2007/01/06

Tau tau

O chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), almirante Melo Gomes, assumiu hoje toda a responsabilidade pelas tentativas falhadas de salvar do mar seis pescadores do barco que naufragou há uma semana na Nazaré, solidarizando-se com os marinheiros que tentaram o salvamento.

Público Última Hora.
Mais um momento pungente do estado português. O CEMA, em circular interna do EMA, forma de particular relevância, deita-se na ara sacrificial e, choroso, avança que "só os que são do mar" é que podem perceber.

O que parece é que, concretamente, são os próprios do mar que se insurgiram contra o sucedido, que não parecem compreender. Além de que, como sabemos bem, o assumir da "responsabilidade" pelo senhor almirante é o gesto, como se sabe, de assumir uma responsabilidade que é nula.

Que repercursões é que tem esse gesto, nomeadamente em relação às vítimas e seus familiares? O sr. almirante vai pagar indemnizações eventuais do seu bolso? Vai ser despromovido? Vai perder o lugar? Vai preso?

As "responsabilidades" que o sr. almirante assume são uma mão cheia de nada. São a fava que calha a um ou a outro na administração do estado, àquele que não consegue mover as suas influências (ou não as tem) para conseguir passar por cima. São a válvula que se rebenta para amanhã ninguém já se lembrar de nada, ou nada poder reclamar, porque "foram assumidas as responsabilidades".

Cá para mim, o sr. almirante nem vai sequer uma vez para a cama sem sobremesa.

4 comentários:

Anónimo disse...

"nomeadamente em relação às vítimas e seus familiares"

O Estado não tem quaisquer responsabilidade perante estes. Se uma pessoa perece num acidente, o Estado não tem culpa. Muito menos culpa tem se, ainda por cima, as pessoas em causa estavam a transgredir a lei, como neste caso é óbvio que estavam. (Estavam a pescar e a lançar redes a uma distância ilegalmente próxima da costa.)

O Estado demonstrou imperícia e má organização neste caso. Imperícia e falta de organização que, aliás, são uma imagem de marca de Portugal, não só no setor estatal mas também no setor privado. Mas essa imperícia e falta de organização não fazem do Estado responsável por aquilo que sucedeu. E, como não é responsável, não tem que pagar indemnizações a ninguém.

Luís Lavoura

JLP disse...

Eu não estou sequer a sugerir que devam ou não ser imputadas responsabilidades ao estado pelo sucedido. Aliás, aparentemente foi um representante da "máquina" do estado que optou por assumir de sua iniciativa responsabilidades. Não foram determinadas por quem de direito em relação a ninguém.

A minha crítica refere-se ao facto de que, mesmo que fossem apuradas eventuais responsabilidades, jamais seria o sr. almirante a assumir qualquer forma objectiva de expiação dessa responsabilidade, por mais pungente que seja o seu gesto. Ou seja, que a tomada de responsabilidades do sr. almirante é paleio para inglês ver.

Anónimo disse...

"...mesmo que fossem apuradas eventuais responsabilidades, jamais seria o sr. almirante a assumir qualquer forma objectiva de expiação dessa responsabilidade,..."

Caro JLP

Do que eu leio no extrato da noticia que colou no seu post,
é que o almirante se responsabilizou pelas tentativas falhadas de salvamento e se solidarizou com os SEUS marinheiros, não com os pescadores que morreram ou sobreviveram.
E acho importante que o tenha feito, revela consideração pelos seus subordinados.
Consideração, que hoje em dia em Portugal, escasseia.
Normalmente, a responsabilidade quando algo corre mal, ou morre solteira e virgem ou é atirada para quem estiver mais em baixo na "cadeia alimentar".
Quanto ao caso em si, apenas gostava de chamar a atenção que quando se vem para Lisboa clamar por mais meios de salvamento, o que na realidade se está a pedir é que haja mais pessoas a arriscar a vida para salvar outras.
Se quando o salvamento corre mal, logo se acusas os salvadores, e se esquece a eventual responsabilidade das vitimas, é bom que haja pelo menos um almirante que reconheça o esforço dos seus homens.
Eu não segui com muita atenção este caso, mas conheci muito bem a Nazaré noutros tempos e assisti a várias tentativas de salvamento.
A coragem de quem embarcava numa barca de madeira a remos e avançava pelo mar dentro para salvar, a maior parte das vezes uns tolos duns turistas, é indescritivel.
Pelos vistos isso agora acabou.
Agora avançam até Lisboa...
É efectivamente mais seguro...
.

JLP disse...

Caro Mentat,

"Do que eu leio no extrato da noticia que colou no seu post,
é que o almirante se responsabilizou pelas tentativas falhadas de salvamento e se solidarizou com os SEUS marinheiros, não com os pescadores que morreram ou sobreviveram."

Mas afinal houve algo que correu mal, e como tal alguém terá que se responsabilizar perante as vítimas de algo ter corrido mal, ou então o sr. almirante está a responsabilizar-se perante quem e por quê?

É que de tomadas de "responsabilidade" corporativas não há falta. Afinal, a melhor maneira de fugir para a frente de um problema é assumir responsabilidades "políticas" quando deveriam ser apuradas responsabilidade operacionais.

"Normalmente, a responsabilidade quando algo corre mal, ou morre solteira e virgem ou é atirada para quem estiver mais em baixo na "cadeia alimentar"."

E que melhor morte solteira quando se é inimputável...

A questão é que, numa instituição privada, a responsabilidade perante terceiros seria provada em relação a um funcionário, assumindo-se as consequência disso em relação a ele (indemnização e/ou despedimento), ou à falta dessa prova seriam assumidas pelos accionistas da empresa perante esses terceiros, e acompanhadas pelas previsíveis consequências em relação à direcção desta. Não é nenhuma mais-valia moral que a responsabilidade seja assumida pela direcção quando deve ser justamente imputada a alguém mais abaixo na "cadeia alimentar" como refere. É sim, eventualmente, a melhor maneira de descartar responsabilidades.

Numa empresa privada, o sr. almirante, no papel de gestor ou director, a esta hora teria o pescoço no cepo à espera da decisão de quem tem o poder de nomear, de destituir ou de vir reclamar de danos em relação a ele. No que se passou, como é o estado o "accionista", está tudo bem. O sr. almirante ainda faz o "bonito" de take one for the boys e ainda é elogiado por alguma particular nobreza de carácter.

Como se essa afirmação de "carácter" tivesse para ele algum custo, ou representasse algo perante as vítimas do sucedido.

Volto a dizer que não estou a fazer qualquer juízo se havia ou não responsabilidade do estado no sucedido, nem se as reivindicações das vítimas do sucedido são ou não justas. Mas alguém sentiu necessidade de, face ao sucedido, vir assumir responsabilidades que eram ou não devidas.

O que afirmo é que, em termos práticos e de consequências, a diferença não é substancial em relação a se tivesse ficado calado.