2007/07/02

Fazer o TPC

Como a recente historiografia tem repetido, [a ideologia do neoliberalismo] é uma parente directa da guerra-fria. Começou bizarramente como protocolos para optimizar o bombardeamento da União Soviética, conjurados nos think-tanks da Forca Aérea Americana. Esta formalização do comportamento humano foi veiculada para a academia pelos economistas matemáticos. E da academia colonizou outras ciências, pelos institutos e fundações conservadores até a cultura e a sociedade.
Parece-me que por aqui se anda a confundir "neoliberalismo" com Teoria dos Jogos...

8 comentários:

JoaoMiranda disse...

Como se os soviéticos não estivessem também a usar teoria dos jogos:

Game theory and politics: Recent Soviet views

http://www.springerlink.com/content/t2u3848857782gq4/


http://stinet.dtic.mil/oai/oai?&verb=getRecord&metadataPrefix=html&identifier=AD0728311

A. Cabral disse...

O documentario da BBC apresenta a teoria dos jogos (e a Public Choice!) como exemplar, mas a historiografia que aponto acrescenta os Operations Research Methods de Samuelson e amigos, e as Structural Equation da Cowles Commission da econometria moderna (cf. Mirowski MACHINE DREAMS; Amadae RATIONALIZING CAPITALIST DEMOCRACY; e Klein (forthcoming) PROTOCOLS OF WAR, entre outros, a vasta literatura sobre "economics imperialism" ou como concepcoes economicas atravessaram campos disciplinares).

Ja para o Joao Miranda da proxima vez sugeria que tivesses mais cuidado. Isto de fazer google de "Soviet" e "Game Theory" as tantas oferece artigos sobre a recepcao controversa da teoria de jogos na uniao sovietica, que nao o ajuda no argumento.

JLP disse...

Caro A. Cabral,

Sinceramente, acho que as confusões persistem com o seu comentário.

Se meter no mesmo saco Public Choice e "neoliberalismo" já pode ser compreensível em alguém do "lado de lá da barricada", já o meter no mesmo saco Teoria dos Jogos, Investigação Operacional e, no fundo, toda a perspectiva neoclássica da economia, rotulando-os com esse epíteto de "neoliberalismo", parece-me francamente errado.

Errado por parecer ignorar que os mesmos mecanismos neoclássicos e de IO sustentam outras teorias políticas, como a social-democracia e até o socialismo dito "moderno" ou "terceira via", e teorias económicas mais ou menos intervencionistas e distantes do "neoliberalismo."

Afinal, tudo se esclarece quando cita o Samuelson et al. Ora este dificilmente poderá ser chamado (e é reconhecido como) liberal, quanto mais "neoliberal".

A. Cabral disse...

Ha uma resistencia em perceber um argumento muito simples.

Passo 1. As grandes familias da teoria economica pos-1945 tem raizes na investigacao que os economistas fizeram durante a II guerra e depois da guerra em organismos militares (os economistas de Chicago estavam todos no Treasury, o pessoal do MIT estava a fazer linear programming para a Marinha, e a Cowles commission estava a fazer game theory e GE para a RAND da Forca Aerea).

Ja nao e' surpresa para ninguem que, competindo com a National Science Foundation, os militares foram os grandes patrocinadores da ciencia social nos EUA - welcome to the cold war.

2. As origens historicas do neoliberalismo nao estao no Popper, no David Hume ou no Adao Smith, mas na concepcao economica e automata da sociedade.

Seguir a expansao da teoria dos jogos para as areas da antropologia, psiquatria, ciencia politica e biologia evolucionista revela como valores, projectos politicos, e teoria economica se fundiram e viajaram indistintos.

Mas seguir a teoria dos jogos e' somente um exemplar. A ideia de que eu estou a igualar teoria do jogos com neoliberalismo so' pode partir de uma leitura do meu post que se limitou a olhar para o "boneco". Se ler o post com atencao, ou melhor, se vir o filme que eu comentava nao vejo como pudesse manter semelhante ideia.

Agora, desculpe-me Stor, mas nao me vai ensinar o que e' a teoria dos jogos, nem tao pouco passar TPC.

JLP disse...

Caro A. Cabral,

Longe de mim ter a veleidade de lhe ensinar o que é a teoria dos jogos. Nunca foi essa a minha intenção.

Já no que toca à sua defesa da quase que sobreposição do seu uso e dos seus fundamentos, e genericamente da aplicação de formulações matemáticas ou de conceitos utilitaristas com o "neoliberalismo", aí já tenho as minhas dúvidas em relação a que não persista num equívoco.

Nomeadamente em relação a uma confusão afinal entre teorias económicas neoclássicas, que procuram utilizar métodos matemáticos e construções econométricas para inferir e sustentar as suas teses (o que nem sequer começou, contrariamente ao que refere, no pós II Guerra) e neoliberalismo.

Veja-se aliás o caso da Escola Austríaca, amplamente conotada com o "neoliberalismo", e que rejeita firmemente esse formalismo (e já agora aproveita para contradizer a sua afirmação em relação às "fontes do neoliberalismo").

A. Cabral disse...

Comentava dois pontos do que escreve:

SEGUNDA GUERRA. Claro que nem tudo mudou na segunda guerra, alguns dos gigantes da teoria economica post-II Guerra concluiram doutoramentos antes da guerra, e desde ai marcaram posicoes.

O que a segunda guerra consegue e' criar colectivos doutrinais - conferir os jornals QJE, JPE, ou AER para ver as mundancas; estabiliza certas praticas e impoe novos instrumentos com logicas novas (os varios programmings e game theory). Por exemplo, a ideia que a econometria e' um area aplicada para teste de hipoteses teoricas so se estabelece no pos-segunda guerra, depois do chamado Measurement without Theory debate entre a Cowles commission e o NBER.

AUSTRIACOS. A escola austriaca, ou libertaria, tem solidariedades profundas com algumas destas analises formais. A Mount Pelerin Society, o Volker Fund, a Hoover Institution, o Adam Smith Institute, o Liberty Fund, entre outros, sao instituicoes onde os austriacos trocam argumentos com estes formalistas.

Ainda este verao ouvi o Jim Buchanan a falar e ele recordava os seus encontros com austriacos. Ele dizia que muitas vezes nao entendia a conversa austriaca, mas o facto e' que partilhavam os mesmos seminarios, discutiam os mesmos assuntos, leiem os mesmos livros, e influenciavam-se mutuamente.

O exemplo talvez mais importante e' que a nocao Hayekiana de que os precos sao comunicadores de informacao, tem a sua expressao mais clara na price theory da Univ. de Chicago, e em mais lado nenhum.

JLP disse...

Sobre o primeiro ponto:

Poder-se-à dizer que grande parte dessa realidade surgiu tão somente por uma maior facilidade de acesso à computação automática e a novas descobertas em termos de algoritmos e de ferramentas de matemática aplicada. Não necessariamente a uma mudança de paradigma ou de maneira de pensar.

Pensar que o keynesianismo é muito diferente antes e depois da IIª guerra é não constatar que os seus princípios se mantiveram essencialmente os mesmos. O resto são ferramentas, não mecanismos doutrinais. A perspectiva neoclássica ou "científica" da Economia não nasceu nessa altura. Somente se escolheu aplicar-lhe as ferramentas que se iam descobrindo e aperfeiçoando, e porventura individualizar e apurar mais ao pormenor os princípios que se formulavam de forma mais genérica e conceptual num momento anterior.

Segundo ponto:

"A Mount Pelerin Society, o Volker Fund, a Hoover Institution, o Adam Smith Institute, o Liberty Fund, entre outros, sao instituicoes onde os austriacos trocam argumentos com estes formalistas."

Know your enemy? ;-)

Uma coisa é respeito e consideração intelectual, e uma certa afinidade e sensação de pertença a um ideal maior Liberal. Ou aceitar que se pode discutir o liberalismo sobre várias perspectivas, umas mais formais ou positivadas, outras mais racionalistas.

É nesse sentido, de partilha de descoberta, que eu compreendo essa relação, e não numa perspectiva de troca de grandes "soluções" e metodologias acabadas.

A. Cabral disse...

A computacao veio depois, 10 a 15 anos depois. Alias a computacao e um produto que segue a par com estes desenvolvimentos, reforca-os mas nao os determina. Os "instrumentos" importam na historia das ideias como na carpintaria. Cortar com um canivete suico ou com uma serra electrica faz cortes muito diferentes, e exige do carpinteiro movimentos bem distintos. Mas a forma como pensamos, como organizamos os conceitos e interagimos com eles nao e' so uma ferramenta, e' o proprio pensar.

Caracterizar "partilha de descoberta" faz soar qualquer coisa mistica, enfim, se assim o e' para si. A realidade destes encontros cujos programas sao publicos e cujas discussoes estao guardadas em arquivo demonstram que o debate era sobre estrategia: quais os veiculos para levar uma mensagem politica ao publico e aos politicos. Nestas instituticoes ensaiam-se argumentarios nao se bebe cha.