2006/08/30

Kubrick, Clarke, Evolução e Intelligent Design (reloaded)

Em face da interessante referência disponibilizada por Patrícia Lança a que tive acesso n'O Insurgente, e do ressurgimento da discussão sobre a potencialidade de conciliação entre a Religião e a Teoria da Evolução, achei por bem repôr aqui um artigo que escrevi em tempos na Critica Portuguesa:



Declaração de interesses: sou Deísta.

No dia que se seguiu ao anúncio da descoberta de fósseis de um nosso antepassado, que estabelecem e documentam a transição dos animais marinhos para terrestres, senti-me adicionalmente motivado para esta reflexão sobre a problemática acesa nos nosso tempos que opõe os partidários da Teoria da Evolução, e o que se tem convencionado chamar Intelligent Design (ID), ou Desenho Inteligente.

A análise tinha sido motivada já há algum tempo, no seguimento de um re-visionamento do brilhante 2001: Odisseia no Espaço, obra às vezes tão mal compreendida, amada e valorizada do mestre Stanley Kubrick. A história, fruto do trabalho conjunto de novelização de Kubrick e da Arthur C. Clarke, grande vulto da ficção científica alvo da minha particular predileção, começa por apresentar o prelúdio da civilização, em plena pré-história, o momento da transição de meros animais vulgares para seres com raciocínio minimamente elaborado e capazes de usar ferramentas. A transição é despoletada pelo contacto de uma das criaturas com um artefacto alienígena, um monolito negro de dimensões e execução perfeitas. Mais tarde, já no ano de 2001, é descoberto um novo monolito que lança um conjunto de homens em direcção da órbita de Jupiter, destino do sinal entretanto enviado pela misteriosa estrutura, culminando o filme com a transição de um dos membros da comitiva para um novo estágio de evolução, desprendido de materialidade física e com uma realidade de consciência pura.

A descussão que tem vindo a opôr o ID e os partidários da Evolução, nomeadamente nos EUA, não pode deixar de ter um reflexo interessante na maneira como se pode interpretar o filme de Kubrick e Clarke. Se o ID tem sido bandeira do fervôr religioso fundamentalista cristão, caindo em exercícios de ridículo na sua intenção de encaixar toda a história da humanidade na Bíblia, sejam eles buscas da Arca e do Dilúvio ou parques temáticos a mostrar o Homem de braço dado com os dinossauros entrando na referida Arca, a Teoria da Evolução tem muitas vezes perdido a sua redacção de "Teoria" para se tornar no Credo de muitos ateus, convertidos muitas vezes em fundamentalistas brancos, e promovida a Verdade escrita em compêndios de Ciência.

O referido filme vem demonstrar como é perfeitamente possível a coabitação da Religião com a aceitação da Ciência e da Teoria da Evolução como a melhor hipótese explicativa demonstrável aos nossos olhos. Se torna pacífica a aceitação da Evolução como mecanismo depurador e promotor de um crescendo de capacidades e aptidões dos seres, também concilia esse facto com a constatação de que os saltos quânticos dessa evolução ou o momento primevo de surgimento da consciência humana poderá eventualmente ter sido despoletado por fenómenos que desconhecemos ou que não podemos alcançar à vista das teorias e da Ciência vigente.

Ninguém provavelmente negará que a teoria da evolução como a conhecemos poderia concerteza explicar bem a evolução que antecedeu ou sucedeu ao homem em relação aquele instante. Mas provavelmente também ninguém poderá negar que, desconhecendo a existência do monolito, da existência ou influência externa, alienígena, divína, se estabeleceria nesse momento uma separação entre visão científica, de mutações, de aleatoridade e a efectiva Verdade dos factos. Esta possibilidade, sequer, é para mim suficiente para colocar a Ciência no seu devido lugar: o de uma ferramenta racional e sistemática de análise, descrição e explicação rastreável da Realidade que nos rodeia; a melhor ferramenta à mão para compreendermos, à escala da visão, da razão e da informação de que dispomos.

Mas a mera existência da dúvida, da hipóse irrefutável, colocam para mim a Verdade num patamar inalcançável aos laboratórios e às mentes racionais.

11 comentários:

Anónimo disse...

"...a constatação de que os saltos quânticos dessa evolução ou o momento primevo de surgimento da consciência humana poderá eventualmente ter sido despoletado por fenómenos que desconhecemos ou que não podemos alcançar à vista das teorias e da Ciência vigente."
Existem esses saltos quânticos? Terá existido o "momento primevo de surgimento da consciência humana"? (uma questão ainda mais complexa: a emergência de uma consciência artficial - hipoteticamente, no futuro -, a partir de componentes simples, pode provar a possibilidade da consciência humana ter emergido na natureza, sem interferências superiores?) Antes de irmos para os "fenómenos que desconhecemos" temos que lidar primeiro com estes problemas (se é que existem, como referi). Depois, o desconhecimento não implica, para a Ciência, a aceitação desse desconhecimento, antes pelo contrário. Os fenómenos não são explicados pelas teorias vigentes? Então, surge o incentivo para a investigação de novas teorias. A causa dos fenómenos é desconhecida? Então assume-se a ignorância e trabalha-se no sentido de a diminuir. Etc...
Mas concordo com um ponto crucial: a Verdade é, provavelmente, inalcançável (por definição?). A Ciência apenas pode, e pretende, fazer uma aproximação à Verdade, através da eliminação sistemática do erro.

FMP disse...

A verdade tem de ser algo de real, inteligível para o homem. O ID é uma possibilidade, sem dúvida, mas a Teoria da Evolução é uma verdade. Há uma grande diferença.

Se calhar Moisés também separou o oceano, se calhar existem mesmo vampiros, ou o Adamastor habitava mesmo o cabo da boa esperança.... Mas a falta de observação destes fenómenos e a nossa incapacidade para perceber como se podem produzir faz deles fenómenos irreais ou paranormais (como queiras....)

O mesmo se aplica a esses "saltos quânticos". Podem ter existido mas não há nada para além da crença que diga que sim, e como tal não podem ser aceites na nossa realidade.
Repara que na tua defesa usaste Kubrick e Clarke que curiosamente são artistas de ficção e não cientistas (Ok, Clarke é físico mas não escreveu o 2001 nessa condição)

JLP disse...

Caro CMF:

"Existem esses saltos quânticos?"

Acho que sem duvida. Mesmo na evolução dos primatas em direcção ao homem houve imensos desse género de saltos que foram imprescindiveis para o resultado obtido. Acho que, mesmo partindo das premissas da Teoria da Evolução (TE) o caminho evolutivo que se trilhou foi tudo menos suave e "bem comportado".

"uma questão ainda mais complexa: a emergência de uma consciência artficial - hipoteticamente, no futuro -, a partir de componentes simples, pode provar a possibilidade da consciência humana ter emergido na natureza, sem interferências superiores?"

A pergunta quanto a mim não é essa, serão antes: será que essa "consciência artificial" é algo mais do que o mapeamento da consciência "biológica" num outro meio? Será que essa reprodução é integral ou somente uma mera aproximação? E mesmo assim, resolvido o problema da consciência por atribuição a mecaismos de "ordem espontânea", quem é que foi o responsável pela "matéria prima"?

"Depois, o desconhecimento não implica, para a Ciência, a aceitação desse desconhecimento, antes pelo contrário."

Sem dúvida. Eu não nego o papel importantíssimo da Ciência, e considero-me essencialmente racional, objectivo e "pró-científico".

Mas a Ciência sofre de um problema intrínseco que é o da sua auto-verificabilidade. As "verdades científicas" têm essencialmente duas naturezas: uma axiomática e outra empírica. Ora os axiomas, como aliás a própria história da Ciência é pródiga em confirmações, é algo puramente convencional. Não são verdades no sentido absoluto mas meras verdades de adesão. Já várias vezes foram rompidos e substituídos por outros quando se verificava serem limitados (uma ferramente limitada) à luz dos problemas que pretendiam resolver.

Quanto às verdades empíricas, são também sem dúvida limitadas. Primeiro, pela limitação óbvia de conseguir traduzir a realidade na sua plenitude através dos sentidos ou de transdutores, por mais sofisticados que vão sendo. Além disso, pelo próprio facto de a informação relativamente aos eventos observados ser limitada, por estar limitada a um determinado período de tempo em que há testemunhos empíricos de um ou outro modo observáveis. A própria noção da definição de um sistema isolado para observação de experiências é algo que não faz sentido à escala do espaço e tempo do Universo.

"Mas concordo com um ponto crucial: a Verdade é, provavelmente, inalcançável (por definição?). A Ciência apenas pode, e pretende, fazer uma aproximação à Verdade, através da eliminação sistemática do erro."

Concordo. É aliás em grande parte um raciocínio incluido no que pretendi descrever.

JLP disse...

Francisco:

"A verdade tem de ser algo de real, inteligível para o homem."

Porquê?

"O ID é uma possibilidade, sem dúvida, mas a Teoria da Evolução é uma verdade. Há uma grande diferença."

Não, a TE não é uma verdade. É quando muito uma "verdade científica". Tanto uma como outra são essencialmente teorias filosóficas, com a diferença de uma se basear em considerações metafísicas e outra se basear num sub-conjunto do domínio da demonstração empírica, com determinadas regras, que se convencionou chamar "Ciência".

Estou plenamente de acordo que não faz sentido equiparar o ID e a TE nos conteúdos leccionados em disciplinas científicas. Mas em termos de Filosofia, e constatando-se a impossibilidade de se atingir (ou demonstrar que atingiu) a verdade, ambas fazem sentido e têm o mesmo valor. Faz portanto todo o sentido que sejam apresentadas em disciplinas de pendor filosófico ou humanístico, como por exemplo a História ou a Filosofia.

A TE é tão verdade como outras "verdades ciêntíficas" já o foram no passado. A verdade não é, por definição, um conceito relativo. A TE é hoje tão verdade como o foi a Teoria Geocêntrica, as sucessivas teorias atómicas, a existência do Éter ou a mecânica newtoniana. São conclusões à espera de serem desmentidas, e no fundo a melhor formulação que descreve a realidade aparente baseada em critérios científicos de objectividade, rastreabilidade, observabilidade e demonstrabilidade com os meios existentes num determinado instante de tempo.

"O mesmo se aplica a esses "saltos quânticos"."

Não, esses saltos quanticos existem, mesmo no domínio da TE.

"Repara que na tua defesa usaste Kubrick e Clarke que curiosamente são artistas de ficção e não cientistas"

A questão é que o problema da Creação não é um problema exclusivamente científico, como pretendo demonstrar tanto pelo artigo como por estes comentários. Além disso, eu não estou a afirmar nenhuma tese que necessite de defesa. Estou simplesmente a considerar sobre as teses existentes. Nem tão pouco pretendo obviamente limitar o artigo a questões científicas.

Nesse cenário acho que a metáfora (ou a minha interpretação sobre ela, não sei se seria a sua intenção) avançada pelo Arthur C. Clarke e pelo Kubrick faz todo o sentido. Não é uma consideração nem uma afirmação científica mas sim uma conjectura filosófica.

FMP disse...

«Não é uma consideração nem uma afirmação científica mas sim uma conjectura filosófica»


Enquanto consideração filosófica e teológica reconheço-lhe toda a validade

Não esqueças no entanto que esse "subconjunto de do domínio da demonstração empírica" a que chamamos ciência, é o único caminho conhecido pelo homem para descobrir o mundo à sua volta pois ao contrário de considerações teológicas está sujeito a erro e a evolução....

JLP disse...

"Não esqueças no entanto que esse "subconjunto de do domínio da demonstração empírica" a que chamamos ciência, é o único caminho conhecido pelo homem para descobrir o mundo à sua volta pois ao contrário de considerações teológicas está sujeito a erro e a evolução...."

Não esqueço e não discordo... ;-)

Anónimo disse...

Jlp,
a apreciação das mudanças como "saltos quânticos" pode até estar contaminada por uma visão de escala errada! Vejamos o caso da emergência da consciência. Foi um salto quântico? Ou o produto do aumento crescente da complexidade? Se o cérebro for, como parece (ver trabalhos de Dante Chialvo), um sistema auto-organizado a "trabalhar" no limiar do caos, um pequeno aumento da complexidade (ou uma pequena modificação na estrutura) pode conduzir ao surgimento de fenómenos que não parecem saídos de uma evolução natural e liner (e não é linear, no sentido de "sistema"). Hoje sabe-se que a emergência de complexidade se dá, em muitos sistemas, quando um pequeno e restrito conjunto de condições se encontram reunidas. Nessa altura, a explosão de complexidade parece quase divina, mas não é mais do que um processo contínuo! Isto em relação à emergência da consciência...
Sobre a evolução das espécies, e a criação de novas, os fenómenos de especiação são responsáveis por aparentes saltos quânticos. E esses fenómenos não acontecem apenas quando existem barreiras geográficas. Existe a especiação sem barreiras (sympatric speciation), que se crê ser devida a selecção fenotipica no acasalamento. O que quero dizer é isto: a selecção natural (ou o darwinismo, ou a síntese moderna) é já suficientemente rica para explicar uma enorme quantidade de fenómenos que só aparentemente caiem fora da teoria (o que não quer dizer que já explique tudo, claro; por exemplo, só agora começam aparecer muitas e concorrentes teorias sobre a emergência do sex, e sobre as suas eventuais vantagens competitivas).

(espero não ter abusado de termos técnico; estando fora da minha área - não sou um especialista em evolução, nem sequer um biólogo -, sinto mais dificuldade em explicar certos conceitos com uma linguagem simples; e as probabilidades de dizer disparates também aumentam, claro.)


Quanto à questão da "consciência artifial" (CA), referia-me uma CA sem mapeamento (ao contrário do que pretendia a Inteligência Artificial clássica). E coloquei apenas uma questão para qual não tenho, nem penso vir a ter, resposta! Era apenas material para reflexão e o jlp fez as perguntas que eu também faria. Aliá, esta questão dá para os dois lados: há uns tempos veio-me parar à mãos um "power-point" de um aluno do MIT onde este tentava ver na Vida Artificial uma prova da existência de Deus!

JLP disse...

"a apreciação das mudanças como "saltos quânticos" pode até estar contaminada por uma visão de escala errada! Vejamos o caso da emergência da consciência. Foi um salto quântico?"

A questão da consciência, na perspectiva da "self-awereness" é complicada, principalmente de identificar o salto. De qualquer modo, se entendermos uma versão simplificada do processo como o surgimento de funções mentais complexas (raciocínio abstracto, capacidade de inferência, noção de estratégia e objectivo...), pessoalmente acredito que o processo tenha sido maioritariamente linear (como refere de aumento progressivo da complexidade), e não de saltos quânticos. A própria estrutura actual "por camadas" do cérebro assim parece revelar.

O que refiro serem "saltos quânticos" são essencialmente o que a TE associa ao papel da mutação, ou seja, o surgimento de características físicas nos filhos que não se compõe a partir das dos pais. Ou então na inovação em termos comportamentais com a adopção de comportamentos revolucionarios. O problema é que isso levanta questões, como a justificação de como é que essas características se propagaram a populações que não contactavam ou que habitavam ambientes completamente destintos. Além disso, também é díficil de explicar a relativamente baixa diversidade para onde evoluiu o ser humano (ou outras espécies), e que não se tenham estabelecido vários padrões de sucesso em termos genético mas com algumas diferenças significativas em termos físicos.

"Hoje sabe-se que a emergência de complexidade se dá, em muitos sistemas, quando um pequeno e restrito conjunto de condições se encontram reunidas. Nessa altura, a explosão de complexidade parece quase divina, mas não é mais do que um processo contínuo! Isto em relação à emergência da consciência..."

Tenho algumas reticências em relação a essa "perspectiva caótica". A evolução humana, especificamente, tem demonstrado aparentemente (a minha opinião) ser mais sustentada em passos pequenos e decididos a médio longo prazo do que em "exaustão das soluções vizinhas". Concretamente, a opinião aparente é de que o motor da evolução humana é essencialmente a troca de informação genética por cruzamento (daí o eventual interesse do "salto quântico" da reprodução sexuada que refere), com a ocasional introdução de material genético novo por mutação. A evolução baseada dominantemente pela mutação, essencialmente caótica e tîpica dos organismos baseados no ARN como os vírus não parece ir nesse sentido de acréscimo de complexidade. O que parece que é favorecido, contrariamente, é a rápida adaptabilidade ao ambiente externo, mas que não se tem revelado evolutivamente como uma evolução em direcção da complexidade.

"(espero não ter abusado de termos técnico; estando fora da minha área - não sou um especialista em evolução, nem sequer um biólogo -, sinto mais dificuldade em explicar certos conceitos com uma linguagem simples; e as probabilidades de dizer disparates também aumentam, claro.)"

:-)

Bem-vindo ao clube! Sou engenheiro electrotécnico, com formação adicional em informatica e em IA. Portanto... a conversar é que a gente se entende!

"Quanto à questão da "consciência artifial" (CA), referia-me uma CA sem mapeamento (ao contrário do que pretendia a Inteligência Artificial clássica)."

A questão é se alguma vez haverá outra. Se o homem não está naturalmente limitado a fazer as coisas à sua imagem.

Mesmo que se conceba um sistema artificial que autonomamente evolua para uma consciência expontânea (uma espécie de Replicators do Stargate [estou a passar a mensagem?]) a questão será sempre a de que a sua construção primária e a implementação dos mecanismos de evolução será provavelmente feita pelo seu creador humano à semelhance do que vê e consegue compreender em seu redor na natureza.

Anónimo disse...

"Bem-vindo ao clube!"
Literalmente! Porque eu também sou engenheiro electrotécnico, com formação adicional em informática e IA (bem, é mais 'formação adicional em computação evolutiva e em Vida Arificial').

"O que refiro serem "saltos quânticos" são essencialmente o que a TE associa ao papel da mutação, ou seja, o surgimento de características físicas nos filhos que não se compõe a partir das dos pais."
Mas as mutaçõe existem, não é? Resta saber qual é o seu papel na evolução, claro. Eu considero plausível (e fascinante, na sua simplicidade) que a diversidade da vida possa ter sido gerada pela interacção entre mutação, recombinação e selecção (nenhum dos três mecanismos, sozinho, pode produzir diversidade, mas os três juntos têm um poder enorme). Se existem outras "leis" (auto-organização, ou o que quer que seja), que guiam o processo no sentido da diversidade, não sei, mas há correntes de investigação que tentam pesquisar o mundo nesse sentido. O Daniel Dennett até colocou a hipótese de, a existirem (e ele tem as suas dúvidas), essas leis da auto-organização terem estado sujeitas também ao processo de selecção natural, como se o mundo tivesse sido criado por mundos em competição (não é assim tão "ficção científica" como parece, estou a simplificar muito a coisa...)

"evolução baseada dominantemente pela mutação, essencialmente caótica e tîpica dos organismos baseados no ARN como os vírus não parece ir nesse sentido de acréscimo de complexidade."
Não é bem, bem disso que eu estava a falar, mas estou a tentar encontrar uma forma de explicar melhor e não consigo!! De qualquer forma fui eu que introduzi a confusão ao falar de diversidade de espécies e de emergência de consciência ao mesmo tempo.

JLP disse...

"Literalmente! Porque eu também sou engenheiro electrotécnico, com formação adicional em informática e IA (bem, é mais 'formação adicional em computação evolutiva e em Vida Arificial')."

Também já deambulei bastante por algoritmos genéticos. Definitivamente assim já se pode falar a mesma língua! ;-)

"Mas as mutaçõe existem, não é? Resta saber qual é o seu papel na evolução, claro."

Bem, a ideia que eu tenho é que o que é reconhecido é que o papel da mutação é essencialmente o de tentar ultrapassar os problemas que surgem da endogamia, nomeadamente sobre-especialização (e incapacidade de adaptação a mudanças no ambiente) e a incapacidade de sair de máximos locais de evolução que são inevitavelmente atingidos. Basicamente o "agitar a panela" com esperança que o resultado seja melhor no ciclo seguinte de evolução. Em termos genéticos, permitir que a manipulação de genes por mutação crie novas "features" (impossíveis de obter por recombinação) ou distorça antigas.

"Eu considero plausível (e fascinante, na sua simplicidade) que a diversidade da vida possa ter sido gerada pela interacção entre mutação, recombinação e selecção (nenhum dos três mecanismos, sozinho, pode produzir diversidade, mas os três juntos têm um poder enorme)."

Bem, a mutação sozinha introduz diversidade. Veja-se o referido caso dos vírus. O problema é que isso não acarreta um incremento duradouro da evolução.

Mas também partilho desse ponto de vista.

"Se existem outras "leis" (auto-organização, ou o que quer que seja), que guiam o processo no sentido da diversidade, não sei, mas há correntes de investigação que tentam pesquisar o mundo nesse sentido."

Pessoalmente sou mais tendente à perspectiva "Lâmina de Occam" que foi enunciada, e que resume o mecanismo à interação da mutação, combinação e selecção com o ambiente. A questão é que esses estímulos externos (o ambiente) não são minimamente estáticos, transformando o problema da evolução não num problema simples de optimização (maximização ou minimização), mas num problema misto de optimização e de "fitting" (apesar de naturalmente em última instância ser um problema de optimização). Não sei se me fiz entender...

"como se o mundo tivesse sido criado por mundos em competição (não é assim tão "ficção científica" como parece, estou a simplificar muito a coisa...)"

Não acho nada ficção científica. Acho perfeitamente plausível. Só em grande parte o chauvinismo humano é que permite a arrogância de dizer que somos os "únicos", os "primeiros" ou a "experiência definitiva".

"Não é bem, bem disso que eu estava a falar, mas estou a tentar encontrar uma forma de explicar melhor e não consigo!!"

:-D

Anónimo disse...

"Bem, a mutação sozinha introduz diversidade. Veja-se o referido caso dos vírus. O problema é que isso não acarreta um incremento duradouro da evolução."
Claro, claro. Não me expliquei bem. Mas a mutação sozinha não garante que a diversidade gerada tenha sucesso. Ela apenas dá alternativas; a selecção e a recombinação, com a pressão do ambiente, é que podem garantir a expansão da diversidade introduzida.

"A questão é que esses estímulos externos (o ambiente) não são minimamente estáticos, transformando o problema da evolução não num problema simples de optimização (maximização ou minimização), mas num problema misto de optimização e de "fitting" (apesar de naturalmente em última instância ser um problema de optimização). Não sei se me fiz entender..."
Entendi! Até porque nos últimos tempos tenho andado a trabalhar em optimização sobre ambientes dinâmicos, onde a co-evolução, por exemplo, é importante para lidar com o problema!