2007/05/28

Obrigação à bufice em forma legal

Do Estatuto da Ordem dos Advogados:

Artigo 82.º
Exercício ilegítimo da advocacia

1 - Os magistrados, conservadores, notários e os responsáveis pelas repartições públicas têm obrigação de comunicar à Ordem dos Advogados qualquer facto que indicie o exercício ilegal ou irregular da advocacia, designadamente, do patrocínio judiciário.

2 - Para a finalidade prevista no número anterior, os funcionários dos serviços indicados no número anterior dão conhecimento aos respectivos magistrados, conservadores, notários e responsáveis dos serviços dos factos correspondentes de que tenham conhecimento.
No caso supracitado do artigo do Estatuto da OA (que, lembre-se, é uma lei aprovada na Assembleia da República) podemos constatar aquele que vai sendo mais do que o apelo, uma coerção ao colaboracionismo e à bufice que se vai imiscuindo na nossa sociedade e no nosso ordenamento legal.

O caso em particular tem algumas particulariedades curiosas. Uma é que a obrigação de delação que se estabelece sustenta em grande parte um problema que deriva de uma questão meramente comercial e da defesa do interesse corporativo da Ordem dos Advogados, com o patrocínio do estado. A Ordem dos Advogados, que tem vindo a conquistar competências exclusívas ou partilhadas com outras muito poucas classes profissionais nos tempos recentes, arranjou deste modo maneira de ameaçar todos aqueles profissionais que, tendo conhecimentos e competências na área da Justiça (lembremo-nos por exemplo dos juristas, dos economistas fiscalistas ou da área das "mergers&acquisitions", dos engenheiros peritos em matérias administrativas ou de propriedade intelectual), se vêm empurrados por via da coerção e de um entendimento de "patrocínio judiciário" muito estreito a um estatuto de quase marginalidade profissional, carente do abençoado carimbo da Ordem.

Além disso, assistimos a outro facto curioso, que é o de um estatuto que rege uma determinada ordem profissional corporativa e uma actividade profissional, arrogar-se a impôr obrigações profissionais a outras profissões, incluíndo neste caso (de forma particularmente grave, quanto a mim) a titulares de órgão de soberania. Ou seja, escudando-se numa obrigatoriedade de conhecimento da lei e no patrocínio do estado na forma de um estatuto corporativo com forma de lei, permite-se ameaçar e intimidar o exercício de outras actividas profissionais com dignidade própria, no caso de algumas delas até gozando de estatuto e ordenamento semelhantes ou mesmo superior.

4 comentários:

Anónimo disse...

Suponhamos que alguém se dirigia à polícia e denunciava uma determinada pessoa por maus-tratos a menores, por roubo, por violação... o JLP classificaria tais denúncias como "colaboracionismo" e "bufice"?

Para que tipo de denúncias, explicitamente, reserva o JLP tais epítetos?

Luís Lavoura

JLP disse...

Acho que o Ricardo já respondeu em grande parte dois artigos acima.

Anónimo disse...

Eu penso que, em vez de se preocupar com esta questão específica que está no estatuto da Ordem dos Advogados, o JLP deveria antes contestar a existência da OA como tal.

Por que raio é que há-de existir uma Ordem dos Advogados cujos estatutos são lei do Estado (aprovada pela AR)? E não será a obrigação de pertencer a essa Ordem uma violação grosseira do direito ao trabalho e ao exercício da profissão?

Isso é que são, em minha opinião, questões bem pertinentes, para um liberal. De facto, se um liberal é anti-corporativo... a Ordem dos Advogados é, por excelência, uma corporação. Herdada do regime fascista.

Luís Lavoura

JLP disse...

"Eu penso que, em vez de se preocupar com esta questão específica que está no estatuto da Ordem dos Advogados, o JLP deveria antes contestar a existência da OA como tal."

Uma coisa de cada vez!

O facto de essa questão também existir não inviabiliza que também se possa criticar as instâncias concretas da tentação do estado de promover (ou obrigar) à atitude de bufo.