2006/10/04

Juízos de facto arrojados

O meu problema com a entrevista arrojada não é a defesa da ideia de que a escravatura era economicamente eficiente, juízo de facto que pode ou não ser comprovado com o estudo do Fogel.
O meu problema é com a quantidade de juízos supostamente de facto que o arrojado resolveu tecer a propósito dos negros. Anotem:

  • que os negros gostam muito de sexo e que é por isso que não trabalham;
  • que foram para a América, na sua maioria, de livre vontade;
  • que, na América, não estão na sua terra (e que por isso têm de bater a bola baixinho, mas isto já é um juízo de valor do arrojado e uma interpretação da frase um pouco abusiva da minha parte);
De qualquer maneira, tudo isto "factos" que o arrojado não se digna a comprovar, o que o distingue - nessas gloriosas passagens - do Galileu ou Fogel.

Mas isto da distinção juízos de facto-juízos de valor leva-nos a resultados interessantes. Chegamos à conclusão de que os estudos nazis sobre a superioridade da raça ariana não eram racistas porque mais não eram do que estudos científicos que se cingiam aos factos; que isso do racismo, do machismo ou da intolerância religiosa até tem uma expressão social e ética muito pouco relevante porque a maior parte dos supostos racistas, machistas ou intolerantes se limita a afirmar "factos". Exemplos: o Le Pen diz que os imigrantes estão a tirar postos de trabalho aos franceses? Qual xenofobia, qual quê... o homem está apenas equivocado. O Chàvez e o Fidel falam dos supostos atentados e golpes de Estado promovidos pela CIA? Não é evidente que estão mal informados e que até gostam muito dos americanos?
Resta que a revolução que o JM habilidosamente propôe resulta do facto de não podermos retirar qualquer ilação sobre os juízos de valor de alguém com base em juízos de facto dessa pessoa. O que explica que aqueles que vulgarmente passam por racistas, xenófobos, sexistas ou fanáticos religiosos sejam, na pior das hipóteses, simples mentirosos.

5 comentários:

Carlos Guimarães Pinto disse...

Zé, repara que a aversão aos negros pouco tem a vÊr com a matriz liberal do discurso do Pedro Arroja. Infelizmente, veio tudo misturado naquela entrevista. Einstein não deixaria de ser um génio da física se fosse comunista. Da mesma forma que Arroja não deixa de ser um visionário da economia política por ter preconceitos étnicos. Os preconceitos combatem-se com provas ciêntificas. Responder na mesma moeda, a da irracionalidade, só alimenta esses preconceitos.

JoaoMiranda disse...

JB,

Acho que a questão de base é só uma: não se fazem julgamentos sobre o carácter das pessoas com base numa única entrevista. O Pedro Arroja até tem vários livros publicados com as suas opiniões pelo que não lhe será difícil formar uma opinião de forma mais fundamentada.

JoaoMiranda disse...

««O que é mais importante é que a ideia da separação entre juízos de facto e juízos de valor é irrelevante para a análise dos discursos racistas, sexistas ou religiosamente intolerantes, porque estes, por uma questão de credibilidade, assentam basicamente em juízos de facto (falsos, o que não vem ao caso).»»

Esse argumento é um tanto circular. Como é que se distingue um discurso académico sobre os factos de um discurso racista? O que me está a dizer é que num discurso racista os juizos de facto devem ser tomados como juizos de valor. Mas o JB só pode saber que um discurso é racista se tomar os juizos de facto como juizos de valor.

O que o impede de considerar que todos os juizos de facto são afinal juizos de valor?

E já agora, o que o leva analisar o discurso do Arroja, que é académico, como avalia o discurso do Le Pen, que é político?

JoaoMiranda disse...

««O Pedro Arroja não é entrevistado na qualidade de académico e não produziu as frases citadas nessa qualidade. O discurso da entrevista é, obviamente, um discurso político.»»

Esse é um argumento circular. O José Barros parte do princípio que o Arroja responde como político para interpretar a entrevista. E depos, de acordo com essa interpretação conclui que o Arroja deu uma entrevista política.

JoaoMiranda disse...

««1. Para perceber que a entrevista é política basta lê-la. »»

Aquilo que o JB leu foi apenas uma parte da entrevista. Mas a entrecisa não nasceu do vácuo. Resulta do trabalho de divulgação do Arroja, o qual eu lhe recomendo a ler, trabalho esse que consistiu na divulgação de ideias liberais, não exactamente do Arroja. Quem quer perceber a entrevista terá que perceber porque é que aquelas perguntas foram feitas. Elas foram feitas por causa das intervenções do Arroja enquanto divulgador de temas que são académicos. Quem quiser perceber porque é que ele fala daquela forma da escravatura terá de ler o que ele escreveu sobre esses e outros assuntos.

««2- Ainda não respondeu à minha questão. Como é que chega à conclusão de que a maior parte dos estudos sobre o aquecimento global são "bias", isto é, politicamente motivados?»»

Nunca disse que os estudos científicos sobre o aquecimento global têm "bias". O que eu sempre disse foi que a interpretação que se faz deles está errada. Critiquei o filme do Al Gore porque apesar de lhe chamarem um documentário não tem contraditório.

«« Como é que chega à conclusão de que "loose change" é uma teoria da conspiração que esconde um discurso político?»»

A única coisa que eu digo do "loose change" é que é lixo.