2007/05/07

Direito intelectual

Brazil's president has authorised the country to bypass the patent on an Aids drug manufactured by Merck, a US pharmaceutical giant.

The country will import a cheaper, generic Indian-made version of the patented Efavirenz drug.

The decision came after talks between Brazil and the US company broke down.

Merck had offered Brazil a 30% discount on the cost of the drugs but the country wanted to pay the same price as Thailand, which gets a larger discount.

BBC News.
The show discusses protests launched again the large pharmaceutical company Abbot who in reaction–no, make that retaliation–to Thailand’s decision to issue compulsory licenses on AIDS drugs, and import generic drugs acted in highly questionable ways:

“Abbott responded in a way that shocked many AIDS activists - the company announced it would withhold seven new drugs from sale in Thailand including a new AIDS drugs and treatments for arthritis and high blood pressure.”

Interprete.
A problemática do direito intelectual, concretamente no que toca à questão das marcas e patentes, é uma questão complexa e particularmente exposta a conclusões precipitadas e irrefletidas ou a discursos mais ou menos demagógicos e propagandísticos.

A própria escolha de termos tem muito que se lhe diga: o facto de se utilizar termos como "propriedade intelectual" ou "propriedade industrial" faz com que muitas vezes se tente tecer em relação a essas questões conclusões por analogia com o conceito genérico de "propriedade". Ora a "propriedade intelectual" tem muito pouco de comparável ao conceito clássico e usual de propriedade, por diversos motivos. Motivos desde a própria intangibilidade dessa propriedade, à incapacidade em ser transferida ou à possibilidade de cópia ("criação de propriedade") fácil. A generalidade dos atributos que governam o conceito de propriedade, desde a posse aos princípios que governam o seu usufruto não servem quando aplicados ao conhecimento e ao intelecto.

A defesa do direito intelectual, contrariamente ao que muitas das opiniões que assinalei referem ou deixam transparecer, surgiu não somente como um "mecanismo de protecção" dos interesses dos industriais, mas sim como um tradeoff entre a acessibilidade pública dos inventos e o legítimo direito à sua exploração pelos seus criadores (no caso das patentes), e como um tradeoff entre a defesa dos consumidores contra a publicidade enganosa e a contrafacção e o direito das empresas em verem reconhecido o seu nome e o dos seus produtos. O que se optou por estabelecer, nomeadamente no caso das patentes, foi uma troca de um período de monopólio defendido pelo estado limitado no tempo por obrigações de divulgação desse conhecimento de forma pública e liberdade de utilização desse conhecimento findo esse período.

Não podemos esquecer qual era o cenário que imperava antes deste enquadramento. Anteriormente ao estabelecimento de mecanismos de patente, o que reinava na industria era a regra do segredo industrial. Sem limites temporais. Cada empresa guardava os seus conhecimentos e fabricava os seus produtos enquanto entendesse, sem que desse facto adviesse algum beneficio colectivo que não fosse a própria disponibilidade do produto. Lembremo-nos, por exemplo, da fórmula da Coca-Cola, que se mantém como um segredo comercial longe dos olhos de potenciais interessados. Com a institucionalização das patentes, a situação mudou: a sociedade comprometeu-se a, em troca das "receitas" e das "instruções" que possibilitariam a qualquer pessoa com conhecimentos na área replicar a invenção, garantir um exclusivo do uso dessa informação e da venda desse producto durante um tempo limitado.

Este compromisso foi em grande parte espontâneo, e como tal agradou a ambas as partes. Deu até origem a mecanismos internacionais de reconhecimento dessas marcas e patentes a que aderiram voluntariamente praticamente a totalidade dos países do Mundo.

Foram estas as regras que foram definidas para o jogo. O que se passa agora é que, para acorrer às necessidades internas e aos seus sistemas de saúde em grande parte falídos, alguns estados passaram a utilizar a chantagem e a coerção como arma de arremesso contra as regras vigentes, impondo (ou ameaçando durante negociações de preços com a indústria) mecanismos de licenciamento compulsório que (sendo já por si discutíveis), estavam reservados a situações críticas de pandemias ou situações excepcionais de emergência, rasgando os compromissos a que se tinham sujeitado voluntariamente. O que passa, portanto, é em grande parte uma tentação de nacionalização por parte desses estados desses recursos de conhecimento, para os quais não contribuiram um cêntimo, mas tão somente com a promessa desse reconhecimento.

O que é que se avizinha? Já se vê, no caso referido da Abbot: naturalmente, vendo os seus interesses e as suas legítimas espectativas defraudadas unilateralmente, as empresas farmacêuticas vão retaliar, e com toda a legitimidade. Vão retaliar de vários modos, como por exemplo recusando a venda de outros medicamentos que sejam difíceis de reverse engineer, ou disponibilizando os seus medicamentos premium somente a países com boa reputação de respeito dos seus compromissos. Além disso, é fácil de esperar que os déficits comerciais que emerjam desta situação sejam diluídos pelo preço das outras especialidades farmacéuticas. Pior do que isso, poderá acontecer que se regresse ao cenário anterior de segredo industrial, prescindindo a indústria farmacêutica de registar as patentes dos seus novos medicamentos. Já para não falar no espectável aumento da duração dos ciclos de descoberta de novos princípios activos e no aumento do custo dos medicamentos, já que os investidores privados naturalmente preferirão ir investir em outros ramos que não estejam sujeitos a mecanismos arbitrários e tentações nacionalizadoras.

É este o cenário que está em cima da mesa. São estes os benefícios de longo prazo que esperam os cidadãos brasileiros e tailandeses.

2 comentários:

Anónimo disse...

Se as empresas abandonaram o segredo industrial e aderiram ao sistema de patentes, isso terá sido em boa parte, presumo eu, não por motivos altruístas mas sim por terem visto que, com os modernos métodos analíticos, se consegue frequentemente determinar em detalhe a composição de um medicamento ou o funcionamento de um aparelho, e, então, proceder à sua cópia.

Ou seja, o sistema de patentes é uma segunda escolha, quando se percebe que o segredo não consegue ser mantido.

Hoje em dia, quando qualquer companhia exporta um produto para a China, já sabe que os chineses irão desfazer o produto em pedacinhos para perceber como ele é feito e, depois, copiá-lo.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

Ora, e na continuação do meu comentário anterior, as empresas ocidentais continuam a exportar os seus produtos para a China, apesar de saberem que eles acabarão por ser copiados... por quê? Porque o mercado chinês é demasiado grande e valioso, e as empresas ocidentais não se podem dar ao luxo de deixar de exportar para ele, mesmo que isso comporte riscos de médio-longo prazo.

Ora, no caso do Brasil passa-se quase a mesma coisa. As companhias farmacêuticas dificilmente retaliarão contra um país como o Brasil ou a Índia, mercados demasiado grandes e valiosos para serem omitidos e perdidos.

Luís Lavoura