Um assunto dado a radicalismos
A lêr com atenção este post de despedida da blogosfera, e não só, do Paulo Cunha Porto. (via Dolo Eventual)
A despenalização do aborto é um assunto dado a radicalismos. De um lado os que acreditam que o feto já é vida humana, para quem a despenalização é uma espécie de carta branca para homicídios selectivos e cobardes. Do outro lado quem não considera o feto como vida humana, para quem a penalização do aborto é uma intromissão inadmissível na privacidade da mulher. Durante a campanha ninguém procurou entender o adversário, talvez seja o momento de o fazer.
10 comentários:
Independentemente de devermos ser tolerantes para com as opiniões do outros, devemos compreender que as leis se destinam a regular o modo de vida da comunidade, e não a erigir ou instituir os valores e opiniões particulares de alguns.
Para os que acreditam que o feto já é vida humana, um aborto é um homicídio seletivo e cobarde. Compreendo isso. Só não compreendo é que essas pessoas queiram erigir isso em lei, quando é óbvio que muitas outras pessoas não pensam como elas, e quando é óbvio que todos podemos viver em boa paz, lado a lado, estando o aborto despenalizado.
Lá por algumas pessoas, eventualmente até muitas, considerarem que uma certa prática é um crime hediondo, não decorre daí que essa prática deva ser proibida por lei.
Luís Lavoura
Luís Lavoura, deverá o direito à vida dos negros ser imposto pela lei num país em que a maioria da população considere que tal não deva existir porque eles não são realmente humanos?
CGP,
no limite, não. Isto é, se uma esmagadora maioria da população de um país pensa que os negros não têm direito à vida, então, nesse país os negros não terão mesmo o direito à vida. E esse será um resultado legítimo.
É claro que eu não concordo com este resultado. Mas é o único resultado legítimo. Qualquer outro resultado, seria admitir que alguns dos cidadãos (aqueles que defendem que os negros têm direito à vida) estão iluminados pela Verdade, e que têm o direito de impôr essa Verdade a todos os restantes cidadãos, à sua revelia.
E esse resultado seria anti-democrático e anti-liberal.
Luís Lavoura
Estou então esclarecido sobre o seu conceito de liberalismo. Não é o meu.
Já agora, o que é para si "maioria esmagadora"? 25%+1 dos eleitores recenseados?
Carlos, pois eu convido-o a especificar qual é o seu conceito alternativo de liberalismo. Talvez me converta.
No caso específico do direito à vida, é claro que todos estamos de acordo em que ele existe. O problema é definirmos quem é que são os seus beneficiários (deficientes mentais? Embriões com duas semanas? Doentes em morte cerebral? Doentes com Alzheimer?). Aquilo que eu digo, é que essa decisão tem que ser tomada de forma democrática.
Qualquer forma alternativa de tomar as decisões, configura potencialmente uma ditadura, o que é - evidentemente - anti-liberal. Se uma minoria de indivíduos se arroga o direito de definir quem é que tem o direito à vida, e o faz contradizendo a opinião e as liberdades da maioria, evidentemente que só o poderá fazer impondo a sua vontade, de forma anti-liberal.
Luís, para este caso concreto, o liberalismo que eu defendo não sujeita a voto democrático o direito à vida. O respeito dos direitos negativos, principalmente o fundamental da vida, não deve ser sujeito à pressão da maioria.
O caso do aborto é diferente, porque o feto exige um conjunto de comportamentos positivos à mãe. Não se pode dizer que o direito à vida do feto seja um direito negativo.
A sua justificação para o caso do aborto, Carlos, parece-me um bocado rebuscada. Um feto cresce no interior da mãe sem exigir dela, basicamente, nenhuns comportamentos positivos. Desde que a mãe se alimente, o feto alimenta-se dela. O feto só morrerá, em geral, se a mãe tiver comportamentos altamente violentos. Em geral, não ocorrem abortos espontâneos por ausência de quaisquer comportamentos particulares da mãe.
Diferente é o caso de um bebé recém-nascido, o qual, esse sim, exige uma série de cuidados positivos para se manter vivo. Exige que a mãe lhe dê de mamar, etc. Um bebé não sobrevive se não houver da parte da mãe um conjunto de comportamentos positivos - alimentá-lo, protegê-lo do frio, etc.
Qualquer pessoa que tenha filhos sabe que eles dão muito mais trabalho uma vez fora da barriga da mãe, do que enquanto estão dentro dela!
O mesmo se diga de muitos outros seres. Um doente com Alzheimer (ou muitos outros doentes, em geral) só sobrevive se os que o rodeiam tiverem uma série de comportamentos positivos. Se eu quiser matar um doente com Alzheimer, não preciso de o balear - basta abster-me de lhe dar de comer e beber durante uns dias...
Outro sítio onde o direito à vida se encontra com limitações, é a guerra. Na guerra (a qual pode ser uma guerra civil...) aceita-se matar. Mas matar quem? Quem é que é legítimo matar, e em que condições? Mais uma vez, trata-se de uma questão que, em última instância, só pode ser decidida pela maioria da sociedade.
Luís Lavoura
A gravidez causa na mãe um conjunto de alterações que de outra forma não ocorreriam. Obriga-a a passar pelo parto mais tarde ou mais cedo. Pergunte a mulheres que já tenham tido filhos se lhes é indiferente estar grávida. Se a mulher escolher dar à luz aí sim, passa a ter uma obrigação de cuidar da pessoa. Uma obrigação não só moral, como legal, porque foi por sua opção que deu à luz. A grande diferença na questão do aborto entre liberais é que alguns julgam que esta obrigação nasce no momento da concepção. Acho qu eninguém deve ser obrigado legalmente a cuidar de um doente de alzheimer. É uma obrigação moral. Tal como ninguém deve ter o direito a assassinar um doente terminal se ele nunca tiver demonstrado vontade para tal.
A vida não pode ir a votos, Luís. Não pode. E não é liberal quem puser esta liberdade básica sobre o jugo da democracia.
Paulo Cunha Porto is back......!
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