2007/11/30

povo de corno manso


18 de Maio de 1975

O movimento revolucionário estava ao rubro. Uma manifestação do MRPP à porta da embaixada norte-americana, na altura sediada na Duque de Loulé. No interior da embaixada a rotina diária passava por um exercício matinal de evacuação após ameaça à bomba. Todas as manhãs ligava um indivíduo com um discurso revolucionário a assegurar que o edifício ia pelos ares. Os marines revistavam o edifício em meia hora. A actividade recomeçava. Naquela tarde, os manifestantes encontravam-se em maior número que o habitual, e estavam determinados em desmoralizar os ocupantes do edifício por via dos decibéis. As interjeições eram dirigidas ao embaixador norte-americano Frank Carlucci. O objectivo da manifestação era pedir o regresso do embaixador aos EUA, e o fecho da embaixada. A América representava o monstro capitalista e imperialista, que anestesiava a juventude com Coca-Cola, produto infame ao qual chamavam a água-suja-do-imperialismo. As palavras de ordem naquela tarde soavam a:

- Carlucci anda cá!
- Carlucci achas-te muito forte aí dentro protegido pelos marines!
- Fascista!! Fascista!!
- Vem cá enfrentar o povo!!!
- Vem aqui que a gente esfola-te!!
- Anda cá fora que a gente faz e acontece!! … etc etc

Quebrando o protocolo, o embaixador Carlucci manda estacionar o carro à frente da porta principal, dispensa o motorista, e diz que vai sair pelo meio da multidão. Os seguranças tentam demover o homem, mas o sr. embaixador irredutível diz que vai sair pela frente e pronto. A ideia era que o embaixador saísse pelo parking subterrâneo no carro de vidros fumados. Mas o homem insistiu que se estacionasse o carro à porta, e assim se fez. Veio o motorista trazer o carro para a porta principal da embaixada.

A multidão estranha o carro ali vazio. A porta da embaixada abre-se.

Silêncio ensurdecedor.

Sai o embaixador, sozinho. O Carlucci passa de facto pelo meio da multidão, atravessa o passeio. Alguns olham para um homem de muito pequena estatura, cabelos grisalhos e óculos de lentes escurecidas. Alguns sussurram ao do lado “é ele…?”. Encolhem os ombros. Apenas se ouvem os passos do Carlucci, de chave na mão. Abre a porta, entra, fecha.

Silêncio.

Dá a ignição. Mais uma pequena quebra no protocolo: para além de nunca ser o Sr. Carlucci a guiar, o carro era sempre previamente aquecido. Os carros daquela altura tinham de ter o motor a trabalhar durante 2-3 minutos antes de arrancar. Ouve-se o barulho do motor. Então, o carro inicia a marcha, e subindo a Duque de Loulé.

Não se ouve nada. Silêncio.

Então o carro desaparece definitivamente de vista. Aí sim, então recomeça:
- Carlucci anda cá!
- Fascista!! Fascista!!
- Anda cá que a gente faz e acontece!! … etc etc

2 comentários:

Anónimo disse...

é o que faz sermos um povo de brandos costumes

Mentat disse...

Caro Filipe

Não vou desmenti-lo, porque naquela época aconteceu tanta coisa…
Mas eu andava no Liceu Camões e frequentava muito o Centro Cultural Americano que era em frente da Embaixada e não me lembro dessas manifestações.
Mas pode perfeitamente ter acontecido, mas terá sido com o MRPP e em Novembro de 1975 ?
É que por essa altura o MRPP já era um aliado na luta contra o PC.
A malta no PPD até lhe chamava o “PPD-ML”.
E em Novembro de 75, até em Lisboa, os PCs já começavam a “piar mais baixinho”.
Pelo menos lá no Camões, o terror era tanto que no 25NOV75, um deu-lhe para se pirar pelas traseiras e rasgou-se todo na vedação…
Mas que tempos aqueles…