Causas do terrorismo - IV
A terceira questão que o Garton Ash levanta diz respeito ao modelo de integração a adoptar na Grã-Bretanha, constatando-se que os muçulmanos franceses, apesar dos episódios dos "banlieu" e dos ataques aos cemitérios judaicos, sempre revelam uma maior pertença à pátria francesa do que os muçulmanos ingleses à pátria inglesa. A maior dificuldade da questão da integração tem a ver com o facto de muitos dos bombistas suicidas serem pessoas aparentemente integradas nas sociedades europeias, tanto que têm, na sua maioria, empregos estáveis e são descritos pelos que os conhecem como bons empregados, bons vizinhos, pessoas em que se pode confiar. Que estejam deprimidos, é natural. Muita gente nas sociedades ocidentais está. Que recorram ao fanatismo e, consequentemente, ao terrorismo como escape já é um resultado estranho que se terá de explicar com base noutras razões. Garton Ash diz que é possível fazer-se mais pela integração dos muçulmanos ingleses nas escolas, o que, acrescente-se só serve para atribuir mais uma missão a uma escola pública saturada e impotente. Presumindo-se que o autor tenha razão e que se deva fazer algo nesse domínio, ainda assim, nada garante que as escolas (e até mesmo as famílias) tenham hoje em dia mais sucesso na educação dos jovens muçulmanos que a Internet ou qualquer outro meio de socialização. Ao que parece, as súbitas conversões ao fanatismo por parte dos terroristas ocorrem em mesquitas inglesas, que ninguém controla. Acredito, pois, que uma verdadeira diferença poderá fazer-se nas políticas de prevenção, quer na imigração, quer no direito penal. Que tal tem como risco uma redução das liberdades individuais (sobretudo, da liberdade de circulação, da liberdade de expressão, mas também, eventualmente, da liberdade religiosa) é preço que estarei disposto a aceitar, desde que dentro de certos limites aceitáveis. Por exemplo, parece-me bastante mais legítimo trabalhar ao nível do direito penal e criar um novo tipo de crime que permita perseguir quem instigue o terrorismo do que criar um processo penal especial para terroristas ou, ainda pior, uma categoria nova para terroristas, um "tertium quid" entre o criminoso comum e o combatente de guerra, que atire os supostos terroristas para um Guantanamo qualquer. A questão não é a de saber se é admissível limitar as nossas liberdades. Tal já acontece e continuará a acontecer. A questão é saber de que liberdades estamos dispostos a prescindir e até que ponto...
Por outro lado, lamento dizê-lo, mas a solução é os muçulmanos tornarem-se mais parecidos connosco, não o contrário. O que se pode fazer, a esse respeito, é essencialmente não fazer o que se tem feito: abandonar o discurso multiculturalista que tudo justifica e tudo desculpa com base na evidente mentira de que todas as civilizações se equivalem e evitar guerras injustas e inúteis que aumentam exponencialmente os quadros da Al Qaeda e de outras organizações do género. Que se recuse fazer guerras úteis e justas como cedência aos muçulmanos, é cobardia. Que se faça guerras inúteis e, assim, se aumente o número de terroristas é estupidez. Certo é que os caminhos até agora seguidos pela esquerda e pela direita levam à derrota.
3 comentários:
Bom arranque!
Quanto à verbosidade, enquanto o Blogger não nos fizer pagar a metro... ;-)
"Acredito, pois, que uma verdadeira diferença poderá fazer-se nas políticas de prevenção, quer na imigração, quer no direito penal. Que tal tem como risco uma redução das liberdades individuais (sobretudo, da liberdade de circulação, da liberdade de expressão, mas também, eventualmente, da liberdade religiosa) é preço que estarei disposto a aceitar, desde que dentro de certos limites aceitáveis."
Como provavelmente já estarias à espera, não concordo nada com esta afirmação.
Uma coisa é definir critérios rigorosos de admissão de imigrantes, com o que concordo plenamente, e ser impiedoso com quem tenta furar o sistema.
Outra coisa é estar disposto a abdicar da liberdade em prol da segurança. Tentando fugir do cliché do "aqueles que estão dispostos a trocar liberdade por segurança não merecem nenhuma das duas", a minha tese é essencialmente esta: o dia em que tal for aceite, perdemos essencialmente a batalha contra o "terrorismo".
Foi muito elogiado o discurso do Tony Blair na altura dos atentados em Londres, em que basicamente dizia que os terroristas, por mais que fizessem, não iriam abalar os valores ocidentais. Ora o que acontece com essa tendência securitária é que efectivamente estamos a prescindir de grande parte desses valores, e em grande parte a querer-nos aproximar da barbárie para combater esta.
Todas essas liberdades que referes foram paulatinamente conquistadas, a maioria das vezes à custa de sacrifícios pessoais e de lutas violentas e desiguais contra o poder do estado. Estamos a falar de conquistas feitas ao longo de séculos e que nos colocam no patamar presente em que podemos olhar para os outros, com experiência, e ver o quão estão errados.
O sentido inverso é muito mais "fácil". Essas liberdades (que devem ser "liberdades", e não "licenciosidades") desvanecem-se rapidamente quando delas prescindímos. Para voltar onde se estava, o processo é o referido acima.
Além disso, não é difícil perceber as situações de abuso que são possibilitadas por tal actuação. Aliàs, o próprio Reino Unido e os EUA encontram-se, quanto a mim, numa grave espiral securitária em que já foram dados passos muito perigosos em direcção a uma séria delapidação do Estado de Direito. Conto até escrever algo sobre isso brevemente.
Como diz frequentemente o Bruce Schneier, o terrorismo opera e vence através do medo. Se o medo se instalar, os terroristas ganharam. Ora esse género de medidas não faz nada para diminuir esse medo, antes pelo contrario: tornam este mais omnipresente e acrescentam o medo de que essas medidas estejam a ser usadas abusivamente. O medo de encaixarem inadvertidamente no rótulo de "terroristas". O medo de no acto mais inocente da vida diária, como ir comprar uma garrafa de água oxigenada à farmácia (ver alguns artigos abaixo), possam encaixar num qualquer "profilling".
O que se tem que lutar é por deixar de mostrar medo. Por ter consciências tranquilas. Por demonstrar que por piores que sejam as agressões o nosso modo de vida prevalece.
"Mas, eu estou disposto a perder alguma coisa (e, já sei, uma aqui, outra acolá, e temos big brother pela certa)."
O problema, como referi, é a reversibilidade dessas decisões, além também de questionar o seu valor efectivo como arma para combater o objectivo que apregoa.
Além de perceber se essas medidas nos defendem, ou pelo contrário, se nos fazem aproximar daquilo que pretendemos combater.
"Já temos estado securitário até mais não, temos burocracia asfixiante, e temos algumas ameaças bem sérias."
Felizmente em Portugal ainda acho que não atingimos um patamar tão alarmante como em outros locais em termos securitários. Mas falta de estímulos e vontades em contrário não faltam...
"Tu defendes, sustentadamente, a reacção a um acto consumado.
Eu (e acho que o JB também) acredito piamente em tomar medidas perante um cenário de eminente confronto."
A pergunta deviria ser talvez esta: será que o primeiro confronto violento vai ser com os "terroristas" ou com os novos estados securitários?
Pessoalmente, sinto que os efeitos em termos de aumento do risco associados ao terrorismo são negligenciáveis no que me afectam no dia-a-dia comparavelmente com as brutalidades idiotas e prepotentes a que o estado me obriga.
"O medo não existe por causa de políticas securitárias, mas por causa do terrorismo. É bom não inverter as coisas. As medidas nos aeroportos são necessárias porque já houve ataques com a aviões e outros foram abortados."
Quando tu proibes uma pessoa de entrar com um frasco de rímel ou um corta unhas num avião, permitir-me-às a mim, que não sou perito de segurança mas que já li alguns que opinam em contrário, achar que tal medida é completamente contraproducente: são piores os efeitos de obrigares as pessoas a constantemente estarem a ser lembradas da sua insegurança e devassadas do que os benefícios em termos de segurança colhidos.
Se tu fazes sistemáticas "random" searches nas entradas do metro de Nova Iorque, diariamente, o que estás a fazer é a forçar as pessoas a diariamente conviverem com o medo, com efeitos nulos em termos de segurança.
Se promoves legislação para interceptar e reter as comunicações, crias uma multidão de pessoas com medo de utilizar esses meios e dar um passo em falso que possa ser visto como um "problema de segurança". Hoje é estar a falar do efeito potencial de bombas colocadas em determinados sítios da cidade X, amanhã é citares o nome do Bin Laden ou discutires politicamente um evento como o 11 de Setembro.
Isso sim provoca medo. O forçares as pessoas dia a dia a coexistirem com um ambiente opressivo que espezinha a sua privacidade e que transforma as cidades em penitenciàrias de regime aberto.
Sobre o assunto, recomendo este artigo do Bruce Schneier.
"Como digo, não vejo mal em impedir que os Mufti preguem o ódio e incitem à prática de actos terroristas. Acho que é uma medida de elementar bom senso. Tal pode passar pela criminalização do incitamento à prática do terrorismo ou pode passar pela expulsão."
Estás-te a referir a expulsão de cidadãos estrangeiros ou de cidadãos de um país?
Quanto à criminalização dos crimes de "incitamento de", é uma questão complexa, principalmente de orquestrar com a liberdade de expressão. Pessoalmente acho que só se devem criminalizar actos concretos, neste caso de terrorismo, e não ameaças, apelos ou outras formas de "crimes potenciais". No fundo, é um bocado a discussão sobre se a segurança é (ou deve ser) um bem juridico a proteger, ou se se deve limitar os bens júridicos a questões materiais como a propriedade ou a integridade física.
Quanto às "medidas de excepção", recomendo este artigo da BBC, que pretendo utilizar para ilustrar um próximo artigo. Mostra como é verdadeiramente imparável a tentação securitária.
Começa com o terrorismo/pedofilia, passa rapidamente para o crime organizado, e muito possivelmente há-de acabar nos crimes fiscais.
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