2007/07/05

O tabaco até dá muito jeito II

Pedro Morgado, do Avenida Central, insurge-se contra o meu artigo anterior e respectivas sequelas noutros blogs, alegando que a comparação que aqui foi estabelecida "não era séria" e era "simplista e disparatada", nomeadamente por se comparar receitas (previstas) do Orçamento de Estado de 2007 com despesas de 2005 e por não se contabilizarem "as verbas dispendidas com a saúde dos fumadores passivos mas também os custos sociais das doenças dos fumadores, os efeitos sobre o absentismo e a diminuição da produtividade decorrente do tabagismo."

Naturalmente, Pedro Morgado não apresenta números em contrário, nem reflecte sobre se o estudo apresentado relativo aos custos do tabagismo já engloba ou não as parcelas que refere. Não questiona sequer a plausibilidade dessa despesa (ou da receita com o imposto sobre o tabaco) ter subido (justificando assim a "falta de seriedade") em dois anos para um valor superior a 3 vezes o que foi estudado para 2005.

Mas para tranquilizar o autor, aqui ficam os dados relativos ao Orçamento de Estado rectificativo de 2005: a receita contabilizada de imposto de consumo sobre o tabaco (pdf) foi de 1.250.000.000, ou seja, somente menos 145.000.000 (10,4%) de euros do que se estima para o corrente exercício.

Além disso, relembra-se que do lado da receita não são contabilizados os encaixes relativos ao IVA sobre o preço final do tabaco (incluindo o imposto sobre o consumo, em mais um caso de dupla tributação), nem os benefícios em termos da Caixa Geral de Aposentações que advêm da morte prematura dos fumadores, que por ocorrer geralmente em idades relativamente avançadas, faz com que existam carreiras contributivas mais ou menos longas que nunca se vão materializar num encargo efectivo para esta. Também não são contabilizadas as economias de escala em termos hospitalares que advêm do facto de existirem infrastruturas (capacidade de internamento, equipamento, fármacos) que, sendo justificadas maioritariamente pela necessidade de tratar doentes de patologias relacionadas pcom o seu hábito, acabam por também beneficiar aqueles com as mesmas patologias que não são fumadores (lembra-se que os fumadores não têm o exclusivo de muitas patologias, como por exemplo o caso do cancro do pulmão).

Não será difícil aceitar, presumo, que os valores destas quantias (nomeadamente as relativas ao IVA e à CGA) que beneficiam largamente o estado não serão peanuts.

Mas mais do que isto, sanada a questão dos números do orçamento, cumpre analisar a questão que é levantada relativamente aos custos dos efeitos sobre os fumadores passivos e os custos derivados relativos ao absentismo e à diminuição de produtividade. Sobre isso, voltamos aos números, relembrando que, limitando a análise às receitas do ICT (o que já se demonstrou ser uma estimativa das receitas e benefícios reais conservadora), estas são em termos de ordem de grandeza mais de 3 vezes superiores aos custos. Ora a menos que o Pedro Morgado acredite que os custos relativos aos fumadores passivos (com taxas de incidência de patologias muito inferiores às dos fumadores) são duas vezes superiores aos relativos aos fumadores, algo está errado.

Já quanto aos custos do absentismo e na produtividade, é algo que não é chamado ao caso. O estado não tem direito a utilizar um imposto indirecto sobre o consumo de um produto como mecanismo de redistribuição social dos eventuais custos que associe (na sua visão) a esse determinado consumo. Esse custo, e as suas repercursões, é uma questão que cumpre à sociedade e aos indivíduos que a compõem resolver fora da alçada do estado. Além de que, mais uma vez, essa crítica é simplista. Afinal, não são as consequências em termos da saúde do tabaco fonte de empregos e elas próprias um factor a ter em conta em termos de todo um mercado que lhe está associado?

E, já agora, o raciocínio também é extensível a todos os outros consumos e actividades que resultem em incrementos no absentismo e a diminuições de produtividade? É que, por aí, também estaríamos a taxar os praticantes de desportos radicais, a comida não "politicamente correcta" ou a transmissão em horário laboral de jogos de futebol de relevo...

11 comentários:

Anónimo disse...

Uma pequena correção:

É claro que os fumadores não têm o exclusivo de muitas patologias. Mas, no caso específico do cancro do pulmão, as estimativas são muito pesadas: crê-se que mais de 90% dos cancros de pulmão são causados pelo tabaco. (Salvo erro, mas é de qualquer forma uma percentagem muito elevada.)

Luís Lavoura

JLP disse...

"Mas, no caso específico do cancro do pulmão, as estimativas são muito pesadas: crê-se que mais de 90% dos cancros de pulmão são causados pelo tabaco."

Eu refiro-me a isso.

A questão é que se verifica que esses 90 e tal porcento pagam as suas despesas. E que os restantes que sofrem dessa patologia beneficiam desta não ser uma patologia "exótica" (como seria se não existissem os fumadores), nomeadamente pelas economias de escala inerentes a esse facto

Pedro Morgado disse...

Caro JLP,

1. O IVA não deve ser contabilizado porque é um imposto sobre o consumo aplicado a (quase) todos os produtos e serviços, não se tratando de uma compensação específica.

2. Com os dados de que disponho é-me impossível dizer se o imposto sobre o tabaco é suficiente para cobrir todos os custos decorrentes do tabagismo. O que digo é que a conclusão que retira dos dados apresentados é uma mera especulação (e mantenho).

3. O impacto e os custos do tabagismo vão muito para além do dinheiro que se gasta em internamentos e medicamentos, do que se perde em termos de produtividade e do que se poupa em reformas. Um estudo sério sobre o impacto do tabagismo na sociedade não poderá deixar de avaliar as consequências dos muitos danos "patrimoniais" e "não patrimonais" por ele causados.

4. Por último, não me parece minimamente justo que os fumadores paguem mais do que os custos decorrentes do tabagismo. Mas sejamos claros: perante a arbitrariedade com que tudo se taxa em Portugal, é sempre melhor que eventuais equívocos aconteçam no tabaco do que na água ou no pão.

JLP disse...

Caro Pedro Morgado,

1- O problema é que o IVA não taxa somente o produto. Taxa também o próprio ICT.

2- Naturalmente que é uma especulação. Mas que cada um tire as suas conclusões. E fica a dúvida também sobre os critérios do estado que presidem à sua especulação quando fixam o imposto.

3- "Um estudo sério sobre o impacto do tabagismo na sociedade não poderá deixar de avaliar as consequências dos muitos danos "patrimoniais" e "não patrimonais" por ele causados."

Esses danos devem ser aferidos e quantificados por quem os sofre directamente, e devem ser estes a dirimi-los com os meios ao seu alcance, sejam eles legais ou recorrendo à discriminação privada. Não cabe ao estado quantificá-los, justificá-los ou definir de forma genérica os meios para o seu ressarcimento ou minimização.

4- "Mas sejamos claros: perante a arbitrariedade com que tudo se taxa em Portugal, é sempre melhor que eventuais equívocos aconteçam no tabaco do que na água ou no pão."

Olhe que o pão engorda... ;)

JoaoMiranda disse...

O que acho interessante na posição do Pedro Morgado é que ele defende que os fumadores devem pagar ao Estado as consequência da sua perdade de produtividade. Ora, a perda de produtividade é paga pelo próprio fimador porque é ele que recebe salários mais baixos.

Pedro Morgado disse...

Caro JLP,
1- Não estava suficientemente informado e, de facto, o IVA apenas deveria incidir sobre o preço do produto.

3- O Estado deve quantificar apenas os custos que significam encargos para o erário público, obviamente.

Caro João Miranda,
A perda de produtividade é um custo para o país. Parace-me justo que o Estado seja compensado por essa perda. É que, nas condições ideias, o dinheiro de que o Estado dispõe é usado para investir o benefício comum (embora a realidade demonstre que é mal usado).

P.S. - O pior do pão português nem é engordar... É o excesso de sal. Mas calma. Eu não defendo, como alguns, uma lei que restrinja o uso do sal pelos padeiros :)

JoaoMiranda disse...

««A perda de produtividade é um custo para o país.»»

Quer dizer então que senão me apetecer trabalhar isso é um custo para o país? Terei obrigação de trabalhar por causa disso? Deve o Estado criar um programa de combate à preguiça?


««Parace-me justo que o Estado seja compensado por essa perda.»»

Mas o Estado tem direito a que eu trabalhe? Com que legitimidade?

«« Mas calma. Eu não defendo, como alguns, uma lei que restrinja o uso do sal pelos padeiros :)»»

Porque não? O argumento é o mesmo.

JLP disse...

Caro Pedro Morgado,

Para além de corroborar as críticas do João Miranda, acrescento:

"A perda de produtividade é um custo para o país. Parace-me justo que o Estado seja compensado por essa perda."

A questão é que "o estado" não é "o país". O país é o conjunto dos seus indivíduos, eventualmente acrescentado da personalidade jurídica do estado quando se trata de questões que dizem directamente respeito a este no estrito exercício das suas funções.

O estado não está mandatado para defender ninguém em seu nome, ainda mais podendo ajuizar de sua vontade o que é que na sua opinião defende melhor ou pior os interesses dos indivíduos, e quais os interesses que são "relevantes".

Quem tiver problemas, deve-se queixar e agir ele próprio, não deixar ao arbítrio do estado o agir em defesa do seu suposto interesse.

Pedro Morgado disse...

Quando me refiro a compensar a diminuição da produtividade, quero dizer que o tabagismo tem custos directos e indirectos para o país e para o Estado (que obviamente não são a mesma coisa). Custos esses que deverão ser quantificados e compensados através do Imposto sobre o Tabaco. O que quero salientar é que os custos do tabagismo não se esgotam nas consultas médicas e nas baixas.

«« Mas calma. Eu não defendo, como alguns, uma lei que restrinja o uso do sal pelos padeiros :)»»
Porque não? O argumento é o mesmo.


Não é. O que defendo é uma compensação pelo efeitos nefastos do tabagismo e não a proibição do consumo de tabaco ou a restrição dos seus componentes mais perigosos.

JoaoMiranda disse...

««Quando me refiro a compensar a diminuição da produtividade, quero dizer que o tabagismo tem custos directos e indirectos para o país e para o Estado (que obviamente não são a mesma coisa).»»

O facto de a diminuição de produtividade provocar custos para o Estado não implica que o Estado tenha que ser compensado. A compensação exige duas condições:

1. que exista uma perda;

2. que a perda viole um direito do Estado.

A produtividade individual não é um direito do Estado. Os individuos têm direito a não produzir. Logo, mesmo que a produtividade diminua o Estado não tem direito a ser compensado.

Por exemplo, se eu deixar de fazer compras no Continente a Sonae sofre uma perda. Mas não é por isso que a Sonae tem direito a ser compensada. A Sonae só teria que ser compensada se tivesse direito a que eu fosse cliente deles. Não tem.

Pedro Morgado disse...

Caro João Miranda,

Temos visões diferentes sobre o que é o Estado. Para o João Miranda o Estado e a SONAE são comparáveis. Para mim não.

Percebo toda a lógica subjacente ao seu raciocínio, mas entendo que a sociedade tem o direito de, através do Estado, taxar diferencialmente alguns produtos na razão dos "prejuízos" ou "não proveitos" que advém do seu consumo.

Visões antagónicas nesta matéria, portanto.