2006/03/09

"Portuguese universities: why not the best?"

Li um hoje um documento escrito por alguém do MIT em funções no IST como professor visitante sobre as universidades em Portugal (particularmente as associadas às engenharias). Trata-se de uma reflexão espontânea sobre a realidade universitária portuguesa com os necessários referenciais do MIT e dos Estados Unidos.

A questão central é Theres is no doubt (...) that Portuguese (...) researchers (...) deserve greater international recognition [but], at present, such accomplishments and recognition are lacking. (...) Why?"

Devo dizer o seguinte. A primeira reacção que tive ao ver o paper foi "lá vem outro dizer-nos o que devemos fazer a pensar que Portugal são os States...". Mas não é bem assim. O discurso tem uma certa humildade e, mesmo tendo tiques de "US'06-sociedade perfeita" (compreensível: o homem tem origens gregas), diz o que todos sabemos mas poucos querem mudar.

As contribuições são de uma atitude positivamente liberal. É neste ponto que espero divergências de liberais e de socialistas. De socialistas é bastante claro; dos liberais: espero 70% de pancadinhas nas costas de gente que concorda com o texto pelas más razões.

Aqui ficam algumas passagens:

it is a crime to waste a fertile mind
Muito para além de liberalices ôcas que giram em torno do sacrossanto-mercado e das liberdades negativas-positivas-neutras-amarelas, o Liberalismo é uma teoria humanista que só consigo enquadrar como orientada à realização individual. Só este facto divide logo o mundo em socialismos e liberalismos: o primeiro é orientado à "sociedade" como um grande bloco amorfo; o segundo pode pensar a sociedade como o resultado das livre interacção individual num espaço comum regulado.

Excelence breeds excelence, while mediocrity fosters mediocrity
No fundo, o nível é definido por todos e uns puxam os outros.

Unfortunately, (...) the current situation in Portugal is characterized by "too much equality" and "little promotion of excellence".
pois é.

Clearly, few people can be superior researchers. By its very nature, good research is done by an "elitist" group of people and it is nonsensical to think of "equality among researchers"
não é nada politicamente correcto dizer-se estas coisas. Mas isso é apenas pq há palavras taboo como 'elites', aludindo à horrível e antidemocrática ideia de que certas pessoas têm melhor desempenho do que outras, logo são "melhores", como se "melhor" fosse uma característica genética e que não dependesse em larga parte do 99% de suor que Edison falava mas fosse tudo o 1% inspiração. Ora sendo a inspiração o factor dominante, tem o Estado que controlar a certa exploração dos "desinspirados" pelos "inspirados". Emanando as decisões de "cima", qual é o melhor sítio para se estar? É na cadeia de decisão e não nos laboratórios.

too few full professors who often exercise undue power-politics with no accountability
Parece que o que interessa não é produzir conhecimento e entrar na cadeia que o produz. Parece que cada pessoa se concentra e aloca todo o esforço no exercercício do seu quinhão de prepotência, autoridade balofa e vaidade plástica.

Se combinarmos a prepotência/frustração generalizada com o modelo de sociedade (nacional-porreirismo), o melhor sítio para se estar (nesta visão escura) é na cadeia de decisão. E ideários socialistas (Estado omnipresente arquitectado em pirâmides e juntas de decisores corruptos) só reforçam o estado das coisas.

No fundo, Portugal é um país de mérito: é o mérito de estar na cadeia de decisão por vias travessas e não por autoridade conquistada. Mais importante do que efectivamente contribuir e trabalhar cooperativamente, é engordar a teia social para subir a probabilidade de estar na cadeia de decisão:professors (...) who often promulgate unfair and arbitrary promotion proceedings [e também] encourage inbreeding in hiring"

Depois vêm os aspectos mais operacionais. Mas esses não interessam pq são apenas os sintomas de uma mentalidade escura e fechada.

Já agora, ele diz que temos bons laboratórios, óptimas universidades, acesso razoável a fundos, etc. etc. etc. Mas é irrelevante irrelevante. Até podíamos ter torneiras de ouro.

2 comentários:

Willespie disse...

Gostei. 100% de palmadinhas.

Portugal ainda utiliza e pratica um sistema que tem muita ferrugem Salazarista e oligarquica no que diz respeito à meritocracia. Eu coloco a minha teoria de que as reformas formais e também mentais irão ocorrer como sendo genericamente o resultado natural do amadurecimento da democracia em Portugal.
Eu com isto não quero dizer que devemos colectivamente ficar à espera que alguém o irá fazer por nós. Bem pelo contrário.

Vítor Jesus disse...

concordo plenamente que são mudanças muito mais do que estruturais e é preciso dar tempo para a sociedade amadurecer.

O problema (e o que realmente me chateia) é o caminho enviesado que se está a tomar. É que, dado que portugal é um país essencialmente socialista (em teoria, todos os partidos têm raízes socialistas e o outro é conservador) isto pode demorar bem mais do que uma geração (admitindo que o problema é de mentalidade e que numa geração já se notariam avanços).

Com políticas de choque tecnológico e inglês logo na maternidade, temo que isto demore.