2007/08/08

Exercícios mentais



South Park: Cartman joins NAMBLA

No seguimento do artigo anterior do José Barros, motivado pela insurgência do Carlos, também eu me senti motivado a dizer de minha justiça. Relembrando o contexto, o assunto em análise foi a participação de um grupo de adolescentes de idades compreendidas entre os 11 e 16 anos, acompanhados pelos seus pais, numa manifestação de orgulho gay. Acrescenta-se a esse facto (de acordo com o que é relatado no artigo original), a participação nesta de deficientes mentais homossexuais.

Dando de barato que acho profundamente idiota afirmações de orientação sexual ou activismo sexual e de liberdade sexual protagonizadas por pré-adolescentes de 11 ou 12 anos que ainda nem sequer têm as hormonas em ordem nem em grande parte a maturidade para perceber o que está em causa, sendo que concordo que tal não passa de pura instrumentalização (nomeadamente feita pelos paizinhos, os grandes idiotas da situação), o problema (e a meditação que terá que ser feita) é quanto a mim mais lato, e passa pela concepção das liberdades dos menores e dos direitos que (argumentativamente) advenham da paternidade, conjugados naturalmente com o devido entendimento da liberdade de expressão. Além disso, o meu julgamento é plenamente transitivo fosse outra a causa em apreço.

A contaminação nos raciocínios que deriva do facto de se tratar da causa fracturante da moda, e de todas as apaixonadas discussões que dela derivam, tolda a capacidade de se olhar para a questão com alguma distância.

O primeiro exercício é pensar o que aconteceria se a causa fosse outra, perfeitamente legítima no uso da liberdade de expressão. Se as criancinhas se reunissem em procissão, de cílicio bem apertado e escoltadas pelos pais da Opus Dei, professando a sua vontade de celibato e de entregar a vida a deus, a reacção seria a mesma? Se fosse uma qualquer seita advogando o suicídio colectivo, espontâneo e livre, e também se fizessem acompanhar das criancinhas cantando palavras de ordem, os julgamentos seriam os mesmos? Ou se fosse uma manifestação da NAMBLA ou da Vereniging MARTIJN, em que as criancinhas apoiassem as suas causas e/ou professassem o seu desejo e consentimento pessoal de "amor adulto" (eventualmente até em relação aos seus pais, que também estaria presentes), veríamos a mesma defesa do sucedido?

Quanto a mim, as situações enumeradas, como causas, não são diferentes: como manifestações públicas e por princípio são meros exercícios de liberdade de expressão, e desde que não envolvam actos proibidos por lei (independentemente do eventual juízo de iniquidade da lei), deverão ser todos igualmente livres e poder ter lugar.

A dúvida é na participação das crianças, naturalmente. Colocados os cenários anteriores, levantam-se as seguintes questões, que são para mim o cerne da questão:

  • Os menores são titulares das mesmas liberdades negativas que os adultos, numa acessão liberal absoluta e negativa destas? Naturalmente, inclui-se nestas a liberdade de expressão, nomeadamente exercida em toda a sua latitude, sem juízos de maturidade, de "apelo ao ódio ou ao crime" ou inclusivé de se materializar contra a vontade dos seus pais.
  • Até que ponto os eventuais direitos dos pais sobre os filhos são efectivos direitos (comparáveis ao de propriedade) enquanto estes forem menores? Inclusivé de contrariar a vontade expressa dos seus filhos, ou de os utilizarem e instrumentalizarem para as suas causas?
  • Até que ponto é que os tribunais devem poder intervir para (eventualmente) regular estas questões? Somente para assegurar a propriedade dos menores (sua integridade física, os seus bens pessoais), ou para que se possam dar garantias, em situações mais afastadas da norma de não estão a ser coagidos e limitados na sua liberdade? Ou relativiza-se a partir daí, criando-se causas, comportamentos e atitudes "bons", "maus", "próprios" ou "impróprios"? Ou "politicamente correctos" ou não.
Fica aberta a discussão.

2 comentários:

JB disse...

Sem prejuízo de responder em post mais tarde, acho que o cerne da questão é mesmo esse. Se estivesse em causa a instrumentalização de crianças pela fé não se poria o problema, porque, felizmente, é parte do património cultural da humanidade que as crianças possam crescer e ser educadas no seio de uma confissão religiosa. Falo por mim, visto que frequentei campos de férias católicos em que era normal e aceitável as crianças serem indoutrinadas na fé cristã. Não vejo mal nenhum nisso, porque nenhum jovem de 12 ou de 14 anos resolve definitivamente a sua pertença a uma religião ou, para o caso, a sua orientação sexual. O ponto do meu post passa também por aí: se hoje queremos proibir os pais de participarem com os filhos numa manifestação gay que razões sobram - que não as de ordem cultural e, como tal, contingentes - para não proibir também a indoutrinação dos filhos num culto religioso desde muito cedo (6 ou 8 anos)? É nisso que o teu ponto, João, me parece errado: tomas por politicamente correcto o que é minoritário (a causa gay) e descuras o facto de a questão nem se por em relação às religiões, pelo que não é necessário, quanto a elas, defender tal possibilidade, ainda que tal defesa seja perfeitamente pertinente.
A minha tese é simples: os pais não podem maltratar ou negligenciar a criança, mas podem inculcar-lhes os valores que consideram correctos, mesmo não sendo estes os valores maioritários. Desde que obviamente não incitem à prática de crimes ou algo do género, caso em que praticam eles próprios crimes.
Outra coisa: tu e o Carlos partem do princípio de que foram os pais a pressionar os míudos a participarem na manifestação: não vejo por que raio tal sucederia e acho que isso mostra um certo "bias". Os meus pais não me conseguiam obrigar a ir à escola, quando eu não queria, quanto mais a uma manifestação. Míudos dessa idade já não fazem o que os pais lhes mandam fazer. Nem acho que activistas gays dêem bons "pater familias" ao estilo salazarento e batam nos filhos com o cinto se eles não forem à manifestação. Enfim, não imagino, mas talvez outras pessoas tenham mais imaginação que eu. Provavelmente, maior parte dos jovens que ali participaram fizeram-no de livre vontade, até porque a ideia partiu de um míudo de 14 anos que fez um blogue ou algo do género para jovens homossexuais. Os pais previsivelmente limitaram-se a aderir. A tese é bastante mais provável, até porque eles 99% deles ou algo do género serão heterossexuais, o que torna improvável que todos eles sejam activistas gay, fanáticos ao ponto de obrigarem os filhos a ir a manifestações. Convenhamos que a tese é surreal. Mas já estou a dar ideias ao Insurgente. É melhor acabar por aqui.:)

Anónimo disse...

Quanto às questões que colocas e para não fugir às mesmas:

1) Não creio que se possa equiparar os direitos dos menores aos direitos dos adultos. Toda a nossa sociedade se baseia na ideia de que devem ser os pais a zelar pelos interesses das crianças, presumindo-se de que em caso de conflito entre uns e outros são os pais que sabem o que é melhor para a criança. No caso, era, pois, imprescindível que os míudos fossem à manifestação acompanhados dos pais. Um pai ou uma mãe serão certamente idiotas se forem com o filho de 11 anos à manifestação; mas não o serão se o filho tiver 14, 15 ou 16 anos. O problema estará no limite mínimo de idade. Se um filho meu de 14 ou mais anos quisesse participar, eu provavelmente diria que sim. Tenho de me colocar na situação, o que é difícil. Mas gostaria de não ser daqueles pais que acham que têm de converter o filho à força. Enfim, esses é que são os idiotas.

2) A comparação com o direito de propriedade não faz sentido. A relação entre pais e filhos é uma relação de certo modo hierarquizada, mas os filhos não são coisas e até a comparação é perfeitamente desumana. Acho que a relação se estabelece nos termos da minha resposta à primeira questão: em caso de conflito, presume-se que são os pais aqueles mais capazes de decidir o que é melhor para o seu filho.

3) Os tribunais devem intervir em casos de maus tratos ou de negligência nos cuidados parentais. Se a criança vê a sua saúde ou a sua vida correrem riscos, porque os pais, ainda que por incompetência, não a alimentam ou vestem decentemente, será certamente caso para intervenção. Não quando o que está em causa é pura e simplesmente uma questão de saber por que valores é que se deve reger a educação da criança. Aí o tribunal é absolutamente incompetente para decidir, estando pelo contrário a decisão no âmbito do poder paternal. Como neste caso.