Não contestarás
Na I Série do Diário da República vem hoje publicado o Decreto Legislativo Regional n.º 18/2007/A, D.R. n.º 138, Série I de 2007-07-19, que aprova o Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário.
O nome do diploma, já de si, evoca obscuras recordações sobre relações especiais de poder (que o Estado mantinha, no tempo da outra senhora, com os detidos, com os alunos, com os militares, com os funcionários – e não será que as detém hoje também?).
Mas é no próprio dispositivo que vamos encontrar os traços verdadeiramente duvidosos de documentos deste género.
Consta do artigo 39º do Capítulo VII (Direitos e Deveres do Aluno):
Direitos e deveres do alunoA declaração de intenções aqui firmada não é tão ingénua nem inócua quanto possa parecer. É por demais evidente que todos os cidadãos portugueses estão obrigados a respeitar as leis do seu Estado. Todavia, o artigo vai mais longe: o aluno tem o direito e o dever de conhecer e respeitar activamente.
Artigo 39.º
Valores e cultura de cidadania
No desenvolvimento dos valores universais, nacionais e regionais
e de uma cultura de cidadania capaz de fomentar os valores da pessoa humana, da democracia, do exercício responsável, da liberdade individual e da identidade nacional e regional, o aluno tem o direito e o dever de conhecer e respeitar activamente, em termos adequados à sua idade e capacidade de discernimento:
a) Os valores e os princípios fundamentais inscritos na Constituição da República Portuguesa;
b) A bandeira e o hino, enquanto símbolos nacionais;
c) O Estatuto Político-Administrativo, a bandeira e o hino da Região Autónoma dos Açores;
d) A Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
e) A Convenção sobre os Direitos da Criança, enquanto matriz de valores e princípios de afirmação da humanidade.
De que se fala, exactamente, quando se fala de «respeitar activamente»? Um aluno que defenda ideias monárquicas, ao que parece, não estará a «respeitar activamente» a Constituição. Nem tão-pouco um aluno que defenda o lock-out ou a limitação do direito à greve. E imagino que, ao abrigo da alínea c), defender a retirada de autonomia às regiões seja o equivalente a um crime de lesa-majestade.
Pode parecer bizantinice embirrar com um artigo afinal praticamente vazio de conteúdo jurídico sólido; todavia, esta norma, de mais a mais dirigida a alunos cuja educação o Estado chamou a si, demonstra bem o acriticismo que se pretende domine o ensino público. De resto, de um Estado que tantas boas intenções ensina, estes alunos habituar-se-ão a não esperar atentados àqueles textos fundamentais – e tardarão em notar as violações da sua liberdade e da sua privacidade quando tomarem delas consciência.
1 comentário:
Excelente post. Completamente de acordo.
Luís Lavoura
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