Diz que é uma espécie de derrota do calculismo político
Na minha avaliação, um dos principais derrotados (e senão o principal derrotado) da noite do referendo foi sem dúvida Marcelo Segolène Rebelo de Sousa, e com ele, toda uma escola de calculismo e de modo de fazer política em Portugal. Marcelo sempre proclamou a conquista do "centro" e do meio termo como forma de vencer disputas eleitorais em Portugal. Ele próprio, em cada intervenção e sessão dominical, aponta cuidadosamente, cuidando de não se desviar muito do rumo central e descambar para um dos lados. É aliás, nessa maneira maquiavélica de construir um discurso político, o principal paradigma da nossa praça. Cada intervenção é um exercício de malabarismo, de pequenas afrontas e de pequenas seduções na medida q.b. que levem a água ao seu moinho.
A sua participação na campanha do referendo foi portanto completamente paradigmática mas, quanto a mim, marcou uma queda que terá colocado em grande risco as eventuais (muitas) futuras ambições políticas do Professor.
Como proponente histórico do referendo, Marcelo optou por entrar na campanha com a força toda. Experiente no discurso mediático, tentou aproveitar o seu élan, reconstruindo à sua maneira as velhas "Conversas em Família". A receita estava toda lá: o discurso mediático, mistura de autoridade e de proximidade, as novas tecnologias e meios de difusão, qual esquerda progressista, e a opção pela defesa da tese do "meio", a peregrina defesa do "crime sem castigo" e do julgamento Kafkiano como meio de conciliar a banda dos indecisos que não queriam ver presas as mulheres que praticassem o aborto, assim como as franjas menos radicais de ambos os movimentos do Não e do Sim.
O problema é que a estratégia confirmou-se como uma catástrofe. O sketch demolidor do Gato Fedorento veio por a nu a completa inconsistência e oportunismo do discurso que, mesmo não sendo um seu exclusivo, passou a estar associado à sua cara. De uma penada, o rótulo de hipócrita e de oportunista passou a ser relativamente unânime nos discursos quer do lado do Não, quer do lado do Sim, os primeiros por se sentirem enganados por uma colagem de semelhante discurso ao lado do Não, os segundos por sentirem que estavam a ser alvos de uma espécie de OPA do statu quo. Ou seja, foi granjeado o unanimismo, mas do antagonismo.
Sinceramente, não sei plenamente quais serão as repercursões do que aconteceu no futuro. Afinal, o povo e os eleitores portuguese já demonstraram várias vezes que têm memória curta. Mas não sei se o Prof. Marcelo, depois desta, irá muito longe.
Há home movies que, se calhar, às vezes era melhor deixar na gaveta. Conjuntamente com algumas opiniões.
3 comentários:
Não me parece verosímil que Marcelo tivesse expectativas que não fossem de uma vitória clara do SIM. Assim, a sua posição foi calculista justamente para tentar agradar ao maior número de gregos e troianos sem antagonizar desnecessariamente cada um dos lados (excepto os mais firmes, que de qualquer modo não fazem parte do centrão). As reacções que referes são circunstanciais e não aguentarão a passagem do tempo. A memória é mesmo muito curta.
Já quanto ao futuro... O Prof corre o risco que correm todos os que falam demais. Ele tem tantas opiniões sobre tantos assuntos (alguns que claramente não domina) que inevitavelmente há de meter o pé na poça.
Kafkiano define todo este processo...
"Assim, a sua posição foi calculista justamente para tentar agradar ao maior número de gregos e troianos sem antagonizar desnecessariamente cada um dos lados (excepto os mais firmes, que de qualquer modo não fazem parte do centrão)."
Concordo. Mas acho que em grande parte esse tiro lhe saiu pela culatra, e que nisso teve grande quota parte da responsabilidade o sketch do Gato Fedorento.
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