisas que fazem parte do "pacote" da praxe, já deixam de haver tomadas de posição e de princípio.

JLP disse...

"João fico um bocado apreensivo com a tua argumentação. É que fazes um juízo de valor sobre a (falta de) bravura da vítima ao defender-se, e esta torna-se assim de repente em culpado."

Culpado? De quê?

"Mais que isso, a vítima também é culpada por não interpor acções judiciais num sistema que não funciona."

Estás a misturar coisas.

Num estado de direito, a instância última, pública e coerciva que dirime conflitos entre pessoas são os tribunais (principalmente quando o que está em cima da mesa é a liberdade individual). Se estes funcionam ou não, e se são consequentes, é um problema completamente autónomo que não é exclusivo nem típico destes casos.

Não posso portanto deixar de criticar aqueles que não usam dos meios que estão ao seu alcance (e que reputo de justos e equilibrados) para resolverem os problemas que acham merecer resolução. Que falam e falam mas são inconsequentes em relação ao que dizem, e ao invés tentam por via legal limitar a liberdade de outrém.

O que se passa nas escolas privadas é um problema destas. Nas escolas públicas, entendendo-se os seus locais de acesso geral como domínio público, o que deve presidir é a lei geral que, como defendo, resolve o problema.

"Por fim concluis com um apelo à bravura. Bom, não te queria ver a lutar pelos direitos humanos em países ditatoriais. É que a tua receita resulta na auto-imolação dos activistas, coitados."

Mas quem é que está a falar em "ditaduras"?

Uma pessoa não consegue tirar um curso superior se recusar a praxe e for ostracizado? Ou tem direito positivo a "n" sorrisos por semana e a que lhe façam festinhas com uma determinada periodicidade?

O que digo neste caso, tão somente, é que quem acha que algo está mal, não adira a ela. Se esse algo vier violar a sua liberdade, que reaja com as ferramentas que estão ao alcance num estado de direito, e que seja consequente com o que apregoa. Mas que, independentemente da sua decisão, deixe os outros em paz quando o assunto não lhe diz respeito nem o aflige.

Parece óbvio, não é?

Ricardo G. Francisco disse...

Filipe,

Essa linha de argumentação, baseada no mau funcionamento da justiça, que justificaria a intervenção paternalista do Estado poderia ser aplicada para tantas outras coisas...

Quando chega a esta altura do ano ficas alterado com este tema. As praxes do IST são de facto das menos académicas e mais rufias que existem, mas existem outras formas de fazer as coisas.

SMP disse...

Filipe:

A praxe deve mexer-me com os nervos quase tanto como tu. Gasto os insultos que tenho todos a cada Outono, de cada vez que vejo uma daquelas meninas com cara de urso em fúria e, muito provavelmente, falta de peso, a certificar a miséria da sua vida na infernização do próximo.

Por isso mesmo, logo que entrei na FDUP (ou melhor, uns dias depois, porque queria saber do que estava a falar) pus a coisa em pratos limpos. Uma dessas ditas cujas meninas interpôs-se entre mim e a porta no fim de uma manhã de aulas já chata que chegasse, e eu tinha uma colega à minha espera no Bom Sucesso.

Tentaram convencer-me do que ia perder; achei a tentativa patética. Mas, verdade seja dita, nunca afrontaram a minha liberdade de qualquer forma, nem antes nem depois nesse dia. Muitos nunca mais me falaram. Mas essa era a liberdade deles, e é isso que acho que não estás a perceber.

Ainda mais do que os praxistas me irritam aqueles que, sob pressão psicológica, cedem a tudo, para depois, na respectiva casinha e a salvo, gritarem "aqui d'el rei que me humilharam" (como é evidente estou a pressupor que não há verdadeira coacção física, que creio ser raríssima - e nisso falha a tua comparação com os países de regime ditatorial).

Já agora, em relação ao que disse o João, e com quem concordo em geral, tenho que discordar no que diz respeito ao traje. O traje não é exclusivo dos meninos bonitos das comissões de praxe, e teve na sua origem um propósito igualitarista que é precisamente o oposto do que os-estudantes-que-fazem-tudo-menos-estudar lhe atribuem hoje. Pode-se honrar enormemente uma capa e batina sem pertencer à praxe e, aliás, da minha experiência a correlação é inversa.

Isso já para não dizer que, num Estado de Direito, só pela lei se pode restringir um direito, liberdade e garantia como o de cada um usar o que quer; nos meus tempos de Faculdade usei traje algumas vezes, sei que o honrei mais do que a maioria dos senhores praxistas, e tive algumas vezes que lhes dizer na cara que se o queriam que mo viessem tirar.

Anónimo disse...

Pessoalmente, aceitaria que a praxe fosse uma prática de alunos. Já não aceito que seja uma prática de universidades que deviam aspirar a mais do que ser representadas por grunhos. E isso já não é uma questão de liberdades, mas de puro decoro. Que os Professores coniventes não têm, como é bom de ver.

Quanto ao problema da liberdade, a questão nunca é tão simples como o argumento já cansativo do "consentimento" parece fazer crer. Em certos casos, haverá claramente coacção e esta não é minimamente admissível. O consentimento, para o ser, tem de ser livre, consciente e actualizável. Em muitas situações de praxe o que há é um simulacro de consentimento que se exprime à entrada. Basta pensar que geralmente são os míudos e míudas mais solitários e mais tímidos que são humilhados. Enfim, não acho que a questão seja tão simples. E gostava que, por uma vez, houvesse a coragem, por parte das reitorias de acabar com uma coisa que devia envergonhar as direcções das universidades.

HMAG disse...

Para que as instituicoes ligadas ao ensino superior deixem de perseguir A PRAXE enquanto "ritual" e compreendam a importancia DA PRAXE, no contexto das nossas vidas academicas, tentando assim contribuir para a eliminacao dos casos que a envergonham, assim como para a divulgacao e massificacao dos bons momentos e exemplos proporcionados pela PRAXE.

http://www.petitiononline.com/voz99008/petition.html