2006/08/04

Morangos sem açúcar

Aparentemente o artigo de Maria Filomena Mónica sobre a séria Morangos com Açucar da TVI na última Revista Atlântico tem tido uma recepção no mínimo fria pela blogosfera lusa. Não posso negar que, como diz o Karloos, a decisão de Paulo Pinto Mascarenhas de transformar MFM na articulista flagship da revista lhe pode sair cara e é no mínimo discutível. Mesmo compreendendo o artigo na lógica de todo um número da revista feito esclarecidamente ao sabor das férias, é difícil compreender o artigo para lá de também ele próprio inserido no mesmo género de estratégia de marketing agressivo que este vem em grande parte criticar.

Lance-se "a bomba". Faça-se o exercício "originalíssimo" de criticar o que nunca antes havia sido criticado(?).

Em termos de conteúdo, o que MFM demonstra é que o seu mundo tem grande dificuldade em compreender o mundo em que gira a série televisiva da TVI. A perspectiva do wishful thinking e o distanciamento social e moral que sofre removem-lhe a possibilidade de compreender que em última instância a série é um produto nela toda de marketing agressivo, construída à medida de estratégias de marketing agressivas delineadas por rigoroso estudo antecipado do mercado por uma empresa que quer ter sucesso comercial. Em compreender a série fora do seu universo que prefere ver programas de decoração do People and Arts (apelidado de snobbismo intelectual), mas que depois acaba por ver o "telelixo" às escondidas.

Quando a TVI opta por produzir e exibir uma série como aquelas, toma uma decisão consciente de relegar como alvo tanto eu como a MFM e muito do mundo que nos rodeia, mas com a perfeita consciência de todo um imenso mercado que quer consumir o seu produto. Está no seu legítimo direito. Basicamente, é notório que MFM comete, no mínimo, dois erros de análise do papel que a TVI exerce em todo este processo.

O primeiro erro é o de julgar que a TVI tem alguma obrigação social, corolário do pensamento que abunda por vários círculos e ideologias de que há uma "responsabilidade social das empresas". Ora como bem referem os liberais, a única responsabilidade social de uma empresa é para com os seus accionistas. Se a TVI cria um produto e o vende com o sucesso com que vende, está portanto a assumir e a cumprir plenamente com todas as responsabilidade que lhe devem ser exigidas por quem tem de direito para o fazer. Porque, lembre-se, a TVI não é um concessionário de qualquer forma de "serviço público". É uma agente de mercado, mercado esse até extremamente regulado, que tem como único objectivo somente o lucro.

Corolário deste primeiro erro é o segundo, o de supôr que se a TVI puder escolher entre um programa que apele aos skaters masturbadores no banco de trás do autocarro com lucros fabulosos ou em promover a "leitura, a música séria (o que quer que seja isso) e os temas interessantes" sendo um desastre comercial, que vai optar pelo segundo. O espírito de que os financiadores da TVI são uns carolas da cultura e da pedagogia, e principalmente que deveriam partilhar concretamente dos gostos de MFM.

Mas honra lhe seja feita: fora um pequeno laivo de tentar chamar à responsabilidade (qual?) a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, para que "paga", MFM acaba por colocar grande parte da tónica no titular que lhe é devido: os pais. Porque são sim estes (e não os produtores de telelixo, da música "pouco séria", de comida desiquilibrada e dos jogos de consola "do demo") os responsáveis que têm a última palavra a dizer no que toca à educação dos filhos, e desse facto devem assumir a plena responsabilidade.

Mais me preocupa a posição, anunciada como liberal, exposta pelo próprio PPM no seu editorial da revista:

Em causa, acrescente-se, não está a TVI, canal comercial que é livre de pôr no ar o telelixo que bem entender, desde que respeite a lei e cumpra a concessão que lhe foi atribuida. Mas onde está o Estado quando é realmente necessário e o que é feito da sua função fiscalizadora? Para que serve, afinal, a famosa "Entidade Reguladora para a Comunicação Social"? O que pensar, sobretudo, do papel hoje desempenhado pelos pais - ou melhor, palas mães "e" pelos pais, como faz questão de recordar a autora?
Será que está é uma das coisas para que o estado é "verdadeiramente necessário"? Será que ele tem sequer alguma legitimidade para ter alguma coisa a dizer? Ou teremos nós anunciados liberais a tentação de clamar pelo "estadozinho" quando o "mercado" não funciona como a nós pessoalmente nos gostaria?

1 comentário:

Tabaleao disse...

Concordo a 100%.

Já tive esta discussão com colegas e concordo plenamente consigo.

Apelar a uma 'entidade reguladora' ou 'fiscalização' é fomentar a censura.

Liberdade de expressão significa que se pode passar num canal público (canal público não significa serviço público!) o que se quiser: seja a floribela, os morangos e os malucos do riso.

Sim, podem até ser um atentado à inteligência, mas isso depende de que vê ou quer ver (ou de quem educa), mas não, obviamente, do canal!!!

E sinceramente duvido que alguém estagne a sua inteligência por assistir àquilo. Pode não se adquirir cultura geral, mas isso já é outra conversa. Eu já experimentei assistir a alguns episódios dos morangos e a seguir não senti nenhum género de 'lobotomia' ou 'amnésia' dos meus conhecimentos ou da minha personalidade.

E o mais provável era, se se começassem a passar programas 'interessantes' nesses canais se fossem regulados pelo estado, que a maioria da população ficasse descontente. Não só quem vê esses programas comerciais: eu ficaria descontente por saber que havia critérios de selecção de programas! Quem me garante que seriam justos?
Não deve ser a população a decidir se um programa é bom ou não? Há muita gente a ver a floribela, mas há muita gente a rir disso!!!
Se a floribela tivesse sido 'regulada' pelo estado, e nunca a chegássemos a ver, no dia que saísse um jornal a dizer 'estado censura novela para crianças' ficávamos todos indignados: 'ah, mas quem pensam eles que são? o 25 de abril já foi, certo? eu vi um bocado daquilo num canal espanhol e não tem nada de mal!'

Além disso a maioria dos jovens não se iriam colar ao ecrã da tvi a ver 'programas interessantes'. Obrigavam os pais a ter tvcabo e viam outros canais.