Confusões II
O JM ainda não percebeu que é quem se quer fazer prevalecer de um direito que tem de ir a tribunal alegar e provar os pressupostos do mesmo. Quem quer evitar as desvantagens de uma lei tem de alegar e provar que ela é ilegal ou inconstitucional de modo a que a mesma seja revogada. Daí que o governo não tenha de fazer nada quanto ao parecer de Gomes Canotilho. São os notários que terão de recorrer a tribunal e provar que o Simplex viola princípios constitucionais. Neste momento, não havendo ainda decisão judicial sobre o assunto, o Simplex goza da presunção de constitucionalidade de que gozam todas as leis em vigor. Por muito frustrante que seja, não podemos impunemente assaltar bancos com o argumento de que a norma do Código Penal é inconstitucional e esperar que o tribunal tenha de provar a constitucionalidade da mesma para que possamos ser condenados. Não é assim que funciona, nem poderia funcionar assim. Somos nós que temos de provar a inconstitucionalidade da norma do Código Penal. Veja-se a propósito o caso do crime de corrupção desportiva: são os arguidos do Apito Dourado que terão de provar a inconstitucionalidade da lei em questão. É por isso que Gomes Canotilho está rico.
21 comentários:
««O JM ainda não percebeu que é quem se quer fazer prevalecer de um direito que tem de ir a tribunal alegar e provar os pressupostos do mesmo. Quem quer evitar as desvantagens de uma lei tem de alegar e provar que ela é ilegal ou inconstitucional de modo a que a mesma seja revogada. Daí que o governo não tenha de fazer nada quanto ao parecer de Gomes Canotilho. São os notários que terão de recorrer a tribunal e provar que o Simplex viola princípios constitucionais.»»
Não disse o contrário. Tal como terão que ser as mulheres da Madeira a processar o governo regional. O José Barros é que defende ideias contraditórias. No caso do Simplex defende que os actos da administração são legais até prova em contrário. No caso da actuação do do Governo Regional considera que os actos são ilegais até prova em contrário.
««Por muito frustrante que seja, não podemos impunemente assaltar bancos com o argumento de que a norma do Código Penal é inconstitucional»»
Pois não. Mas deixará de assaltar bancos por isso. Cabe à acusação provar que assaltar bancos é crime e se houver recurso cabe à acusação provar que a lei é constitucional.
Acho que o José Barros ainda não percebeu uma coisa elementar: o Alberto João não precisa de argumentos para não cumprir a lei. Ele pode limitar-se a não a cumprir e caberá aos lesados provar que ele tem que a cumprir.
Acho interessante este post. É que a consequência de tudo isto é que:
- qualquer alegação de que o Governo regional viola a lei é tida como válida e o governo regional tem que se guiar por interpretações que outros fazem da lei.
- mas quando é alegado que o governo central viola a constituição essa alegação tem que ser validada pelos tribunais.
JM:
Mais uma vez, é o governo regional que alega a ilegalidade ou inconstitucionalidade da lei. É ele que a tem de provar. Não pode recusar-se a cumprir a lei, porque tem dúvidas sobre a sua legalidade. O governo nacional na questão dos notários não tem de provar que a lei do Simplex é constitucional, porque ela já goza da presunção de constitucionalidade. As leis gozam de tal presunção, porque foram aprovadas depois de uma discussão pública e promulgadas por um PR que funciona como garante da constituição. É quem quer incumprir a lei que tem de dirigir-se ao tribunal, não quem quer que a lei seja cumprida. Não faz sentido que as mulheres tenham de dirigir-se ao tribunal para provar a constitucionalidade da lei, porque a lei já é considerada constitucional até prova em contrário. O que o JM é uma banalidade: o governo regional pode violar a lei e, desse modo, obrigar as mulheres a ir a tribunal. Mas isso não transforma uma ilegalidade (o incumprimento da lei) num direito. Eu também posso dar um estalo a alguém e obrigá-lo a fazer queixa de mim na PJ. Não é por isso que tenho o direito de dar estalos.
Espero que agora esteja claro.:)
««o governo regional pode violar a lei e, desse modo, obrigar as mulheres a ir a tribunal. Mas isso não transforma uma ilegalidade (o incumprimento da lei) num direito.»»
Pois não. Mas obriga as mulheres a ir a tribunal provar a ilegalidade. É isso que interessa. O governo regional não precisa de provar inconstitucionalidade nenhuma. Tem a faca e o queijo na mão. O máximo que o tribunal poderá fazer é obrigar o Governo Regional a fazer abortos. O Governo Regional não será penalizado por não cumprir essa tal alegada lei.
O máximo que o tribunal poderá fazer é obrigar o Governo Regional a fazer abortos. O Governo Regional não será penalizado por não cumprir essa tal alegada lei.
- JM
E eu a pensar que a posição do JM era de princípio. Afinal, o que o JM quer é que as diferentes entidades administrativas tenham o poder de violar a lei e obrigar os cidadãos a recorrer aos tribunais. E eu a pensar que o JM era um liberal.:)
««
E eu a pensar que a posição do JM era de princípio. Afinal, o que o JM quer é que as diferentes entidades administrativas tenham o poder de violar a lei e obrigar os cidadãos a recorrer aos tribunais. E eu a pensar que o JM era um liberal.:)»»
A minha posição é de princípio. Defendo 3 princípios neste caso:
1. a proibição de transferência/criação de competências sem a respectiva transferência/criação de financiamento;
2.O direito de executivo de não cumprir leis inconstitucionais (que só pode ser garantido se não houver presunção de constitucionalidade.
3. O direito do executivo de não criar serviços contra a sua vontade (o que só é possível se o executivo tiver direito de não cumprir leis que na prática são ordens executivas).
Sim, defendo o direito do executivo de ignorar a lei sempre que o excutivo consedera que houver violação de um dos 3 princípios anteriores. E defendo o direito de qualquer instituição arriscar violar a lei sempre que considera a lei injusta (aceitando obviamente as consequências). E reservo esse mesmo direito para mim próprio.
O que não é aceitável é a suposta obrigação de uma instituição de cumprir uma dada interpretação da lei.
Teoricamente é defensável que uma entidade administrativa se recuse legitimamente a cumprir uma lei por a considerar inconstitucional.
Com efeito, o princípio da legalidade da actuação da administração não é posto em causa pelo seguinte: a CRP é a nossa Lei Fundamental, hierarquicamente superior a qualquer lei ordinária mais recente.
O respeito pela Constituição é tarefa dos tribunais mas não só, os preceitos constitucionais respeitantes a DLGs são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (cfr. art. 18.º, n.º 1 e 266.º, n.º 2 da CRP).
Se fosse aprovada uma alteração ao CP que viesse reintroduzir em Portugal a pena de morte, as entidades administrativas encarregadas de cumprir essa tarefa poderiam recusar-se invocando directamente a constituição (e não apenas na figura da objecção de consciência), mesmo que o TC ainda não se tivesse pronunciado a esse respeito.
Pelo que, em bom rigor, o Governo da Madeira (ou qualquer outro órgão da administração) pode recusar a aplicação de uma lei que considera inconstitucional desde que esteja em causa um DLG, como o direito à vida (mas já não poderá recusar o cumprimento da lei com pseudo-argumentos demagógicos de natureza financeira ou relacionados com a autonomia legislativa regional).
No caso da Madeira parece que o que está em causa é mais a vertente populista do Presidente do Governo regional do que uma dúvida honesta e séria acerca da constitucionalidade da lei.
Pelo que, em bom rigor, o Governo da Madeira (ou qualquer outro órgão da administração) pode recusar a aplicação de uma lei que considera inconstitucional desde que esteja em causa um DLG, como o direito à vida (mas já não poderá recusar o cumprimento da lei com pseudo-argumentos demagógicos de natureza financeira ou relacionados com a autonomia legislativa regional).
No caso da Madeira parece que o que está em causa é mais a vertente populista do Presidente do Governo regional do que uma dúvida honesta e séria acerca da constitucionalidade da lei. anónimo
Certo. Como reconhece, não estão em causa os direitos, liberdades e garantias de ninguém. Nem sequer há uma dúvida razoável acerca da constitucionalidade da lei, muito pelo contrário, foi o João Miranda a desencantar a suposta inconstitucionalidade.
Sim, defendo o direito do executivo de ignorar a lei sempre que o excutivo consedera que houver violação de um dos 3 princípios anteriores. E defendo o direito de qualquer instituição arriscar violar a lei sempre que considera a lei injusta (aceitando obviamente as consequências). E reservo esse mesmo direito para mim próprio. - JM
E que consequências são essas? O que o JM está a dizer é que uma entidade administrativa, que existe para servir o cidadão, pode recusar o serviço às pessoas, sendo que pagará com o dinheiro dos contribuintes as eventuais indemnizações a que esteja sujeita. Com o dinheiro dos outros, é fácil tomar posições de princípio. De facto.
««O que o JM está a dizer é que uma entidade administrativa, que existe para servir o cidadão, pode recusar o serviço às pessoas, sendo que pagará com o dinheiro dos contribuintes as eventuais indemnizações a que esteja sujeita. »»
É uma consequêcia do sistema jurídico que o José Barros passa o tempo a defender. Qualquer sistema jurídico onde o legislativo pode produzir ordens executivas dará origem a todo o tipo de inconsistências. Quando o sistema é inconsistente terá que ceder por algum lado. O elo mais fraco é o contribuinte.
Mas se num sistema jurídico não existirem direitos positivos, nem legislação executiva, nem separação entre o financiador e o legislador, esse tipo de inconsistências são raríssimas.
É uma consequêcia do sistema jurídico que o José Barros passa o tempo a defender. - JM
O JM sabe mais sobre as minha opiniões políticas que eu. Onde é que eu defendi que os abortos deviam ser gratuitos? Sempre defendi o contrário, como, aliás, posso comprovar facilmente.:)
Sosseguem, amiguinhos - o Alberto João já esclareceu que tem "óbvia intenção de respeitar a lei" ...
Sosseguem, amiguinhos - o Alberto João já esclareceu que tem "óbvia intenção de respeitar a lei" ...
««O JM sabe mais sobre as minha opiniões políticas que eu. Onde é que eu defendi que os abortos deviam ser gratuitos? »»
A questão não tem a ver especificamente com abortos gratuitos. Tem a ver com a possibilidade do poder legislativo fazer leis tão particulares que se torna no verdadeiro executivo. E tem a ver com a existência de uma autonomia executiva e financeira quando se pretende que não exista uma autonomia legislativa. Se existe autonomia executiva e financeira, o Estado Central não pode ter o direito de impor serviços. Isso é que cria inconsistâncias. E são essas inconsistência que a lei da autonomia procurta evitar quando proibe transferências de competências sem transferência de financimento.
Caro JM,
A autonomia legislativa da Madeira e dos Açores é limitada ou não se tratasse de regiões autónomas e não de Estados soberanos. Idem aspas para a autonomia executiva e financeira que, aliás, decorrem naturalmente da autonomia legislativa. É óbvio que havendo matérias que são legisladas a nível nacional seja necessário impor o respeito da respectiva legislação a nível regional. Doutro modo, não faria sentido regular a questão a nível nacional. Por outras palavras, não haveria autonomia e, sim, independência, porque o Estado central não poderia interferir minimamente na política da região. Sinceramente, não percebi ainda onde é que o JM vê a inconstitucionalidade. Acho que nem mesmo o João Jardim alguma vez pensou nisso.:)
««A autonomia legislativa da Madeira e dos Açores é limitada ou não se tratasse de regiões autónomas e não de Estados soberanos.»»
Isso é evidente, mas eu não estou a defender que a Madeira deve ter poderes legislativos ilimitados. Estou é a defender que o Estado português dever ter os poderes distribuidos de forma consistente.
««Idem aspas para a autonomia executiva e financeira que, aliás, decorrem naturalmente da autonomia legislativa.»»
Eu também não estou a defender que a Madeira deve ter poderes executivos ilimitados. Estou apenas a defender que os poderes executivos devem estar devidamente articulados com os legislativos.
«« É óbvio que havendo matérias que são legisladas a nível nacional seja necessário impor o respeito da respectiva legislação a nível regional.»»
Pois, mas eu também não contesto isso. O que eu defendo é que a autonomia executiva não é compatível com poderes legislativos ilimitados por parte do Estado central.
«««Doutro modo, não faria sentido regular a questão a nível nacional. Por outras palavras, não haveria autonomia e, sim, independência, porque o Estado central não poderia interferir minimamente na política da região. »»»
Autonomia implica que o Estado Central não pode interferir minimamente nas questões políticas em que a região é autónoma. Se o Estado central puder interferir em todas as questões políticas não há autonomia. Há autonomia quando o Estado Central está impedido de interferir em algumas questões poíticas. E há independência quando o Estado Central está proibido de interferir em todas as questões.
O facto de o Estado Central não poder interferir no sistema de saúde da Madeira apenas implica que a Madeira é autonoma.
««Sinceramente, não percebi ainda onde é que o JM vê a inconstitucionalidade.»»
Não defendo que há inconstitucionalidade. Não sei se há ou não. Mas há incompatibilidade com princípios constitucionais que deviam estar na constituição. O meu ponto principal não é a legalidade. Eu discuto princípios de justiça e consistência constitucional.
Já agora, uma diferença importante:
O José Barros defende um tipo de autonomia que de facto não o é porque mantém a região autónoma permanentemente subodinada ao poder legislativo do Estado Central. Basta ao Estado central alterar a lei e muda totalmente o âmbito da autonomia.
Eu defendo uma autonomia constitucionalizada em que o Estado Central nunca pode interferir através da lei ordinária naquilo que são competências autonómicas. É por isso que eu não concordo com o facto de o poder legislativo central ter o direito de interferir com competências executivas do governo regional ou com competências relativas à aprovação de orçamentos do parlamento regional.
Autonomia implica que o Estado Central não pode interferir minimamente nas questões políticas em que a região é autónoma. Se o Estado central puder interferir em todas as questões políticas não há autonomia. Há autonomia quando o Estado Central está impedido de interferir em algumas questões poíticas. E há independência quando o Estado Central está proibido de interferir em todas as questões. - JM
Também não defendo que o Estado Central deva violar a Constituição, interferindo no domínio de competências dos órgãos da Madeira. Simplesmente, não foi isso que aconteceu e é também por isso que ninguém discute a suposta inconstitucionalidade da lei do aborto. Dou de barato que na questão substancial, estamos de acordo: tal como o Carlos e o JM, sou contra o financiamento público de abortos. Mas sou contra muitas coisas e não é por isso que me sinto legitimado a violar a lei. Por maioria de razão, as entidades administrativas têm um dever especial de respeitar a lei, só não o devendo fazer quando as leis são ilegais ou inconstitucionais. Como é óbvio.
O que lhe falta demonstrar é que esta era uma questão em que o governo regional tinha autonomia ou era necessário que a tivesse. Por outras palavras, que esta é uma situação em que o parlamento violou a distribuição de competências tal como prevista na Constituição ou, alternativamente, como devia encontrar-se contemplada na lei fundamental. Ainda não fui minimamente convencido disso. Mas espero por um post seu no Blasfémias.:)
««Dou de barato que na questão substancial, estamos de acordo: tal como o Carlos e o JM, sou contra o financiamento público de abortos.»»
A questão substancial neste caso não tem nada a ver com isso. Tem a ver com a consistência das leis da autonomia. Este problema tanto se pode colocar na questão do aborto como na questão do ensino obrigatório ou noutra questão qualquer. Imagine que o Parlamento nacional decide que a Madeira tem que oferecer um computador portátil a cada aluno da Madeira. Deve poder fazê-lo? Que tipo de interferência nas actividades do executivo é que um poder legistivo pode ter? E o legislativo pode forçar o executivo a realizar actividades sem lhe conceder orçamento?
Imagine que o Parlamento nacional decide que a Madeira tem que oferecer um computador portátil a cada aluno da Madeira. Deve poder fazê-lo? Que tipo de interferência nas actividades do executivo é que um poder legistivo pode ter? E o legislativo pode forçar o executivo a realizar actividades sem lhe conceder orçamento? - JM
O governo da Madeira pode contar com as receitas fiscais obtidas na ilha e tem direito ainda a transferências do orçamento do Estado. Nesse aspecto a Madeira é privilegiada em relação às autarquias que apenas contam com as transferências do orçamento do Estado. Acontece em relação à Madeira o que acontece com Portugal em relação à União Europeia: quem paga a conta tem direito de dizer para onde vai o dinheiro. É por isso que a autonomia foi sempre uma fachada: permitiu a Alberto João Jardim fazer chantagem com o resto do país, sem que, no entanto, alguma vez o ditador lá da terra quisesse assumir o ónus de governar exclusivamente com as receitas geradas na ilha. Nisso, desculpe lá, mas concordo com o Vital Moreira. O pressuposto de que o JM parte parece-me errado: a partir do momento é que o Estado central a financiar a região esta arca com o ónus de ter de consignar as receitas a um módico de políticas definidas pelo poder central. Não o vejo a criticar a UE por fazer o mesmo a Portugal e a outros países.
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