Decepcionante
Tiago Mendes, alguém que se assume como individualista, defende esta semana no Diário Económico que deve ser o estado, e não as pessoas, a tomar as decisões de poupança individuais. Justificação: a tentação é grande, lembram-se do Ulisses? Ele quis ser amarrado para não se atirar às sereias. Amarremo-nos então. O Tiago pensa que o estado deve decidir ainda quando libertar as poupanças de cada um: no Natal, para haver dinheiro para presentes, e nas férias para alimentar o turismo nacional. Esquece-se de duas alturas muito importantes: o regresso às aulas, outra altura de muitos custos, e a Páscoa, época em que os católicos também costumam trocar prendas. Depois há o S.Martinho e as castanhas. E os saldos, há que não esquecer os saldos para a classe média e a abertura de estação para as classes altas são alturas de muitos gastos. Por esta altura já devemos ir no 18º mês. Se pensarmos bem, o ideal será enviar um orçamento todos os anos para a entidade empregadora e esperar que dividam o nosso pagamento anual de acordo.
Estranho é como é que em países em que o salário é atribuído mensalmente, apenas em doze prestações, não haja qualquer tipo de colapso no consumo e, pior, as pessoas até sejam capazes de resistir ao canto das sereias e poupar. Serão seres superiores, mais inteligentes? Estará a capacidade de poupança no nosso código genético? Talvez.
Tiago, como individualista saberás que a desresponsabilização estupidifica. Se a estupidez de alguns justificar a desresponsabilização de todos, entramos num ciclo vicioso. Quando responsabilizamos o indivíduo certamente que cometerá erros, irá sofrer, mas terá oportunidade de aprender com esses erros, melhorar. Ninguém nasce inteligente ou responsável; a inteligência estimula-se, o sentido de responsabilidade cria-se. Se retirarmos às pessoas a possibilidade de pensar e de aprender com os seus erros, estamos a retirar-lhes uma parte importante da vida, da sua liberdade.
5 comentários:
Quer neste quer no anterior artigo deixei bem explicito um principio orientador:
Principio 1: "a cada um segundo os seus descontos".
Tambem defendi uma coisa simples, escrita em varios sitios (que conheces certamente, ja' que me les):
Restricao 1: ninguem, em vida de trabalho ou em periodo de reforma, deve viver abaixo de um limiar minimo.
Nao cabe aqui discutir o que e' esse limiar minimo.
Mas cabe perceber uma coisa simples: se nao houver uma contribuicao minima obrigatoria, existe um risco de uma pessoa chegar 'a reforma e nao ter qualquer dinheiro. Ora, no actual modelo social - a que tu te podes opor -, isso significaria que outras pessoas teriam que sustentar estoutra que nao poupou.
O que eu disse foi muito simples: no que concerne 'as *pensoes de reforma*, deve existir *alguma* contribuicao obrigatoria da parte das pessoas. Isto tem por base a natureza humana e a dificuldade comprovada de *algumas* pessoas em precaverem o seu futuro mas algo mais, que um espirito inteligente e liberal como o teu poderia ter deduzido, com um pouco mais de atencao e dedicacao ao texto e 'as suas entrelinhas: e' que, nao havendo contribuicao obrigatoria, corremos o risco de "assaltar" os bolsos dos outros contribuintes para pagar nem que seja a tal pensao minima a quem nao tenha descontado nada.
Repare-se que tu dizes isto: "deve ser o estado, e não as pessoas, a tomar as decisões de poupança individuais."
Sugeres que deve ser o "estado" a tratar disto - quando eu apenas digo que deve haver uma contribuicao obrigatoria, "nao necessariamente" para o sistema estatal.
Sugeres que deve ser o estado a tratar de "tudo" - quando eu apenas defendo que haja "alguma" contribuicao obrigatoria.
Sugeres que estamos a falar de "poupancas individuais" (em geral) - quando eu me atenho 'a questao das pensoes de reforma.
Para abertura de post, convenhamos, sao umas quantas falacias apreciaveis.
Obviamente que eu nao defendo - e isso e' claro no artigo e mais claro ainda para quem me conheca minimamente - a imposicao do 14o mes, antes pelo contrario! O que eu defendo e' obviamente a possibilidade de opcao. De alguem dizer ao patrao que prefere receber 12 ou 14 prestacoes. O facto de empiricamente muitas pessoas preferirem 14 meses demonstra que as pessoas por vezes tem problemas de auto-controlo, mas, conscientemente, encontram boas formas para o controloar. Eu gosto de conhecer a natureza humana - e factos sao factos.
Mais: nao defendo que hajam mais prestacoes, como tu pretenderias. Alias, no final alerto para os perigos de uma intervencao excessiva na esfera privada dos cidadaos.
Em conclusao, e quanto a este ponto: contribuicoes obrigatorias, sim, num montante minino, e por uma razao principal, que e' absolutamente liberal: para que cada um tenha um minimo quando chegar 'a velhice, nao impondo aos outros o onus (iliberal) de lhes tirar rendimento para suportar uma pensao minima (assumindo que teriamos um minimo).
..................
Depois dizes:
"Ninguém nasce inteligente ou responsável; a inteligência estimula-se, o sentido de responsabilidade cria-se. Se retirarmos às pessoas a possibilidade de pensar e de aprender com os seus erros, estamos a retirar-lhes uma parte importante da vida, da sua liberdade."
Totalmente de acordo. Onde e' que ha' contradicao entre isso e o que escrevi? Nao ha'. Apenas acontece que eu, partilhando dessa tua ideia, gosto de aplicar as (minhas) ideias liberais a pessoas concretas e nao a robots hiper-racionais e completamente donos de si proprios, que nao existem. Se tu preferes ater-te em teorias aplicaveis a tais seres, estas no teu direito. Eu apenas registo isso.
E, sim, poderia adiantar que em certos "contextos", como o portugues, certas medidas podem ter leituras diferentes. Mas tudo depende do "enquadramento", meu caro. E eu quero acreditar que o meu artigo expoe um enquadramento liberal, responsabilizador, individualista, mas que nao deixa de ser cego perante a natureza humana, permitindo-se, sem receios, ponderar como e quando podera' haver algum tipo de intervencao - sim, nao tenhamos medo da palavra - paternalista. Controlada, vigiada, limitada.
Em suma, o que eu defendo e' um sistema onde se possa exigir algo ao cidadao, numa perspectiva inteiramente liberal - com a restricao de aceitarmos que ninguem, no trabalho ou na reforma, podera' cair abaixo de um certo nivel.
.............
Aproveitando para comentar o Timshel (http://timoteoshel.blogspot.com/2006/10/ateno-da-blogosfera-neoliberal-lusa.html): nao e', como ele diz, que eu ache que a justica social "esta" centrada nos impostos (progressivos); o que eu acho e' que a justica social "deve estar" centrada nos impostos (progressivos) e nao numa qualquer forma de redistribuicao dentro do sistema de pensoes de reforma, onde eu acho que o "justo" e', repito, "a cada um segundo os seus descontos".
Se cada um tiver com elevada probabilidade descontado o minimo que lhe garanta tal nivel, nao havera' interferencia. E e' so' por isso - e tendo em conta a natureza humana e a dificuldade de "algumas" pessoas precaverem um nivel "minimo" no futuro - que eu defendo que haja "algumas" contribuicoes obrigatorias.
Tiago Mendes
PS: um aparte final: dizes que "a desresponsabilizacao estupidifica", o que nao e' necessariamente verdade. E' perfeitamente possivel seres irresponsavel - por exemplo, sendo-o conscientemente - e nao seres estupido nem te tornares marginalmente mais estupido quando ha' um acrescimo na tua irresponsabilidade.
"se nao houver uma contribuicao minima obrigatoria, existe um risco de uma pessoa chegar 'a reforma e nao ter qualquer dinheiro."
O risco de uma pessoa não ter dinheiro pode acontecer em qualquer fase da vida e não apenas na reforma. Não podemos controlar cada acção individual almejando não deixar ninguém caís na pobreza.
O raciocínio seguinte ainda é mais aterrador: se bem percebo, como estamos num estado social em que os contribuintes pagam sempre a miséria ou descuido alheio, temos que garantir coercivamente que tal não acontece. Seguindo esse raciocínio se eu quiser investir todo o meu dinheiro num negócio arriscado, ou na roleta, tal não me deve ser permitido porque forçaria os contribuintes a pagarem-me o rendimento mínimo de seguida caso corresse mal.
A ideia que passou, para mim, do teu artigo foi a de que a poupança anual forçada é uma boa medida, e partindo daí, a extensão dessa medida a um período mais longo também seria. As entrelinhas não estavam muito legíveis pá :) Seguindo:
"Obviamente que eu nao defendo - e isso e' claro no artigo e mais claro ainda para quem me conheca minimamente - a imposicao do 14o mes, antes pelo contrario! O que eu defendo e' obviamente a possibilidade de opcao."
Mas, posso ter compreendido mal, já não defendes a possibilidade de opção no tocante às poupanças para a reforma.
"O facto de empiricamente muitas pessoas preferirem 14 meses demonstra que as pessoas por vezes tem problemas de auto-controlo"
As pessoas preferem 14 meses a 12 porque na sua maioria pensam que recebem mais assim, o que saberás que é falso.
Quanto ao ponto que desenvolves a seguir penso que já concordamos em discordar. Acredito mais nos mecanismos de solidariedade espontâneos, que não estando decretados, nem sendo forçados, funcionam melhor como forma de eliminar a pobreza. Não penso que a pobreza acabe por decreto. Antes assim fosse...
"PS: um aparte final: dizes que "a desresponsabilizacao estupidifica", o que nao e' necessariamente verdade. E' perfeitamente possivel seres irresponsavel - por exemplo, sendo-o conscientemente - e nao seres estupido nem te tornares marginalmente mais estupido quando ha' um acrescimo na tua irresponsabilidade."
Aqui confundes o ser irresponsável com o ser desresponsabilizado. O que eu defendo é que a desresponsabilização estupidifica o indivíduo desresponsabilizado e não a irresponsabilidade consciente. A irresponsabilidade consciente é uma opção, a desresponsabilização não.
P.S.: Muito bom ver-te a escrever em blogs, que tal passares à superfície?
"Restricao 1: ninguem, em vida de trabalho ou em periodo de reforma, deve viver abaixo de um limiar minimo.
Nao cabe aqui discutir o que e' esse limiar minimo.
Mas cabe perceber uma coisa simples: se nao houver uma contribuicao minima obrigatoria, existe um risco de uma pessoa chegar 'a reforma e nao ter qualquer dinheiro."
Acho que a discussão é inevitável, pelo menos para clarificar certas questões no âmbito do que deve ser uma safety-net:
- Esse limiar mínimo é definido como "dinheiro", ou como um determinado conjunto de "facilidades" ou "direitos primários"?
- Porque é que esse raciocínio se limita à reforma (e à "vida de trabalho"), e não deve ser um princípio geral que assiste a totalidade da vida de todos, independentemente do seu carácter contributivo ou não?
Porque, para mim, só faz sentido um estado assegurar esses "direitos primários", entendidos como requisitos mínimos para cada um poder dispor da sua liberdade (e que se podem discutir), e não qualquer forma de "rendimento mínimo" ou de "mínimo de conforto".
"O risco de uma pessoa não ter dinheiro pode acontecer em qualquer fase da vida e não apenas na reforma. Não podemos controlar cada acção individual almejando não deixar ninguém caís na pobreza."
Mas ninguem disse isso. Andas muito acelerado a tirar conclusoes. Ou queres comparar uma situacao de uma pessoa de 30 anos e de 70?
"O raciocínio seguinte ainda é mais aterrador: (...) Seguindo esse raciocínio se eu quiser investir todo o meu dinheiro num negócio arriscado, ou na roleta, tal não me deve ser permitido porque forçaria os contribuintes a pagarem-me o rendimento mínimo de seguida caso corresse mal."
Antes pelo contrario: é por saberes que tens um "mínimo" que tens um incentivo adicional à iniciativa e ao risco. Se fosse tão leviano como tu a expandir argumentos, até dizia que isto quase consagrava um caso análogo ao do micro-crédito (disse "quase"). Tu só pedes subsídio de desemprego se quiseres. E só tens direito a ele durante algum tempo e sob certas condições. E queres comparar a situação de desemprego de uma pessoa capaz e saudável de 30 anos à situação de alguém de 70 anos que possa não ter nenhuma forma de se sustentar?
"A ideia que passou, para mim, do teu artigo foi a de que a poupança anual forçada é uma boa medida, e partindo daí, a extensão dessa medida a um período mais longo também seria. As entrelinhas não estavam muito legíveis pá :)"
Essas tuas "extensões" são assaz curiosas, sobretudo dado que conheces as minhas ideias um pouco melhor que o leitor médio. Quanto a extrapolações das "entrelinhas" para ataques mais ou menos descabidos, já disse o suficiente no "caso" JPC.
"As pessoas preferem 14 meses a 12 porque na sua maioria pensam que recebem mais assim, o que saberás que é falso."
Nem todas. Há muitos estudos em que as pessoas demonstram simultaneamente perceber que o rendimento anual é o mesmo e há quem optem pelas 14 ou pelas 12. É, geralmente, uma questão de "por o cadeado" de forma consciente. Isso, como digo, são estudos. Facto.
"(...) Não penso que a pobreza acabe por decreto. Antes assim fosse..."
Ninguém aqui disse que a pobreza acaba por decreto. Mais uma vez "sugeres" uma conclusão que não só não está nas palavras do autor como, visivelmente, para quem o conhece minimamente, não lhe é atribuível. Eu tenho uma visão simultaneamente liberal e contratualista da sociedade, pelo que admito formas de protecção mútua coercivas, complementares às que apareçam espontaneamente.
"P.S.: Muito bom ver-te a escrever em blogs, que tal passares à superfície?"
E para quê?
...............
[JLP]
"- Porque é que esse raciocínio se limita à reforma (e à "vida de trabalho"), e não deve ser um princípio geral que assiste a totalidade da vida de todos, independentemente do seu carácter contributivo ou não?"
Deve ser geral, sim. Mas quem não quer trabalhar (podendo), obviamente que não deve ter direito a muito (para não dizer a nada).
"Porque, para mim, só faz sentido um estado assegurar esses "direitos primários", entendidos como requisitos mínimos para cada um poder dispor da sua liberdade (e que se podem discutir), e não qualquer forma de "rendimento mínimo" ou de "mínimo de conforto"."
Subjectividades interpretativas à parte, penso que posso subscrever isso.
Tiago Mendes
Tiago Mendes,
- Se a safety net for concebida, como referi, para assegurar somente os requisitos mínimos para que cada um possa dispôr da sua liberdade, tal não deve ser independente de critérios de mérito do género de "se trabalha" ou "se merece", e ser um pacote de serviços igual para todos os que a ele tiverem (ou quiserem) recorrer?
- Se fôr assim, faz algum sentido sequer se estar a falar em "reforma" em oposição ao resto da vida das pessoas, e trazer à discussão o problema de uma contribuição mínima obrigatória?
Enviar um comentário