2006/08/18

Os limites do conhecimento

Água oxigenada. Acetona. Ácido sulfúrico. Triperóxido de triacetona.

Através do Boing Boing fui encaminhado para a receita, disponível no WikiBooks, do composto acima referido, também abreviado por TATP, que supostamente é um dos explosivos suspeito de estar envolvido no recente alegado plano para detonar explosivos em vários vôos a operarem entre o Reino Unido e os Estados Unidos. Não é líquido como anunciado (mas todos os seus ingredientes são esses sim líquidos), apresentando-se sob a forma de um resíduo cristalino extremamente instável e sensível.

Os ingredientes, referidos acima, estão acessíveis à vontade do freguês na generalidade das drogarias e farmácias portuguesas. A receita propriamente dita, apesas de apelar aos instintos mais temerários e irresponsáveis dada a instabilidade e o perigo no manuseamento quer dos ingredientes quer particularmente do produto final, apela ao sentido de loucura de cada um mas não requer mais do que condições e equipamentos básicos, podendo ser seguida e reproduzida em qualquer balcão de cozinha ou garagem.

A referida receita já se encontra, previsivelmente, em processo de discussão suscitado por imediatos pedidos de que seja removido do site. Os argumentos são os do costume: de que não se pode ter aquele género de informação acessível ao público, porque ajuda potenciais terroristas e de que o valor científico da informação á suplantado por considerações de "segurança nacional".

Vários estados têm optado por seguir uma via proibicionista relativa à divulgação, classificação e até ao uso de várias formas de conhecimento. Desde a receita de explosivos artesanais até ao uso da criptografia, várias têm sido as tentativas de limitar a disseminação civil desse género de conhecimento. Desde a equiparação da venda de implementações "fortes" criptográficas ao estrangeiro pelo estado americano à venda de armas e munições, ou o facto de haver legislação no Reino Unido que considera um crime de desrespeito ao tribunal e critério de agravamento de penas a não disponibilização do réu das suas chaves criptográficas.

Em última instância, fica a questão de se fará sentido (ou melhor, se será legítimo) impôr este género de limitações à liberdade de expressão e de disseminação do conhecimento, e várias questões relativas à sua efectividade. Será que alguém se coibe de ler ou de aprender por mero decreto legal? Será que se conseguem criar barreiras mentais de medo ao conhecimento e à ciência por via legislativa e repressiva?

Mais ainda importa na questão da efectividade avaliar os argumentos apresentados: de que todo este género de conhecimento serve essencialmente aos agressores da Ordem para a destruir, sejam os convenientes terroristas ou os apropriados pedófilos. Nunca estes dois grupos foram tão úteis para passar legislação como agora. Mas fica a óbvia questão: será que estes, uns na base do martírio, na generalidade com perfeita consciência do ilícito e do desvio moral em relação à sociedade em que estão inseridos se vão coibir de utilizar essas tecnologias e conhecimentos porque são proibídos? Será que um terrorista com uma bomba à cintura se preocupa em que está a cometer um "crime", e que um pedófilo que cifra o seu disco duro se vai preocupar por estar a cometer um crime que será sempre bem menos grave do que se ocupa em ocultar?

Fica a provocação.

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