Iliteracia
In the case of armed conflict not of an international character occurring in the territory of one of the High Contracting Parties, each party to the conflict shall be bound to apply, as a minimum, the following provisions:Na inenarrável FoxNews, como referido abaixo, pude acompanhar a discussão que opunha o senador republicano John McCain (com alguma intervenção de Colin Powell no mesmo sentido) à generalidade do resto do seu partido e à administração Bush, esta última queixando-se essencialmente que a alínea 1.c) do artigo 3º das Convenções de Genebra é "vaga" e que, por esse motivo, não confere às agencias de segurança americanas, nomeadamente à CIA, um campo de acção bem definido na sua interacção com os "suspeitos de terrorismo."
1. Persons taking no active part in the hostilities, including members of armed forces who have laid down their arms and those placed hors de combat by sickness, wounds, detention, or any other cause, shall in all circumstances be treated humanely, without any adverse distinction founded on race, color, religion or faith, sex, birth or wealth, or any other similar criteria.
To this end the following acts are and shall remain prohibited at any time and in any place whatsoever with respect to the above-mentioned persons:
(a) Violence to life and person, in particular murder of all kinds, mutilation, cruel treatment and torture;
(b) Taking of hostages;
(c) Outrages upon personal dignity, in particular, humiliating and degrading treatment;
(d) The passing of sentences and the carrying out of executions without previous judgment pronounced by a regularly constituted court affording all the judicial guarantees which are recognized as indispensable by civilized peoples.
(...)
Excerto do Artº 3º das Convenções de Genebra
Ou seja, parece que aparentemente uma provisão de direito internacional que parece ter servido aos soldados americanos durante 77 anos, nas diversas guerras em que o país esteve envolvido (pelo menos a IIª Guerra Mundial, a Guerra da Coreia, a Guerra do Vietname, a Guerra no Afeganistão e as duas Guerras do Golfo) não era bem clara para os referidos americanos, que se presume terem subscrito as convenções em consciência e não as terem assinado de cruz ou com reserva mental.
É curioso até que seja necessária a intervenção de distintos militares do partido do governo, um dos quais (McCain) foi prisioneiro de guerra durante 6 anos, período durante o qual beneficiou do estatuto (aparentemente "dúbio") que lhe era conferido pelas Convenções de Genebra, para tentar trazer o governo à razão.
É também estremamante curioso (e sintomático) que tenha sido pedida uma clarificação não daquele ponto das Convenções que tem sido argumentado por muitos (inclusívé pela própria administração) como obscuro, nomeadamente a classificação do que são "unlawful combatants" e dos direitos que lhes assistem pelas Convenções referidas, mas sim que se tente definir o que são ofensas à dignidade pessoal e tratamento humilhante e degradante.
Naturalmente, McCain foi forçado a ceder, pelos argumentos do costume do "quem não está connosco está contra nós", e sob o risco da ameaça de ser rotulado como "unamerican" pela loucura reinante, chegando a uma solução de suposto compromisso em que se conferiu ao presidente americano em grande parte o poder de "interpretar" as Convenções de Genebra. O que é extremamente grave. Senão vejamos:
- A perspectiva de que um signatário de uma convenção internacional se arrogue ao direito de autonomamente interpretar o próprio significado dessa convecão desvirtua, quanto a mim, qualquer perspectiva de compromisso assumido no seio dessa própria convenção. Qualquer esclarecimento interpretativo, deveria ser tomado colectivamente pelo colégio dos países signatários das convenções, em última instância pela redacção e assinatura de uma revisão dessa convenção que retire essas dúvidas (até já nem é a primeira).
- Na prática, é conferido ao presidente o direito a interpretar as Convenções de Genebra (que obrigavam os seus signatários a criar legislação, no caso de não incorporarem directamente no direito doméstico os tratados internacionais, que criminalize as suas violações) na medida em que tem margem de manobra para, por mera acção executiva sua, definir casuísticamente se algo é sancionado ou não. Ou seja, no fundo conferiu-se ao presidente um poder interpretativo na transposíção das Convenções para o direito doméstico americano. Ora, num estado de direito, tal poder interpretativo da lei deveria ser conferido, quando muito, ao poder judicial, não ao poder executivo. Assistimos deste modo, portanto, simultaneamente a um ataque à propria validade (e utilidade) das Convenções de Genebra bem como, quanto a mim, a um claro ataque à separação de poderes executivo e judicial nos EUA.
Em última instância, sobressai o pensamento de McCain: o que os EUA estão a conseguir com esta linha de acção é exactamente pôr em perigo os seus próprios soldados, conferindo aos seus adversários co-signatários das Convenções argumentação para procederem do mesmo modo. E fica também a noção que mais uma vez foi ignorada uma lição da História: a de que, não esqueçamos, as Convenções de Genebra foram criadas e moldadas exactamente para protegerem as tropas Aliadas.
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