2006/10/18

Descaramento

O secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, António Castro Guerra, afirmou hoje que a culpa do aumento de 15,7 por cento no preço da electricidade em 2007 é dos consumidores, porque "este défice tem de ser pago por quem o gerou".

Até este ano, a lei impedia uma actualização dos preços acima da inflação, o que deu origem a um défice tarifário que, na opinião de Castro Guerra, "só pode ser imputado aos consumidores".

(...)

Questionado sobre o facto de o aumento para as empresas ser menor, o responsável referiu que "isso tem um fundamento". "As empresas estão a competir no mercado e nós não podemos por razões de energia reduzir a competitividade das empresas e mesmo assim já é um aumento substancial", explicou.

Público Última Hora.
Sobre o assunto transcrevo, porque a maior parte fica dito, um comentário anónimo publicado n'O Insurgente:

"Os preços foram fixados administrativamente por Guterres em 1998.
O consumidor consumiu electricidade pensando que esta tinha um custo, que afinal era muito superior. Nunca ninguém avisou o consumidor desse facto e agora todos os consumidores vão pagar ao longo de 5 anos com juros, esse diferencial, essa coisa que agora dizem que é défice ou uma divida nossa ! Surreal !

1) Nenhum consumidor teve sequer hipotese de rectificar o seu consumo, adequando-o ao custo real. Ninguém melhorou a sua eficiência energética. Segundo as contas, este aumento de 15,6% é apenas o princípio, apenas cobre 1/3 do défice e apenas de 2006. Ou seja, na realidade será muito superior a pagar ao longo de 5 anos, com juros, segundo a ENRSE.

2) Com um aumento real dessa magnitude haveria de imediato retracção no consumo. Como sucedeu com a gasolina e gasóleo. Mas como fomos enganados, consumimos normalmente, aliás, aumentámos o consumo, como se não houvesse alta no petróleo, gas ou carvão desde 2004.

Imaginem estarmos a pagar a gasolina todos os dias ao preço de 2004, e agora chegar a sua casa um simpático funcionário da Galp a dizer que você agora vai pagar a diferença, de tudo o que consumiu ao longo dos últimos anos. Mas que podia pagar em 5 anos com juros. Pedia muita desculpa, que lamentava, se não me avisaram desse facto, deve ter sido um aviso extraviado ou uma falha de comunicação.

3) Os consumidores vão ser afectados indiscriminadamente, todos por igual. Todos vão pagar esta "dívida" da mesma forma. Socialismo na forma mais pura e dura. Com preços reais, os consumidores mais eficientes energéticamente poupariam de acordo com o seu esforço. Pelo contrário, os menos ineficientes pagariam mais.

4) Jogada excelente do socialismo de Estado ao serviço do capitalismo privado. Negócio interessante este para a EDP e restantes produtores. Poderem vender produtos anunciando um preço, omitindo o custo real ao consumidor, e depois apresentar uns anos depois uma nova factura ao cliente.
Talvez esteja aí uma explicação para 1064 milhões de euros de lucro da EDP em 2006.

5)Isto começou com Guterres, passou por Durão e Santana, até hoje."

Acrescento:
  • Os maiores consumidores, os principais beneficiários da congelação tarifária imposta e que contribuiram largamente em maioria para o valor em dívida, vão ser também os principais beneficiados com um aumento mais reduzido da tarifa.
  • Mexe-se nos pequenos consumidores, como uma argumentação (defensável e desejável, não é essa a questão) de que se tenta aproximar a tarifa do verdadeiro custo. Fica a dúvida então (se calhar falta algo entre as pernas a alguém...) sobre que justificação é que assiste a ainda existir um subsídio à tarifa dos grandes consumidores energéticos, que vai perdurar para além da "liberalização" do mercado.
  • O argumento da competitividade industrial é curioso: a mensagem dada é que as empresas se devem virar para actividade energeticamente intensivas, uma vez que é nestas que, via subsídio, se vão encontrar as vantagens competitivas sobre os seus concorrentes estrangeiros. Ou seja, pagamos todos para que os estrangeiros que comprem essas mercadorias possam fazê-lo de modo mais barato, além de transferirmos para o nosso país a dependência energética e os problemas de emissões.
  • Adicionalmente, maiores consumos energéticos, maiores emissões. Será que essas empresas serão responsabilizadas economicamente pelo adicional de emissões a seu cargo? Ou será que, como de costume, pagamos todos?
  • Será que o Engº Sócrates já se esqueceu do Ambiente, e já largou o discurso de Kyoto?

Sem comentários: