2006/09/16

Totalitarismo empresarial - o caso dos fumadores

O Dolo Eventual tem estado há meses a consolar fumadores com classe e simpatia. Temo é que sem sucesso...

Lê-se na Dia D que há 3 empresas nacionais que se recusam a contratar fumadores. Algumas outras empresas utilizam o critério tabágico na escolha entre concorrentes iguais. Finalmente, muitas outras subsidiam programas de desintoxição aos seus trabalhadores com menor ou maior sucesso. Lendo a reportagem, parece haver razões para crer que o trabalhador-fumador seja ou venha a ser no futuro uma espécie em vias de extinção.

Ainda segundo os argumentos aventados pelas empresas, as razões para a sanha persecutória prendem-se com a suposta menor produtividade dos trabalhadores, mas também com a misteriosa ideia de que os fumadores contribuem para um mau ambiente de trabalho.
Quanto à primeira, não é difícil perceber que o pouco tempo perdido a fumar poderá perfeitamente ser compensado em tempo-extra ao serviço da empresa, sem aumento da remuneração.
Quanto à segunda, as razões vão mais fundo e terão que ver com o facto de a ideia da "empresa como família" estar a fazer rapidamente o seu caminho nas principais empresas sediadas em Portugal. Está hoje na forja um novo totalitarismo empresarial, de acordo com o qual os trabalhadores, não têm apenas que trabalhar bem, mas ser bons colegas e boas pessoas. Têm de oferecer prendas de aniversário aos colegas e ao patrão, têm de participar nos desportos disponibilizados pela empresa, têm ainda de frequentar as festas organizadas pela mesma ou de ajudar nos programas de apoio a pessoas carenciadas que a empresa utiliza para promover a sua imagem. Qualquer dissidência, neste sentido, poderá ter repercussões óbvias na carreira do trabalhador. Logo, o trabalhador come e cala: faz o frete com boa cara, mesmo que ele não conste do seu contrato de trabalho.
É assim que funciona: a empresa é propriedade do empresário e ele faz o que bem entende; quem não está de acordo pode denunciar o contrato ou será lentamente empurrado até à porta de saída.

A lei não pode, nem deve ajudar. Decerto que é proibida a discriminação publicitada de fumadores por empresas privadas. Mas só um empresário bronco é que revelará os motivos da preterição. Por outro lado, mesmo que o trabalhador fumador seja contratado, o empresário poderá usar o período experimental para despedi-lo sem necessidade de aviso prévio, sem necessidade de justificar o despedimento e sem necessidade de indemnizar. Não é, pois, minimamente crível que se possa atacar juridicamente este tipo de discriminações. E apesar de a Constituição querer aplicar o princípio da igualdade a tudo quanto mexe, a verdade é que a liberdade contratual deve permanecer o menos restrita possível, pelo que qualquer solução jurídica da questão seria sempre má de um ponto de vista liberal (cf. este meu post).

Dito isto, a solução poderia ser outra: numa sociedade civil forte, os fumadores podem juntar-se e constituir eles próprios um forte grupo de pressão. Podem, por exemplo, encher de hate-mail as ditas empresas que se recusam a contratar fumadores ou, pura e simplesmente, boicotar os seus produtos. Há várias maneiras de embaraçar este tipo de intolerância até ao ponto em que se torne a um empresário, e em termos de gestão, irracional persistir com a discriminação.

Isto, claro está, é wishful thinking meu.

Não temos essa tradição activista em Portugal. Por cá, a tradição é comer e calar.

Ps: as três empresas que, por princípio, excluem fumadores são estas: Eurodiver (produção de espectáculos), Elipse (importação/exportação) e Aofimdodia (Design E Publicidade).

9 comentários:

Pedro Santos Cardoso disse...

Viva,

as empresas que discriminam o trabalhador fumador apenas por ser fumador praticam, felizmente, à luz da lei portuguesa, um facto ilícito.

Abraço

Pedro Santos Cardoso disse...

Não tinha visto o «ver mais». Pois, o grande problema de boas leis como esta é a dificuldade em ser levada à prática.
Gostei da ideia do junk mail. :-)

Pedro Santos Cardoso disse...

Caro JB,

o trabalhador sempre pode dizer na entrevista que não fuma e, durante o período experimental, fazer um esforço de Job - para depois se vingar cruelmente. ;-)

Fumo desde os treze anos de idade. Apesar de ainda estar na casa dos vinte, é muito tempo. E estou cansado.

Neste caso, vejo-me divido: por um lado, a minha consciência de jurista sabe que é um atentado aos direitos fundamentais do fumador; por outro, há uma voz cá dentro «proiba-se, proiba-se em toda a parte, aumente-se 50000% o preço do tabaco - é da maneira que fumas menos; ou vai ou racha».

Fumar é um vício terrível, daí uma certa resignação minha - favorecendo o instinto em detrimento da razão.

Não se pode ser perfeito.

Porém, há pouco, em conversa com o David Afonso (autor das imagens reconfortantes para fumadores em tempos difíceis), queixava-se ele da discriminação incipiente mas prestes a explodir dos fumadores. Ele decerto teria mais vontade do que eu.

Pedro Santos Cardoso disse...

JB,

concordo plenamente que a decisão de deixar de fumar deve ser um acto individual. A minha resignação resulta de puro acto de irracionalidade e apenas me impede de força anímica para iniciar uma micro-causa. Mas não me turva o raciocício.

Não nos distinguimos tanto assim politicamente: considero-me um liberal que entende que o Estado deve assegurar as prestações sociais essenciais. Uma espécie de esquerdista-liberal, portanto. A discussão sobre o que seriam as prestações sociais essenciais é que nos levaria longe... :)

Quanto à micro-causa, proponho como imagem de campanha os cartazes feitos por ordem de Hitler relativamente ao tabaco.

PS: Não quis dizer que o fumador tivesse que passar 90 dias sem fumar: apenas que não fumasse no local de trabalho. Depois, vingar-se-ia. Pessoalmente, já fui pouco inteligente 3 vezes: deixei de fumar por uma vez 9 meses, e por duas outras 8 meses cada...

David Afonso disse...

jb,

obrigado por este admiravel texto.

e acho que sim! que devemos avançar para a ofensiva! fumadores unidos jamais serão vencidos! :)

será esta a primeira parceria small brother/doloeventual?

Pedro Santos Cardoso disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Pedro Santos Cardoso disse...

Uma das razões pelas quais subscreverei a vossa micro-causa é precisamente a que se prende com o ataque à liberdade que a frente anti-tabagista significa. Como disse, sou um monstro com cabeça de Jano: metade racional, metade irracional. Em certos campos, a metade irracional prevalece. Não neste.

Quanto às imagens, não fiz pesquisa, nem tenho nenhuma. É uma questão de investigar.
Entretanto, apenas escrevi no Google «Hitler smoking» e apareceram alguns resultados relacionados. Não sei se contêm citações de Hitler, já é tarde. Mas também poderiam ser usadas.

http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=hitler+smoking&meta=

Pedro Santos Cardoso disse...

Fui eu que apaguei, JB. Como estava a escrever com uma pressa doida, a 1ª versão ficou cheia de gralhas. Efeitos colaterais da blogosfera.

Consegues (prefiro que nos tratemos por tu, se não te importares) ver um caixote do lixo (apenas surge quando inseriste o username e password) por debaixo do post? É aí que se apaga.

Pedro Santos Cardoso disse...

Certíssimo.