Estabelecimento de saúde legalmente autorizado
«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»
As mulheres que optarem por abortar fora dos hospitais continuarão a ser presas?
13 comentários:
Depende de como a lei vier a ser redigida. Mas é bem possível (provável) que sim.
Luís Lavoura
Atendendo à letra da pergunta do referendo, tal deverá continuar a acontecer, correndo-se o risco em contrário de estar a legislar para lá do que foi discutido no referendo, e contrariando este.
Acho que sim.
Pessoalmente, a solução parece-me aceitável e justa.
A descriminalização do aborto até às 10 semanas impôe à mulher o dever de o fazer em estabelecimento autorizado por forma a que o acto esteja sujeito a certos requisitos (frequência de sessões de esclarecimento, período de reflexão entre o pedido e o acto, etc..). Ao optar pelo aborto clandestino a mulher não cumpre os requisitos, segundo os quais o aborto não é crime. Assim sendo, pode ser perseguida criminalmente. A ideia da nova lei é - ou deve ser - responsabilizar as mulheres por forma a que o aborto seja um acto ponderado e de última necessidade.
Esse é o aspecto que mais me deixa perplexo na pergunta.
Isto equivale a dizer que o estado reserva para si o direito de determinar administrativamente, que de dois actos materialmente equivalentes, um deles é crime e o outro não. Que se admitisse que "estabelecimentos não-autorizados" fossem accionados por actividade à margem da lei seria uma coisa; paralela com outras regulamentações de actividades que existem (mesmo que possamos não concordar com elas). Já penalizar a "cliente" criminalmente pela falta administrativa de obtenção de uma licença por parte do "prestador" parece-me insustentável ao nível dos princípios...
Migas,
quando se fala em "despenalização do aborto" refere-se à despenalização tanto da mulher, como do médico. Assim, ao restringir-se a despenalização ao aborto efetuado em estabelecimentos autorizados, isto quer dizer que, caso haja um aborto que seja efetuado noutro local, alguém pode ser penalizado - mas esse alguém não será necessariamente a mulher. Pode ser apnas o médico, ou apenas o gerente do estabelecimento, etc.
Assim, se um médico fizer um aborto num hospital, muito bem. Se o fizer no seu consultório, já será penalizado.
Isto nada tem de esquisito. Refere-se a boas práticas médicas. Um cirurgião também não está autorizado a amputar uma perna no seu consultório. Tem que o fazer no hospital, sob perigo de estar a fazer correr um risco desnecessário ao seu paciente.
Obviamente que sim. O "direito de abortar" como que passa a ser do Estado. Fora do Estado, é crime. É um dos aspectos mais perversos da pergunta levada a referendo.
Mais "curioso" ainda. A tendência "clássica" era a de definir o que era um acto médico e quem é que o podia praticar, tarefa que era entregue à Ordem do Médicos.
Com a introdução do conceito de "estabelecimento autorizado", passa-se a depender não da qualificação de quem faz o acto, mas do local onde é feito e da chancela do estado.
Repare-se como a pergunta refere "em estabelecimento autorizado", e não refere em alternativa "por profissional autorizado", "por um médico" ou "por um profissional competente". Ou seja, da maneira como a pergunta está colocada, até se pode estar a permitir que um enfermeiro ou até um psicólogo pratique o acto (por exemplo no caso dos abortos químicos), bastando para tal o estabelecimento estar licenciado.
"As mulheres que optarem por abortar fora dos hospitais continuarão a ser presas?"
Não necessariamente - isso pode querer dizer apenas que os "abortadores" que exercem a profissão sem licença poderão continuar a ser presos, mas não as suas clientes.
Ou talvez queira dizer que a questão de autorizar ou não as "clinicas de vão-de-escada" não é pacifica e essa redação da pergunta é para, em caso de vitória do "sim", continuar a dar margem ao legislador para as autorizar ou não.
"Atendendo à letra da pergunta do referendo, tal deverá continuar a acontecer, correndo-se o risco em contrário de estar a legislar para lá do que foi discutido no referendo, e contrariando este."
Bem, se a lei despenalizar todos os abortos até às 10 semanas,isso não contradiz a letra da pergunta, já que quer dizer que as "abortadeiras" passariam a estar... legalmente autorizadas!
O que não é muito claro é se "estabelecimento de saúde legalmente autorizado" quer dizer "estabelecimento de saúde legalmente autorizado a funcionar como estabelecimento de saúde" ou se quer dizer "estabelecimento de saúde legalmente autorizado a praticar abortos".
Pessoalmente, acho que o Estado faz muito bem em condicionar a prática do aborto e estranho que pessoas do "não" achem pouco liberal que o Estado exija à mulher que respeite um período de reflexão e que frequente sessões com um psicólogo ou médico para ser informada.
Parece que há pessoas do "não" que não só querem despenalizar como liberalizar o aborto.:)
A consequência lógica do que o JB está a dizer é que o que passa a ser crime é "não ir ao psicólogo" ou "não respeitar um período de reflexão". Isto é de uma grande falta de equidade.
Não necessariamente - isso pode querer dizer apenas que os "abortadores" que exercem a profissão sem licença poderão continuar a ser presos, mas não as suas clientes. - Miguel Madeira
Não percebo como é que esta conclusão pode ser inferida da pergunta. Se a alteração à lei fôr a inclusão de uma excepção adicional à regra geral, a mulher que abortar fora do tal "estabelecimento autorizado" continuará a cometer um crime - e poderá, pela letra da lei, ser presa.
consequência lógica do que o JB está a dizer é que o que passa a ser crime é "não ir ao psicólogo" ou "não respeitar um período de reflexão". Isto é de uma grande falta de equidade. - Migas
Não, do que se trata no referendo é de despenalizar o aborto se feito em certas condições. Não estando preenchidas essas condições o aborto continua a ser crime.
Na hipótese de aborto clandestino crime será sempre o aborto, isto é, a violação de um bem jurídico que é a vida intra-uterina. O acto só não seria crime se fosse preenchida a cláusula de exclusão de ilicitude e essa só se encontra preenchida se a mulher respeitar as exigências da lei.
Se X, ao ser atacado em sua própria casa por Y, não reage de imediato, só indo buscar a caçadeira quando Y já saiu de casa e foge pela rua fora, já não estão preenchidos os requisitos de legítima defesa: a ameaça de Y não já não é actual; logo o acto de disparar contra Y é ilícito, mesmo que não o fosse se X tivesse disparado no momento em que estava a ser atacado. Pergunta: o crime de X é não ter agido a tempo? Não, o crime é, obviamente, o de homicídio no caso de Y vir a morrer.
Acho que se percebe a diferença.
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