2006/04/05

Uma constituição para a eternidade

Uma excelente e imperdível dissertação sobre as artroses da nossa Constituição, pelo Rui de Albuquerque do Blasfémias.

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A evolução das coisas permitiu que a Constituição fosse, ela própria, melhorando e perdendo alguns dos seus mais abomináveis tiques. Mas, como o cuidado com a criança era imenso, foi-se mexendo nela com muita cautela, defendendo Jorge Miranda, um dos pais do repolho, que em sede de revisão constitucional, o poder soberano só poderia tocar-lhe nalguns aspectos fundamentais por via de uma «dupla revisão», isto é, primeiro alterando algumas normas que limitavam os poderes de revisão e, depois, alterando as partes que o legislador constituinte permitira no texto original. A criança era sensível e podia-se constipar. Todo o cuidado com o trambolho não era demais.

Quer isto dizer que a Assembleia Constituinte de 1975 arrogou-se no direito de impor o seu modelo de organização e ideologia política aos portugueses do seu tempo e aos vindouros. De tal modo, que por lá deixou um artigo, actualmente o 288º (limites materiais da revisão), que proíbe definitivamente a alteração de um conjunto de postulados arvorados em traves mestras do novo regime. Entre os mais repugnantes e totalitários são de realçar: a forma republicana de governo (al. b); Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais (al. e); a coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção (al. f); a existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista (al. g); o sufrágio universal, directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de representação proporcional (al. h).

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Ora, com todos estes espartilhos e tendo o legislador constituinte feito coincidir a revisão destas normas com a subsistência do regime, isso significa que só é possível modificá-la declarando o fim da III República. Como se pode fazer isso por meios pacíficos, ainda não se descobriu. Mas que já é mais do que tempo de reassumirmos, sem limitações, o poder constituinte soberano, também parece óbvio. Entretanto, a «peça» constitucional que nos foi legada em 1976, continua a impor sérias restrições à nossa liberdade e aos nossos direitos fundamentais, nomeadamente o direito e a liberdade de a não querermos.

Hitler queria legar-nos um Reich para mil anos. Os constituintes de 1976 deixaram-nos uma Constituição para a eternidade.

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