“Abu Ghraib” dos pequeninos
Ó meus amigozzz zzz zzz, um sexo de qualidade caracteriza-se, entre outras coisas, pela ausência de barreiras hierárquicas entre os seus participantes, por um respeito mútuo universal e por um sentimento de pertença ao casal. O sadomasoquismo é a negação de tudo isto: um exercício de poder marcado pelo desrespeito pelo outro, pela possibilidade de o violentar de modo arbitrário e onde tudo se resume a uma questão de hierarquias. Comparado com a violência doméstica, o sadomasoquismo tem as agravantes de ser uma prática institucionalizada e levada a cabo por e sobre adultos.
Há quem defenda que as práticas sadomasoquistas são uma boa forma de relacionamento entre casais e que as pessoas o consentem e se divertem com elas. Há ainda quem defenda que elas são um “investimento rentável” porque o masoquista sofre uma dor no princípio da relação, mas tem depois vários minutos de prazer, se resolver exercer o seu direito ao sadismo.
Vamos por partes.
É inegável que, no contexto de stress actual, algumas actividades sadomasoquistas contribuem para o relaxamento de muitos casais, e existirão seguramente intenções boas em muitos sádicos. Mas nada disso torna o sadomasoquismo mais suportável. O direito a coagir e a humilhar o outro é simplesmente intolerável – e isso é suficiente para o excluir cabalmente. Quem defende que o sadomasoquismo é um investimento com retorno apreciável esquece-se de que o “contrato” entre as partes raramente é feito de livre vontade. A desproporção entre o número de sádicos e masoquistas revela que são poucos os que preferem fazer uso desse “direito adquirido”.
Os padres e demais dirigentes do nosso país são largamente complacentes com esta actividade. Incorrem no pecado mortal que Pacheco Pereira apontou aos “notáveis” do PSD: a “acedia” – a apatia em praticar a virtude, a indiferença face ao mal. Por que não tomam, concertadamente, uma posição que permita acabar com o ‘statu quo’ actual, de rituais de dominação e subjugação que lembram, com as devidas diferenças, o grotesco “Saló ou os 120 dias de Sodoma”? Há imensas formas não coercivas de conviver entre casais. Pactuar com essas pequenas amostras de “Abu Ghraib” é tudo o que o sexo não pode ser.
Título e 95% do texto roubado daqui ao Tiago Mendes
3 comentários:
Brilhante.
Estas coisas lembram-me do "duplopensar" na versão portuguesa.
Muito giro o texto, parabéns pela inspiração!
Claro que o sadomasoquismo consentido é, por definição, feito de livre vontade. É, ainda, algo feito entre duas pessoas, enquanto que a praxe só acontece e só faz sentido enquanto fenómeno grupal-social. Nunca ninguém sozinho praxaria um indivíduo apenas, longe de tudo e de todos.
Ou seja, o texto está fantabulástico, mas a coisa não é comparável.
Abraço,
A grande diferença é que o sado-masoquismo é consentido por ambas as partes - a praxe não (a menos que consideremos que ir à escola na primeira semana de aulas é consentimento implicito).
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