2007/05/17

Divórcio na Hora


(Imagem via Raw Matter.)

Já aqui me havia referido, mesmo que por outros motivos, à questão do contrato de casamento.

Mantenho a minha posição de que a solução liberalmente defensável é a de encarar o casamento, do ponto de vista do estado, como um contrato como outro qualquer, e não a situação actual de promoção de contratos tipificados (quer em relação às cláusulas, quer em relação aos destinatários admissíveis). Que, além disso, conduz a benefícios exclusivos concedidos pelo estado, nomeadamente em termos de segurança jurídica e económicos.

O contrato de casamento, na medida em que fôr um contrato formal de direito privado, deve ser tão somente a expressão da vontade e do compromisso das n-partes que desse modo optarem por se comprometer, e deve ser resolúvel obedecendo às regras gerais dos contratos sem termo, nomeadamente pela vontade de uma das partes (o que não deve inviabilizar que possam existir, por acordo prévio entre as partes, cláusulas penais que se activem na sua resolução unilateral).

Posta esta ressalva inicial, e em relação à situação actual e à proposta do Bloco de Esquerda, segundo a qual a resolução do contrato de casamento poderia ser solicitada em qualquer altura por uma das partes, não acho que esta seja defensável. Não acho defensável essencialmente pelo facto de que acho que a actual leitura do contrato de casamento, e o espírito com que foi estabelecido, são de que este não é um contrato sem termo mas sim um contrato com um pressuposto vitalício. Aliás, muitas das regras imperativas que este estabelece permanecem para além da própria vigência deste, ou mesmo para além do limite da vida dos seus signatários. Veja-se por exemplo o facto de ter consequências imperativas em termos sucessórios, ou as limitações que impõe, por exemplo, a posteriori ao cônjuge que optou por mudar de nome aquando do casamento.

Face a isto, acho que a materialização actual do contrato de casamento parte de pressupostos que criam legítimas expectativas aos seus signatários em termos de duração e face aos compromissos que são assumidos voluntariamente pelas parte e que, como tal, devem obrigar a um mecanismo de resolução ou por mútuo acordo, ou então por violação das cláusulas contratuais, e não somente pela vontade unilateral de uma das partes.

Por exemplo: um casal com filhos (que, lembre-se, são alvo de uma presunção de paternidade quando nasçam no âmbito de um casamento) que opte por fazer um empréstimo bancário para compra de casa da família, eventualmente até com uma perspectiva de que está a constituir um bem que poderá sucessoriamente ajudar aos filhos, vai ver por quebra unilateral do casamento e pelo fim antecipado do compromisso de solidariedade com que contava, ver-se impossibilitado de continuar para a frente com o seu objectivo. Ora, face à actual noção do contrato de casamento, acho que essa sua expectativa é perfeitamente legítima, e que a interrupção unilateral do casamento deveria redundar numa obrigação de indemnizar.

De resto, e eliminados os pressupostos imperativos que governam o casamento e o tornam, essencialmente, num negócio jurídico tripartido (em que uma das partes é o estado), não me repugnaria que tal princípio de resolução fosse possível. Afinal, quem quisesse expectativas, estabelecia-as a priori, no clausolado do contrato a que se submetia.

4 comentários:

Anónimo disse...

Ninguém é obrigado a fazer contratos de casamento tipificados. Se o JLP se quiser casar através de um contrato não tipificado, penso que o pode fazer. Há liberdade contratual. O casamento não terá essa designação, o JLP continuará formalmente solteiro, mas terá o seu contrato não-tipificado à vontade.

Se as pessoas se casam através dos contratos tipificados que o Estado lhes põe à disposição, é porque querem. Ninguém as obriga. Não há qualquer razão apra eliminar esses contratos tipificados que o Estado propõe às pessoas quando, pelos vistos, eles continuam a ter alguma aceitação (quando muitas pessoas continuam a assinar esses contratos).

Se o JLP fôr fazer um seguro, tipicamente a companhia seguradora também lhe propõe um contrato tipificado. O JLP pode fazer uma série de opções, mas não pode alterar o contrato de alto a baixo. Se o JLP não estiver contente com o contrato tipificado que a seguradora lhe propõe, é livre de não o assinar.

O mesmo se passa com o casamento. O Estado põe à sua disposição algumas opções (comunhão total de bens, comunhão de bens adquiridos, separação total). O JLP aceita, ou não aceita. Ponto final.

Se tantas pessoas gostam de se casar de acordo com o contrato tipificado que o Estado lhes propõe, por que raio é que o JLP quer mudar tudo?

Luís Lavoura

Anónimo disse...

Eu acho que, em vez de falar em abstrato sobre a (não-)tipificação do contrato de casamento, convem fazer propostas concretas sobre novas opções que poderiam ser postas aos cônjuges.

Por exemplo, quando os meus pais se casaram, em 1958, praticamente ninguém se casava com separação de bens. Isso era um regime jurídico praticamente inexistente. O meu pai exigiu, terminantemente, que o seu casamento fosse com separação absoluta de bens, e assim foi feito. O meu pai exigiu uma liberdade que hoje em dia é corriqueiramente concedida.

Acho legítimo e correto que os liberais façam outras propostas concretas no sentido de mais possibilidades de opção no contrato. Por exemplo, em matéria de direito de herança, acho que deveria ser dada a possibilidade aos cônjuges de recusarem que o outro fosse seu herdeiro, ou de determinar a percentagem da herança que lhe caberia, etc. Tmabém acho correto que os liberais façam propostas concretas no sentido de os cônjuges optarem entre diferentes regimes de separação, etc.

Luís Lavoura

JLP disse...

LL,

Tudo isso seria muito válido, se o estado não conferisse a quem aceita os seus contratos tipificados benefícios que não estão acessíveis aos demais contratos livres, nomeadamente em termos de segurança jurídica (e assegurando o seu enforcement).

"Se o JLP fôr fazer um seguro, tipicamente a companhia seguradora também lhe propõe um contrato tipificado."

Uma coisa é um contrato tipo de uma instituição privada (que poderá ser generalizado, mas não impede que seja negociado em termos específicos para situações específicas), provavelmente diferente da outra seguradora que tenha a porta aberta ao lado. Outra coisa é um contrato tipificado estabelecido pelo estado, de forma legal.

JLP disse...

"Eu acho que, em vez de falar em abstrato sobre a (não-)tipificação do contrato de casamento, convem fazer propostas concretas sobre novas opções que poderiam ser postas aos cônjuges."

E porque é que eu me hei-de entreter a fazer "engenharia progressista social", tentando descobrir as opções que, porventura, se calhar, a maioria das pessoas podem estar interessadas em estabelecer (e que vão sempre excluir alguém), ao invés de deixar os interessados decidir em toda a sua extenção os compromissos que optam estabelecer?