2007/02/07

Crónica de uma epidemia de esquerda

Jornal Nacional, TVI, há seis meses a esta data: Gripe das aves poderá infectar um terço da população mundial.

Jornal nacional, TVI, sexta passada: Detectado foco de infecção de gripe das aves numa quinta de criação de perus na Inglaterra.

Jornal Nacional, TVI, sábado passado: Muitos dos trabalhadores da quinta onde foi detectado o H5N1 são portugueses.

Jornal Nacional, TVI, domingo passado: Trabalhadores portugueses na Inglaterra em risco de perder o emprego.

Jornal Nacional, TVI, segunda passada: Trabalhadores portugueses na Inglaterra recebem o triplo do salário para fazer as limpezas necessárias na quinta onde foi detectado o foco de gripe das aves. Os portugueses estão a receber tratamento com Tamiflu [entrevistas com os trabalhadores portugueses, felizes da vida pela oportunidade de embolsar um extra].

Jornal Nacional, TVI, ontem à noite: Trabalhadores portugueses na Inglaterra entre a espada e a parede: com os seus postos de trabalho em risco, os trabalhadores portugueses da quinta onde foi detectado o foco da gripe das aves foram aliciados com um aumento para o triplo do seu salário e três dias de descanso, sem terem sido informados do trabalho que iam desempenhar.

Mais alguém vem a notar a progressiva alienação esquerdizante das notícias, particularmente as da TVI [a análise de outros elementos da grelha de programação, como as telenovelas, a esta luz daria para vinte posts, mas está prometida]? No desenvolvimento destas últimas headlines, os três jornalistas da TVI (dois no estúdio e o correspondente no local) tudo fizeram para manipular a informação objectiva que lhes ia sendo fornecida, inclusivamente as respostas dadas nas entrevistas pelos supostos «explorados». Nas entrelinhas, conseguia compreender-se que os trabalhadores efectivamente foram chamados pelo telefone para trabalhar extraordinariamente, com uma contrapartida financeira correspondente ao dobro e em alguns casos ao triplo do salário, sem mais explicações, mas que na reunião presencial que se seguiu lhes foi convenientemente explicada a tarefa que iam desempenhar e os riscos envolvidos, bem como a forma de os prevenir. Percebeu-se ainda que o «risco» em que estavam os postos de trabalho, ao contrário do que os jornalistas faziam por dar a entender, advinha não de uma eventual recusa em correr os riscos de saúde associados ao trabalho, mas da situação de crise em que a exploração se encontrava. Finalmente, ficou provado à exaustão que no uso do seu livre arbítrio aqueles trabalhadores levaram a cabo uma ponderação de custo/benefício que, claramente, os levou a aceitar a proposta da empresa. Ah, e o único de entre estes pobres explorados que revelou o que fez com o dinheiro extra… comprou uma consola de jogos!

[Nota: As frases acima não reproduzem textualmente as notícias da TVI. Todavia, asseguro que o conteúdo não anda muito longe da letra, e muito menos do espírito...]

8 comentários:

kota disse...

Ao que parece, alguns senhores das redacções já choram por não existir ninguém infectado com o h5n1.
É o progresso, segundo alguns.

Anónimo disse...

Onde a Sandra vê uma tendência "esquerdizante", eu vejo apenas uma tendência sensacionalista.

A TVI, e não só, tem que vender as suas notícias, e para isso procura o escândalo e as lágrimas. Apenas isso.

Nada tem a ver com esquerdirmo.

SMP disse...

Não? Pode ser, mas nesse caso é curioso que o capital seja sempre denegrido. Dedique-se a ver um dos episódios das telenovelas da TVI e verá que espécie de características é atribuída aos que estão bem na vida, e que espécie corresponde aos (supostos) trabalhadores.

Anónimo disse...

SMP,

o capital é sempre denegrido porque isso é popular. A TVI dirige-se à classe média, aos pequenos e médios burgueses. Essa gente tem inveja dos ricos e gosta de ouvir dizer mal deles. A TVI satisfaz-lhes o desejo.

Quanto às telenovelas, não sei, de facto não as vejo. Mas eu esperaria que a lógica fosse a mesma.

Em compensação, na SIC mostram telenovelas brasileiras, nas quais os ricos são sistematicamente exibidos em todo o seu esplendor.

Portanto, a Sandra pode mudar de canal...

Cumprimentos,

Luís Lavoura

SMP disse...

LL:

Isso, vindo da sua parte, foi um comentário tão liberal, que eu vou-me regozijar pela sua conversão em vez de o rebater.

Anónimo disse...

Não se trata de liberalismo, Sandra. Tanto a TVI como a SIC têm, em princípio, que obedecer às leis que regulam a sua concessão. Não são perfeitamente livres na sua programação, dado que estão a utilizar um bem público e limitado, o espetro de radiofrequências, cuja concessão é forçosamente regulada.

Felizmente, neste caso particular, a SIC e a TVI têm orientações de progamação diferentes: uma faz telenovelas portuguesas, popularuchas, quotidianas e a bater nos ricos, a outra importa telenovelas brasileiras, totalmente diferentes.

Portanto, neste caso, a Sandra nem sequer precisa de recorrer à TV Cabo. Sorte sua.

LL

Willespie disse...

Anónimo disse: Onde a Sandra vê uma tendência "esquerdizante", eu vejo apenas uma tendência sensacionalista.

A TVI, e não só, tem que vender as suas notícias, e para isso procura o escândalo e as lágrimas. Apenas isso.

Nada tem a ver com esquerdirmo.


O Anónimo tem toda a razão.

SMP disse...

Posso admitir que a TVI coloque o sensacionalismo acima da ideologia mas, ainda assim, o sensacionalismo também pode ter cor. Aquele é vermelho vivo.