2007/04/16

Escravidão

Numa economia não monetarizada, os bens e serviços trocam-se por outros bens e serviços. O senhor X ajuda na plantação de batatas do senhor Z e recebe x% do resultado da plantação que irá usar para consumo ou para trocar por outros bens e serviços. Neste mundo, se houvesse alguém ou alguma entidade que, pela força, obrigasse um conjunto de pessoas a trabalhar uma grande parte do seu tempo para produzir um bem ou prestar um serviço por ela indicada, contra a sua vontade, ninguém teria dúvidas sobre a designação a dar a tal sistema: escravidão.

14 comentários:

Anónimo disse...

A diferença entre o roubo e a escravidão reside no momento em que é confiscada a liberdade do outro. O dinheiro do rendimento é um pedaço de tempo da pessoa que o demorou a produzir.

Um esclavagista aprisiona a pessoa no momento mesmo do seu trabalho, para seu proveito próprio.

Um ladrão tem instintos de ave de rapina: aguarda que o homem livre arrecade o fruto do seu trabalho, do qual necessita para viver, e vem de seguida tirar-lho pela força de uma arma apontada. Desarmado e sem defesa, este entrega o seu ouro para poder continuar a viver.

Carlos Guimarães Pinto disse...

Sim, Filipe. A escravidão é um crime de gravidade inferior à do roubo. Aquele que escraviza assume para si o risco da actividade do trabalho escravo (a colheita pode não dar frutos). O ladrão retira o rendimento depois de conseguido, já sem risco. Bom argumento para um outro post.

Anónimo disse...

"Um ladrão tem instintos de ave de rapina: aguarda que o homem livre arrecade o fruto do seu trabalho, do qual necessita para viver, e vem de seguida tirar-lho pela força de uma arma apontada. Desarmado e sem defesa, este entrega o seu ouro para poder continuar a viver."

A grande diferença é que o estado dá algo em troca. É mais do género, dá cá metade do rendimento e toma lá justiça, segurança...

"A escravidão é um crime de gravidade inferior à do roubo."

Man, brilhante argumento! Próxima vez que me assaltarem, vou antes propor ser escravizado, que assim o dano é menor!

Carlos Guimarães Pinto disse...

"Man, brilhante argumento! Próxima vez que me assaltarem, vou antes propor ser escravizado, que assim o dano é menor!"

Não se pode contestar uma conclusão sem ser capaz de rejeitar o argumento. O argumento é válido ou não?

Snowball disse...

Não é válido, o argumento. Na escravidão perdes a tua liberdade individual de forma permanente. Ah, e se não produzires nada, o esclavagista não te dá de comer. Também o assaltante pode chegar à tua beira e estás sem dinheiro.
O risco continua do lado do indivíduo, não do lado do esclavagista / ladrão.

Carlos Guimarães Pinto disse...

Estamos a falar de coisas diferentes. Entre uma pessoa que escraviza outra durante 1 dia inteiro e uma que rouba o produto de 1 dia de trabalho não há grande diferença (em termos económicos, faltou esta ressalva). A única diferença é que o esclavagista toma o risco da produção desse dia de trabalho, enquanto que o ladrão é oportunista, só rouba quando houve fruto do trabalho.

"Na escravidão perdes a tua liberdade individual de forma permanente."

O esclavagista permanente tem que ser comparada ao ladrão que rouba tudo o que o homem produz. Neste caso a única diferença é que o homem pode optar por deixar de trabalhar, deixando de produzir para ser roubado. Neste caso sim, o crime de roubo poder-se-à dizer menos grave que o da escravidão (em que não há opção de deixar de produzir).

"Também o assaltante pode chegar à tua beira e estás sem dinheiro."

Se o assaltante chega à minha beira e eu estou sem dinheiro, deixa de ser assaltante, não comete roubo, não é ladrão.

Snowball disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Snowball disse...

Já agora, comentários ao post (e não aos comentários)

1- O Estado não te obriga a trabalhar.

2- Tu não votas no esclavagista, mas votas no Governo. Podes influenciá-lo de forma a pagar menos (ou nenhuns impostos)

3- Mas sendo o Governo eleito por maioria, i.e., pela sociedade, o teu verdadeiro problema é com esta. Ora, esta decidiu pagar impostos.

4- Para não pagar impostos terias que sair da sociedade, o que não é possível de forma individual. Mas seria possível juntar um conjunto de cidadãos separatistas que criassem um Estado livre de impostos nas Berlengas. Nunca ninguém tentou, vá-se lá saber porquê.

5- O reconhecimento da dimensão social do individuo implica que este, para viver em sociedade, tem de abdicar de parte da sua soberania individual para atribuí-la à sociedade. Esta pode, por decisão de maioria, devolvê-la ao individuo.

6- Ora, esta maioria entende que existe um conjunto de projectos comuns, ou de custos de funcionamento da sociedade (ex. justiça, segurança,...) e bem como um conjunto de direitos de cada indivíduo decorrentes da noção de dignidade humana (ex. saúde, sobrevivência,...), que beneficiam a sociedade como um todo, e que deverão ser pagos por todos.

7 - Podemos achar que demasiados direitos são protegidos. Podemos ser contra impostos por considerá-los inconveniente dum ponto de vista do interesse pessoal, ou menos eficientes em termos globais. Podemos achar que os impostos sobrecarregam injustificadamente alguns. Podemos até defender que os impostos ultrapassam o razoável, interferindo exageradamente na soberania pessoal do indivíduo. Mas em caso algum são eles ilegítimos.

Nota: Considero os impostos em Portugal exagerados, mal distribuídos e ineficientes. Discordo de muitas das suas utilizações, e da forma como defendem alguns direitos. Discordo até de alguns direitos.
Mas discordar do conceito de impostos, não.

Carlos Guimarães Pinto disse...

1- Pois não. Pelo contrário, desincentiva. A necessidade de sobrevivência obriga-me a trabalhar.

2- A verdadeira liberdade não se obtém por participar numa eleição democrática. Obtém-se da possibilidade de escolher participar ou não no contrato social saído dessa eleição. É muito mais legítimo um estado ditatorial no qual o cidadão tem a opção real de não fazer parte do que uma democracia em que essa opção não existe ou está muito dificultada

3- Se tiver problemas com a sociedade, não tenho opção. Não existe liberdade. Não havendo opção, não existe legitimidade em impôr o que quer que seja.

4- Se eu adquirir com o meu trabalho toda a ilha das berlengas não posso estabelecer lá uma sociedade sem impostos. Vai-se lá saber porquê...

7- Obrigar o indivíduo a cumprir um contrato que nunca quis assinar é sempre ilegítimo.

Snowball disse...

1 - É verdade. Por isso deve haver especial cuidado na criação de um imposto.
2- Em nenhum dos dois casos podes não fazer parte da sociedade. Quer dizer, podes, mas isso significa tornares-te eremita. Mas isto não é uma característica de um regime. É uma característica humana. Nós vivemos em sociedade. É por isso, que como eu disse, "o individuo para viver em sociedade, tem de abdicar de parte da sua soberania individual para atribuí-la à sociedade." Caso contrário, és excluido da sociedade (ou incluido na cadeia).

4- Podes e já foi feito.
http://www.news.com.au/story/0,23599,21026372-1702,00.html
Estou a brincar. Em termos práticos, não podes. E isso porque o mesmo contrato social criou um conceito de propriedade. Para teres acesso à propriedade, tens de aceitar o contrato social.

7- Como não escolhes sair da sociedade, tens de cumprir. És humano! Mas isso não é culpa do contrato social. É de Deus.

Snowball disse...

"Mas quando uma entidade força pessoas a trabalhar metade do seu tempo para produzir um bem ou serviço que não queriam produzir, já não lhe chamam escravatura: chamam-lhe
capitalismo / o mercado / salário justo."

Esta seria a afirmação de um comunista acerca das empresas e da propriedade privada.
Depois viria a crítica à moeda (o trabalho cadáver), etc, etc.

Mudando algumas palavras o teu post seria um verdadeiro hino ao comunismo.

Tu és escravizado pelo Estado, eles, pelos capitalistas.

Tu porque produzes riqueza, eles porque não tem acesso a ela.

Ambos não reconhecem o papel dos outros elementos da sociedade, acham que a sua produção de riqueza se deve só ao seu trabalho.

Para ambos, só existem direitos dos trabalhadores. Os outros (deficientes, doentes, azarados) podem ser alvo de simpatia, mas não de direitos.

Os comunistas também não podem sair da sua sociedade. Afinal, precisam do capital que tanto desprezam...

Afinal, defendem todos o mesmo, direitos sem deveres.

Carlos Guimarães Pinto disse...

Num sistema capitalista tens escolha de não trabalhar para esta ou aquela pessoa. Num sistema capitalista podes trabalhar por conta própria. Ao contrato social imposto, não tens alternativa.

Snowball disse...

"Num sistema capitalista tens escolha de não trabalhar para esta ou aquela pessoa. Num sistema capitalista podes trabalhar por conta própria. Ao contrato social imposto, não tens alternativa."

Curioso, tens tudo isso no "contrato social" actual. Já agora, o contrato social em Portugal chama-se "Constituição da República Portuguesa".

Anónimo disse...

Estranho o argumento do ermita. Vejo-o aparecer de maneira recorrente como contra-argumento sempre que alguém critica a organização do estado.

Não se trata de viver isoladamente na sociedade. O que eu defendo, é pelo contrário ter a liberdade de me relacionar livremente com os outros, sem que o estado interfira nessas relações. Quero relacionar-me com quem me dê valor, em troca de valor igual. O que o estado me impõe é entrar na feira das misérias, onde sou obrigado a "transaccionar" com pessoas que só me têm para oferecer o fardo da sua miséria, em troca de nada. É isto que se chama pacto?

O meu trabalho para seu proveito. A minha responsabilidade para seu usufruto. O meu tempo e a minha vida para seu uso. O meu sucesso como pecado capital, a ser redimido colmatando o fracasso alheio.

Tirem-me desta feira. Eu quero trocar proveitos. Não misérias.