2006/12/05

Desafio aceite

O Ricardo, do Apatia Geral, apresenta um desafio à blogosfera Liberal:

Assim sendo, a minha proposta é de que, com seriedade, todos os blogs que consideram dever o Estado reduzir o seu peso na economia e na sociedade, passem a explicar:
- que organismos, funções, responsabilidades, etc, deve o estado deixar, libertando a sociedade e a economia do seu peso, devolvendo aos cidadãos, às empresas e a múltiplas outras formas de organização privada, a solução.
Ora aqui fica a minha perspectiva de uma organização liberal do estado:
  • Um sistema presidencialista, em que o Chefe de Estado lidera simultaneamente o executivo e assume as funções de representação do estado.
  • Um parlamento com 100 deputados, 50 eleitos num círculo nacional, e 50 eleitos em círculos uninominais que dividam uniformemente a população portuguesa.
  • Sistema jurídico organizado em comarcas criminais correspondentes aos círculos eleitorais, relações nas principais cidades e um Supremo Tribunal.
  • Procurador Geral com a missão de zelar pelo cumprimento da lei, eleito por sufrágio universal, e procuradores adjuntos eleitos por círculos uninominais nas cidades com relações.
  • Municípios com liberdade organizativa e autonomia e liberdade fiscal.
  • Sistema fiscal baseado na taxação do património com flat rate e em impostos indirectos numa lógica exclusiva de utilizador-pagador.
  • Governo com a seguinte orgânica:
    • Ministério da Fazenda, com responsabilidade da gestão e recolha dos impostos.
    • Ministério do Interior, com as responsabilidades inerentes à segurança e à defesa nacional.
    • Ministério dos Negócios Estrangeiros, com as responsabilidades da representação de Portugal nos territórios estrangeiros e organizações internacionais.
    • Ministério da Propriedade, para a gestão do domínio público, do ambiente, do património histórico, e das concessões do estado.
    • Ministério dos Serviços Sociais, responsável por gerir (mas não prestar) os serviços relativos à implementação de uma safety net, nomeadamente cuidados de saúde de emergência, prestação de apoio básico de sobrevivência, escolaridade obrigatória, prestação de uma pensão mínima universal de subsistência e de um sistema de apoio jurídico. Além disso, disponibilização de exames escolares opcionais de validação de competências mínimas para diversos graus de escolaridade.
Assim de repente, parece-me bem!

28 comentários:

Migas disse...

Taxação do património? Que peso e frequência?

Anónimo disse...

Ia dizer o mesmo que o Migas. Já agora presumo que os impostos indirectos incidam sobre o consumo onde se pode incluir a aquisição de património. Porquê taxá-lo de novo?

De resto assim de repente também não me parece mal, mas tirava daí o Ministério da Propriedade e algumas competências do Min dos Serviços Sociais.

Vasco Figueira disse...

Taxação do património?? Não estarás a referir-te à taxação das rendas sobre o património? Essa sim é uma corrente económica (académica) bastante liberal e com bastante interesse.

(O que o Campos e Cunha, entre certamente outros, defendia, era um imposto quase simbólico sobre a propriedade. Digamos, um euro por ano, por hectare. "Academicamente interessante", e ajudava a racionalizar o uso da terra.)

Não vejo em que é que o sistema presidencialista é mais liberal. Será apenas a tua preferência?

Procurador eleito por sufrágio universal... Humm. Isso já existe nalgum lado?

JLP disse...

Migas,

Num estado em que não há despesas de investimento nem grande ligação aos ciclos económicos, nem encargos de longo prazo como os relativos às pensões, a despesa do estado deve ser pequena e de crescimento muito "bem comportado", sendo a gestão corrente algo de muito próximo dos duodécimos.

Quanto ao peso, não consigo adiantar um valor, mas os princípios que deveriam presidir à sua fixação deveriam ser que a taxa deveria ter o valor necessário para manter o défice das contas públicas em zero, e manter a dívida controlada.

Quanto à frequência, parece-me relativamente irrelevante, mas há algo que te leve a pensar em contrário?

JLP disse...

"Ia dizer o mesmo que o Migas. Já agora presumo que os impostos indirectos incidam sobre o consumo onde se pode incluir a aquisição de património. Porquê taxá-lo de novo?"

Os impostos (e taxas) indirectos não deveriam ser sobre a generalidade do consumo. Deveriam ser estritamente restritos ao custeamento de despesas do estado no seguimento do princípio do utilizador pagador, e consignados especificamente às respectivas rúbricas do orçamento. Por exemplo, na taxação do tabaco na medida em que este contribuir para o agravamento dos cuidados de saúde prestados pela safaty net, ou na taxação das emissões para financiar o cumprimento das obrigações internacionais nesse sentido ou os danos ao ambiente advindos destas. Não haveria portanto dupla taxação do património.

"De resto assim de repente também não me parece mal, mas tirava daí o Ministério da Propriedade e algumas competências do Min dos Serviços Sociais."

Num estado em que a grande maioria do património, as funções de gestão e regulação associadas aos monopólios naturais e até algumas parcelas do domínio público estivessem concessionados, acho que seria importante e teria dignidade ministerial a gestão corrente desses vários processos. é somente essa a lógica da existência desse ministério.

Quanto à safety net, admito que a pensão de subsistência seja redundante, sendo que são assegurados paralelamente os meios básicos (e mínimos) de subsistência. Admito perfeitamente que pudesse ser removido das competências. Mas atenção que quando refiro "meios básicos de subsistência" estou mesmo a falar em termos básicos: num tecto (essencialmente em regime de abrigo colectivo), no disponibilização do mínimo de nutrientes para sobreviver, e em roupa que satisfaça as necessidades de agasalho básicas.

Posto isto, quais retirar?

JLP disse...

"Taxação do património?? Não estarás a referir-te à taxação das rendas sobre o património? Essa sim é uma corrente económica (académica) bastante liberal e com bastante interesse."

Não, referia-me mesmo a património. Mas não só a propriedade física, leia-se terrenos. Refiro-me também a automóveis, casas, barcos, obras de arte, acções, participações em empresas e contas bancárias. A todos os bens usufruídos por pessoas singulares.

A minha justificação para esta opção é que acho que é justo e liberal que seja o património a ser taxado, uma vez que em grande parte o património é proporcional à "footprint" de um indivíduo na sociedade. É proporcional ao risco associado aos litígios e às solicitações sobre a Justiça, é proporcional ao esforço de segurança que tem que ser desenvolvido pelo estado para proteger a sua propriedade, etc. Há contudo, um buraco ou limitação mais ou menos evidente neste sistema: tem que se tomar em conta o fluxo internacional de capitais que, de modo a garantir a universalidade e justiça do sistema, teria que ser taxado.

"Não vejo em que é que o sistema presidencialista é mais liberal. Será apenas a tua preferência?"

É simplesmente por uma questão de eficiência e accountability. Um estado tão pequeno não justifica, quanto a mim, a separação das tarefas de chefe de estado das da chefia do governo (a menos que seja uma monarquia). Além de que acho que o sistema presidencialista francês, com primeiro ministro, esvazia este politicamente, tornando-o no cordeiro sacrificial do presidente em tempos de dificuldades, e reforçando a impunidade presidencial. Quanto menos pessoas estiverem envolvidas, melhor pode ser a fiscalização democrática dos governos, e mais ágil poderá ser a actuação deste. Os papéis também se tornam mais claros, e portanto será mais fácil estabelecer mecanismos de checks&balances.

"Procurador eleito por sufrágio universal... Humm. Isso já existe nalgum lado?"

Existe nalguns estados dos EUA, por exemplo.

Anónimo disse...

Para variar, concordo com praticamente tudo.

A taxação do património é imprescindível, alé, das razões aduzidas pelo jlp, também para assegurar que o património é efetivamente utilizado, que ele não é simplesmente um passivo da sociedade e para o ambiente. Qualuer patimónio humano é algo que está a mais no ambiente e, portanto, deve ser suprimido a não ser que seja útil. Se eu tenho um carro que não utilizo, esse carro deve ir para a sucata. Se tenho um prédio que está vago, ele deve ser demolido e substituído por um quintal com couves. Se tenho uma terra que não cultivo, devo vendê-la a quem a queira gerir, ou então oferecê-la ao Estado para que ele a transforme num espaço natural público. E assim por diante. A melhor forma de obrigar as pessoas a rentabilizar o seu património, é taxá-lo.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

"Posto isto, quais retirar?"
A redundância que já referiste.
A escolaridade obrigatória; há estudos suficientes sobre a evolução da literacia em Inglaterra e nos EUA por exemplo antes da sua introdução que confirmam que não é necessária.
Os exames opcionais de validação de competências. Não me parecem necessários.

Anónimo disse...

Esclarecido quanto ao património, resta-me ainda um problema:

"Há contudo, um buraco ou limitação mais ou menos evidente neste sistema: tem que se tomar em conta o fluxo internacional de capitais que, de modo a garantir a universalidade e justiça do sistema, teria que ser taxado."

No que isto pode implicar de controlo e entidades supra-nacionais acho perigoso e iliberal.

Caro Luís,
"A melhor forma de obrigar as pessoas a rentabilizar o seu património, é taxá-lo."
É ao contrário: "if you want less, tax it."

SMP disse...

Se tenho uma terra que não cultivo, devo vendê-la a quem a queira gerir, ou então oferecê-la ao Estado para que ele a transforme num espaço natural público.

Não faltava mais nada! No direito de propriedade cabem faculdades de usar e abusar, e como tal também o de pura e simplesmente não utilizar a coisa que é objecto do direito. Contanto que esse não uso não constitua base para qualquer espécie de encargo por parte do Estado (como seria o caso de um edifício degradado que ameaçasse ruir), não há qualquer espécie de legitimidade para exigir o que quer que seja ao proprietário de um terreno parado. Isso da função social da propriedade, meu caro, já foi chão que deu uvas, pelo menos nos termos em que se lhe refere…

Anónimo disse...

Pois Sandra, mas é que quase toda a propriedade humana constitui, em si mesma, um encargo para o ambiente.

Se eu tenho um prédio abandonado, mesmo que ele não dê encargos ao Estado nem à sociedade, o espaço desse prédio deve ser encarado como um pedaço de terra roubado ao ambiente.

No meu entendimento de ambientalista, a pisada ecológica da sociedade deve ser reduzida, o que implica a eliminação de posses supérfluas, de objetos inúteis. Cada objeto inútil está a ocupar um espaço que deveria ser espaço natural.

Por isso, no meu entendimento, embora o direito de propriedade possa ser considerado supremo no campo das relações humanas, não pode ser considerado supremo no campo das relações entre a sociedade humana e o ambiente extra-humano. Nesse outro campo, o direito de propriedade tem que satisfazer alguma função. Se a propriedade não satisfaz função nenhuma, então deve ser eliminada, no sentido de ser recuperado o espaço natural.

SMP disse...

Se eu tenho um prédio abandonado, mesmo que ele não dê encargos ao Estado nem à sociedade, o espaço desse prédio deve ser encarado como um pedaço de terra roubado ao ambiente.

Quem é “o ambiente”? Por certo que não é susceptível de ser titular de direitos e, nessa medida, o meu direito não comprime a sua esfera jurídica nem o afecta de forma alguma.

No meu entendimento de ambientalista, a pisada ecológica da sociedade deve ser reduzida, o que implica a eliminação de posses supérfluas, de objetos inúteis. Cada objeto inútil está a ocupar um espaço que deveria ser espaço natural.

Ainda que assumindo esse “entendimento de ambientalista”, de que não partilho, de que “objecto inútil” é que está a falar? Repare-se que não estávamos a falar de edifícios, mas de terrenos: de baldios, portanto, de pedaços do ambiente que existiriam da mesma exacta forma se não fossem objecto de um direito de propriedade. Nessa medida, a circunstância de eles serem ou não propriedade de alguém implica uma mera diferença jurídica, abstracta, do campo dos conceitos. Não sei que mal para o ambiente é que pode vir daí.

Anónimo disse...

"Repare-se que não estávamos a falar de edifícios, mas de terrenos: de baldios"

Eu estava a falar das duas coisas mas, de facto, elas devem ser distinguidas.

O imposto sobre o património aplica-se a propriedades que são objeto de registo: automóveis, barcos, aviões, propriedades urbanas, e propriedades rurais.

No caso das quastro primeiras, é meu entendimento que esse imposto nunca deve ser eliminado, pelas razões que disse acima. Só pode ser eliminado quando o automóvel, barco ou avião fôr entregue para reciclagem num reciclador autorizado, ou quando a propriedade urbana fôr objeto de demolição e devolvida, se tal fôr possível, a um uso rural ou natural.

No caso das propriedades rurais, penso que, efetivamente, o imposto sobre o património pode ser abolido no caso de se verificar que essa propriedade se encontra entegue a um uso natural, ou seja, que está inculta e não é objeto de qualquer exploração silvícola nem agrícola.

Luís Lavoura

Migas disse...

A taxação do património levanta o problema da identificação e avaliação do mesmo. Isso inevitavelmente leva à necessidade de uma máquina fiscal intrusiva e "oversized".

Numa óptica utilizador-pagador, que defendes para os indirectos, não seria muito mais justo taxar a utilização do automóvel em vez da sua posse (portagens, licença de circulação na via pública e parking em espaços não privados), taxar os custos municipais dos imóveis/terrenos em vez da sua posse (taxas de serviços de esgotos, limpeza das ruas e manutenção das estruturas públicas associadas). Porque é que os moradores de um bairro com casas mais caras devem pagar mais que os outros se os serviços estatais/muicipais gastarem o mesmo com eles face aos outros (em teoria até poderiam gastar menos)?

Anónimo disse...

"Quem é “o ambiente”? Por certo que não é susceptível de ser titular de direitos e, nessa medida, o meu direito não comprime a sua esfera jurídica nem o afecta de forma alguma."

O ambiente não é uma pessoa e portanto não é titular de direitos. Mas o direito da Sandra pode de facto comprimir e afetar o ambiente. No meu entendimento de ambientalista, do qual a Sandra não partilha, o ambiente existe e é uma realidade, independentemente do uso e utilidade que possa ter para algum humano. E essa entidade não-humana, o ambiente, pode ser comprimido e afetado pelas atividades humanas. Se, por exemplo, eu decido plantar pinheiros numa propriedade minha, então estou a diminuir o espaço natural que se deveria desenvolver por si mesmo em direção, presumivelmente e na nossa terra, a uma mata de carvalhos e sobreiros. Logo, se eu decido utilizar o meu direito de plantar pinheiros, estou a diminuir e a afetar o espaço natural, impedindo que ele se desenvolva na sua direção... natural.

Acredito que para a Sandra esta conceção, da qual ela não partilha, seja difícil de entender, mas... é a minha.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

"não seria muito mais justo taxar a utilização do automóvel em vez da sua posse (portagens, licença de circulação na via pública e parking em espaços não privados)"

Concordo com esta possibilidade, desde que fique bem claro que um automóvel só pode estar estacionado na rua ou noutro espaço público desde que pague taxa.

Ou seja, a pessoa ficaria isentada do pagamento de imposto automóvel apenas e tão-somente quando tivesse o carro imobilizado numa sua garagem particular. A estragar-se, naturalmente, uma vez que os carros parados se deterioram.

No meu entendimento, o impsoto automóvel deveria ser proporcional à superfície e ao peso do veículo, e não ao seu valor ou cilindrada ou potência. Pagaria basicamente o impacto que o veículo causa ao ocupar espaço de estacionamento na via pública, e ao circular nas ruas, deteriorando-as

Luís Lavoura

SMP disse...

Se, por exemplo, eu decido plantar pinheiros numa propriedade minha, então estou a diminuir o espaço natural que se deveria desenvolver por si mesmo em direção, presumivelmente e na nossa terra, a uma mata de carvalhos e sobreiros. Logo, se eu decido utilizar o meu direito de plantar pinheiros, estou a diminuir e a afetar o espaço natural, impedindo que ele se desenvolva na sua direção... natural.

Pois, realmente não é a minha concepção. A direcção natural de muita coisa é contrária ao que o Homem como ser racional entendeu e provou ser melhor, e nem sempre apenas do seu ponto de vista. A sua teoria, levada ao absurdo, implicaria que os terrenos estéreis fossem deixados estéreis, for the sake of naturality alone.
Sem querer introduzir aqui essa discussão longuíssima que seria a dos contornos do ambientalismo, só consigo pensar que o único mundo que agradaria aos seus defensores era um caos primordial virgem e intocado pelo Homem, desprovido de sentido e de função, onde nem sequer existisse o ser humano para fazer julgamentos acerca do que é mais ou menos natural.

JLP disse...

Helder,

"A escolaridade obrigatória; há estudos suficientes sobre a evolução da literacia em Inglaterra e nos EUA por exemplo antes da sua introdução que confirmam que não é necessária."

Reconheco que é uma questão "bicuda". Pessoalmente, a minha posição divide-se em duas partes: que a existir escolaridade obrigatória ela seja reduzida, essencialmente restringindo-se a algo próximo do 9º ano ou, em alternativa, à maioridade do indivíduo, que deveria ser quanto a mim presentemente aos 16 anos (já explico!); que, a ser obrigatória e como tal imposta, deve competir a todos, solidariamente, o custear dos seus encargos, englobando a escolaridade propriamente dita, a alimentação e um seguro de saúde, numa lógica de financiamento dos indíviduos (pagando directamente à instituição que o acolha) e não aos pais. O pagamento aos pais estaria limitado ao caso de estes pretenderem ensinar eles próprios os filhos, sendo que em todos os casos a escolha dos pais, para ser aceite (continuar a receber o financiamento, ou evitar que um tribunal intervenha em defesa do indivíduo), obrigaria a que os filhos passassem nas provas que refiro de avaliação de mínimo de competência.

A coisa pode parecer complicada (e claro que não está isenta de dificuldades de implementação), mas quanto a mim a razão desta opção é que, se uma sociedade opta por limitar a liberdade e os direitos de cidadania de um indivíduo até à sua maioridade, tem que dar uma contrapartida minimamente justa. Quanto a mim, justo será providenciar ao indivíduos as condições de igualdade à partida que permitam que este solidifique nesse período a sua individualidade e a sua capacidade de exercer a sua Liberdade.

"Os exames opcionais de validação de competências. Não me parecem necessários."

Enquadro-os como uma necessidade do sistema acima descrito. Além de que podem servir como um mecanismo opcional de certificação para os graus de ensino fora da escolaridade obrigatória, em natural concorrência com outros mecanismos certificadores que surjam no mercado.

JLP disse...

"No que isto pode implicar de controlo e entidades supra-nacionais acho perigoso e iliberal."

:-)

Concordo. A coisa teria que ser inteiramente gerida "indoors".

JLP disse...

"A taxação do património levanta o problema da identificação e avaliação do mesmo. Isso inevitavelmente leva à necessidade de uma máquina fiscal intrusiva e "oversized"."

A maioria dos bens que "interessam" podem ser identificados mais ou menos com naturalidade e sem grande intrusão. Os carros, no acto de matriculação e na transferência de propriedade, assim como os barcos e os aviões na emissão de certificados de operacionalidade. A propriedade, porque existirão sempre, mesmo por interesse dos proprietários, mecanismos de registo e de publicitação da sua posse, sendo que se podem estabelecer mecanismos lagais que limitem a fraude, por exemplo estabelecendo que qualquer pessoa tem direito de adquirir numa venda de um terreno o mesmo, em alternativa a quem o está a comprar efectivamente, se pagar um valor marginalmente superior. As acções e as participações nas empresas são geralmente registadas nas entidades reguladores do mercado mobiliário, e os depósitos bancários serão provavelmente declarados na altura em que forem efectuados, correndo em alternativa os sócios do banco o risco de estes serem taxados a estes como seus capitais próprios.

"Numa óptica utilizador-pagador, que defendes para os indirectos, não seria muito mais justo taxar a utilização do automóvel em vez da sua posse (portagens, licença de circulação na via pública e parking em espaços não privados), taxar os custos municipais dos imóveis/terrenos em vez da sua posse (taxas de serviços de esgotos, limpeza das ruas e manutenção das estruturas públicas associadas)."

São coisas diferentes. Uma é a propriedade na sua vertente de repositório de capital e de valor, outra são os custos inerentes aos serviços que, no seu usufruto, o proprietário opte por solicitar.

Uma coisa é ter um Ferrari na garagem. É como se fosse "money in the bank"! Outra é circular com ele, em estradas que na minha lógica deverão ser todas concessionadas, privadas ou dos municípios, e pagando a estes o serviço prestado, no caso dos concessionados na forma de uma taxa ou imposto, eventualmente.

A ideia, para concretizar, é separar a propriedade como repositório de valor e de capital (essencialmente modelizando-a como um custo fixo), e o pagamento dos custos associados ao seu usufruto (essencialmente numa lógica de pagamento de serviços ou de custo variável).

JLP disse...

Luis Lavoura,

"No meu entendimento de ambientalista, a pisada ecológica da sociedade deve ser reduzida, o que implica a eliminação de posses supérfluas, de objetos inúteis. Cada objeto inútil está a ocupar um espaço que deveria ser espaço natural."

O seu asceticismo ecológico poderá ser a todos os níveis louvável, e terá toda a legitimidade para o praticar na sua propriedade. Mas a sua liberdade (ou alegação de "liberalismo") acaba quando o tentar forçar aos outros proprietários.

Anónimo disse...

"a sua liberdade acaba quando o tentar forçar aos outros proprietários"

Não estou a tentar forçar nada. Estou apenas a dizer que quem tem uma propriedade rural deve pagar imposto de património por ela, a não ser que declare explicitamente, e seja verificado, que ela está abandonada (i.e. inculta e em estado selvagem).

Aliás, no caso das propriedades rurais, há uma outra razão, independente, para que elas paguem imposto sobre o património: é que é muito difícil contabilizar os rendimentos delas provenientes. Se, por exemplo, eu tenho um quintal no qual cultivo batatas, posso não obter rendimento monetário nenhum, na medida em que como eu próprio as batatas que cultivo, e não vendo nenhumas. Há, no entanto, um rendimento não monetário - as batatas comidas! Da mesma forma, é muito difícil saber quando é que um pequeno proprietário florestal vende algumas das suas árvores, etc.

Faz então todo o sentido que qualquer proprietário rural pague imposto pelo seu património, desde que o cultive. Só deve ser isentado do imposto se se comprometer a devolver essa propriedade à natureza, não a explorando.

Quanto às propriedades urbanas, como já disse, devem ser sempre taxadas. A sociedade deve exigir que uma propriedade urbana tenha utilidade e utilização. Deve haver uma taxação mínima, mesmo que a propriedade não dê lucro nenhum ao seu proprietário. Se o proprietário não sabe ou não pode rentabilizar a sua propriedade, deve ser incentivado, através do imposto anualmente pago, a vendê-la a quem a queira aproveitar.

SMP disse...

Aliás, no caso das propriedades rurais, há uma outra razão, independente, para que elas paguem imposto sobre o património: é que é muito difícil contabilizar os rendimentos delas provenientes. Se, por exemplo, eu tenho um quintal no qual cultivo batatas, posso não obter rendimento monetário nenhum, na medida em que como eu próprio as batatas que cultivo, e não vendo nenhumas. Há, no entanto, um rendimento não monetário - as batatas comidas! Da mesma forma, é muito difícil saber quando é que um pequeno proprietário florestal vende algumas das suas árvores, etc.

Isso é um problema do Estado; admitir o contrário é abrir a porta a todo o tipo de métodos indiciários.

Anónimo disse...

Sandra,

os problemas do Estado são problemas nossos, porque estamos a falar de política e o Estado é feito por nós, cidadãos.

Os métodos indiciários na fiscalidade são (infelizmente) necessários. Não se pode requerer que uma série de pequenos negócios tenham uma faturação detalhada e fiel, como uma grande empresa a tem. Uma pastelaria que vende cimbalinos e bolos ao balcão, um vendedor de jornais que avia jornais e revistas em série, ou um pequeno agricultor que cultiva algumas hortas, não podem ter contas detalhadas, com faturas e tudo o mais, para apresentar ao Estado. Para essas atividades económicas, e muitas outras semelhantes, os métodos indiciários são (repito, infelizmente) necessários na fiscalidade.

Luís Lavoura

Migas disse...

Compreendo o ponto sobre a separação do capital versus utilização de recursos. Contudo isto faz-nos voltar à minha pergunta inicial: peso e frequência.

Peso, para ter uma ideia mais clara do impacto. Por exemplo, a antiga Sisa a 10%, e não dedutível em compras subsequentes, fazia com que quem comprásse casa tivesse de a vender pelo menos 10% mais cara para não perder dinheiro (ignorando custo do capital e de oportunidade).

Frequência, pelo efeito potencialmente destrutivo que os impostos sobre o património podem ter sobre a acumulação de capital quando são recorrentes em vez de one-off. Por exemplo, há algumas décadas, no Reino Unido, os impostos sobre o património criaram um incentivo perverso ao consumo "opulento". Isto causou uma sensação de bem-estar aparente no curto prazo mas provocou inflação e fuga de capitais no médio prazo.

JLP disse...

Migas,

A periodicidade seria recorrente, e não one-off, basicamente em substituição do IRS+IRC.

Quanto ao peso, sem fazer contas será à partida difícil de calcular assim de repente. Mas (apesar de o princípio ser perverso, mas pela limitação da dimensão do estado a coisa acaba por não ser assim) seria em primeira instância a despesa a fixar o peso, de modo a manter como referi o défice nulo e a despesa pública controlada. Presumo que seria muito inferior à realidade presente de taxas praticadas, mas seria algo que teria que ser aprofundado para se ter uma ideia mais concreta.

Quanto aos efeitos inflaccionistas, é uma possibilidade a não desprezar, mas se isso acontecesse, seria sinal de que as pessoas teriam uma perspectiva sobre-optimista do futuro, e prefeririam o risco do consumo imediato ao aforro. Eventualmente, numa perspectiva transitória seria um efeito que seria de esperar, mas que julgo que com o tempo se anularia. Quanto à fuga de capitais, é um facto, como refiro acima. Por isso é inevitável, num sistema destes, que sejam taxadas as transferências internacionais de capital.

Mas, do ponto de vista fiscal, o impacto dessa "fúria consumista" seria à partida nulo, uma vez que o consumo seria na prática uma transferência de património entre sujeitos.

Anónimo disse...

"No meu entendimento de ambientalista, a pisada ecológica da sociedade deve ser reduzida, o que implica a eliminação de posses supérfluas, de objetos inúteis. Cada objeto inútil está a ocupar um espaço que deveria ser espaço natural."

Tem toda a razão. E proponho desde já, a titulo de exemplo, que se arrase com a estátua do Marquês, ali na rotunda do dito. Não tem qualquer utilidade, excepto quando o Benfica ganha o que é cada vez mais raro, não se pode usufruir sem correr sério perigo de morte por atropelamento e ocupa um espaço valioso que poderia perfeitamente ser bem melhor utilizado com uma ecologicamente correcta horta de couves. E para uma melhor rentabilização do investimento até poderia ser convertida numa região demarcada.

"As couves do Marquês" parece-me perfeito. ;-)

Tiago Mendes disse...

Nao obstante haver naturais defeitos na nomeacao de um procurador, a sugestao de eleicao e' bastante mais grave, e, parece-me, pouco recomendavel. Seguramente criticavel se sobretudo baseada numa (pretensamente correcta) analogia com a "bondade" do mercado e de eleicoes. Julgo que o excerto em baixo indicado sera' suficiente para fazer o ponto.

http://aforismos-e-afins.blogspot.com/2005/03/pessoalismos-37-escritos.html